domingo, 25 de outubro de 2020

Partiu pro Paraguay!

Cada um lida com suas perdas como pode. Os Cazzamattas, muitas vezes, enfrentam dores com piada. Quando as lágrimas caem, alguém tira alguma besteira fenomenal da cartola para transmutar o choro em gargalhada. Então, a pessoa que fez a graça também se emociona e as horas seguem nessa mistura de piadas, anedotas, angústias e preocupações. Típica situação dos nossos velórios, dos mais traumáticos pelo menos. Não é difícil traçar as origens desse lado tragicômico da família, bastava olhar pro “capo” (carinhosamente atribuído ao Sr. Júlio Cazzamatta). Ele merecia um velório de pelo  menos 72 horas de piadas. Netos e filhos recontando histórias e polêmicas das mais diversas perspectivas (Covid de merda). Não darei conta aqui, somente na compreensão de neta, de recontar toda sua figura complexa e caricata. Precisava ter ao meu lado todas as outras pessoas que conviveram com ele pra remontar esse quebra-cabeça. Natural de Salto de Itu... Ops, quem o conheceu que complete a frase: “Salto de Itú é o seu c...”. Spoiler: se você não gosta de palavrão, pare de ler o post nesse preâmbulo introdutório. É muito difícil reconstruir histórias de Júlio Cazzamatta com uma linguagem educada. Mas prometo que tentarei. Logicamente só narrarei aqui os causos mais ou menos publicáveis. Acabo de escutar sua voz: “Rê, vai cagar”. 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Semântica é o seu c...

Essa semana, covid à parte, me aconteceu algo bem bizarro. Sequer posso dizer que foi surpreendente porque essas sutilezas são parte do cotidiano feminino. Sutilezas, aliás, que boçais de plantão teimam em classificar como mi-mi-mi. Respiro fundo. Não é ‘questão de semântica’ ou análise de discurso de conversa de elevador, mas uma sensibilidade para nuances da nossa cultura patriarcal. “Eu ajudo” é uma ova, só para citar uma clássica. Notem que estou tentando usar menos palavrões para expressar emoções negativas! 

sábado, 6 de junho de 2020

Estratégias de quarentena

Uma das minhas táticas de sobrevivência durante a quarentena foi me inscrever em um curso de crônicas (vai lá, foi bem legal). Mas, paradoxalmente, nunca escrevi tão pouco. Esse blog está menos movimentado que restaurante em tempos de pandemia. Até as moscas escafederam-se. Pode ser o excesso de trabalho? Talvez, mas já encarei fases mais tensas e isso nunca me aconteceu. Mesmo imersa em um mar revolto de artigos para ler e capítulos de tese para finalizar, encontrava uma prancha velha esgarçada para uma pausa. Um tempinho pra escrever despretensiosamente sobre o cotidiano e retomar o fôlego. O problema mesmo é meu superego.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Quarentena, privadas e excrementos

Quando o muro de Berlim despencou, eu não era uma criança de fraldas, mas ainda usava um penico. Não entendia muito de geopolítica e, aparentemente, nem de banheiro. Recordo nitidamente da musiquinha épica do plantão da TV Globo e da minha avó estatelada em frente à televisão. Enquanto a sopa de feijão fervia na cozinha, ela exclamava com seus cabelos esbranquiçados para o meu tio: “viu, o socialismo acabou”!

domingo, 12 de abril de 2020

Ressureição

Em um domingo de Páscoa, ela chegou a conclusão que Natal é superestimado. Nascimento de Jesus... grande merda. Qualquer um nasce, até Bolsonaros nascem. Foda mesmo é ressuscitar, essa ela queria ver (ou crer). Apesar de extremamente religiosa, dependendo do dia, resolveu, por assim dizer, ser uma católica devota e comemorar a Páscoa apesar das condições restritas impostas pelo corona vírus e a peste enviada por causa dessa geração Easy Jet. A culpa só poderia mesmo ser deles. Se criassem raízes em seus bairros, comprassem casa, cassassem, reproduzissem e morressem no seu vaso, não espalhariam essa bodega. Mas não era o momento de apontar os dedos. Ninguém “normal” pensou em culpar os libertinos pelo surto da Aids nos anos 80.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Flaneurs de Instagram: diário de quarentena

Quando saí da Alemanha há duas semanas, as ruelas da pequena Erfurt, capital do Estado da Turíngia, já estavam fantasmagóricas. O aeroporto de Nuremberg operava de modo improvisado, com parte da infraestrutura interditada. Ao chegar em Londres, encontrei algo excepcionalmente distante do cenário narrado em O Homem da Multidão. Allan Poe também deve estar lá com José Saramago no céu dos escritores, observando de camarote celestino essa mutação do espaço urbano moderno.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Ressuscitem o Saramago!


Se existisse um céu de escritores, José Saramago estaria mesmo por lá, bem puto da vida aliás, pisoteando enraivecido uma harpa angelical e irritante. Provavelmente, baseado no Evangelho Segundo Jesus Cristo, chamaria Deus de uma grande ingrato, vingativo e lazarento. Aquela mente genial pensou numa situação hipotética em que todos ficavam cegos e nos deu o brilhante “Ensaio sobre a Cegueira”. Anos depois, em “Ensaio sobre a Lucidez”, mostrou o que ocorreria se uma população inteira votasse em branco. Se nós brasileiros lêssemos mais, resolveríamos a dicotomia do ódio ao PT ou o voto num acéfalo nazistinha desse modo. Mas sem política. De volta à literatura. Saramago ainda criou em “As Intermitências da Morte” uma narrativa em que ninguém mais morria, e se assim o quisesse seria necessário atravessar a fronteira do hipotético país. Tudo isso pra dizer que estou aqui na minha quarentena londrina, fazendo uma reivindicação com a cúpula espiritual para que ressuscistem o Saramago. Nem ele previu que um vírus batizado com nome de cerveja deixaria a população mundial (com algumas exceções, em casos de países com governantes menos pensantes que lombrigas parasitárias) trancafiada em suas casas. 

sexta-feira, 20 de março de 2020

Covid-19 e a epopeia para defender uma tese em meio ao pandemônio


Terminar o doutorado é um rito de passagem que marca sim (desculpa a chorumela) a vida acadêmica das pessoas. É um momento importante e eu tinha certeza que escreveria um post traduzindo meus agradecimentos para o português ou, sei lá, gritando para toda a Internet o quanto estava aliviada. Mas o pânico que eu sentia em imaginar a sabatina dos examinadores foi, ao longo dos últimos sete dias, transformando-se no desespero da dúvida se a prova aconteceria ou não. Aconteceu. Foi um gol de pênalti marcado no último milésimo de minuto do segundo tempo em final de copa do mundo. A última vez que segundos fizeram a diferença na minha vida, um avião da TAM despencou no meio da 23 de maio em São Paulo e meu carro conseguiu parar antes do fogaréu.