quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cisjordânia: Hebron e o conflito entre Israel e Palestina

Tour Leva Visitantes à Dividida Cisjordânia
(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Nov. 2012)


Diferentemente de outras regiões como Jerusalém ou Tel Aviv, cidades da Cisjordânia – com exceção de Belém, onde está a Basílica da Natividade, não estampam cartões postais pelo mundo. Enquanto a bolha urbana de Tel Aviv faz esquecer os desentendimentos políticos, distritos como Hebron reproduzem nas ruas claramente o conflito Israel-Palestina.  
Não há perigo em visitar o lugar porque empresas de turismo como a palestina ATG (Alternative Tourism Group) e a israelense de ativistas judeus Green Olive Tours trabalham em conjunto para quebrar este estereótipo. Pode-se trocar a palavra perigoso por tenso, pois os tours abordam assuntos espinhosos como os assentamentos ilegais, o tratamento que a população recebe de soldados israelenses e a demolição de casas palestinas.
No programa está a visita a campos de refugiados, ao muro da segregação, aos assentamentos de colonos judeus, além de almoço em casa locais. O encontro com famílias palestinas ou até mesmo a hospedagem é vista como uma tática por essas empresas para superar preconceitos. Turistas brincam com as crianças, conversam com o casal, convivem com os locais e percebem que estão entre pessoas comuns. A proposta desses grupos de turismo não é só dinamizar a economia local, mas também promover a imagem da Palestina.

Roteiro em Israel: Jerusalém, Tel Aviv, Jaffa, Massada, Mar Morto, além de cidades do litoral norte como Haifa, Akko e Rosh Hanikra


Reza e diversão na Terra Santa

(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Nov. 2012)


A sagrada Jerusalém e a profana Tel Aviv são apenas duas entre as várias atrações que tornam o pequeno país do Oriente Médio um destino que surpreende

Regina Cazzamatta

Discórdias entre judeus e palestinos à parte, o turismo da Terra Santa não conhece o termo crise – de janeiro a agosto de 2012, 2,3 milhões de visitantes colocaram os pés nesse canto místico e enigmático o mundo. Apesar de quase 70% das excursões à região terem motivações religiosas, profanos e hedonistas não terão do que se queixar. Há muito o que ver por aquelas bandas, da bíblica Jerusalém à high-tech Tel Aviv, passando pelas maravilhas dos minerais do Mar Morto até a dividida e perturbadora Hebron.
Jerusalém, pela sua importância histórica, é o principal destino. Peregrinos, turistas e estudantes, religiosos e ativistas políticos fazem da polêmica e fascinante cidade um local bastante intrigante. Ali convivem cristãos, judeus e muçulmanos – juntos e ao mesmo tempo separados, já que a cidade antiga está dividida em áreas. Sagrada para as três maiores religiões monoteístas do mundo, é o local da crucificação de Jesus Cristo, da subida de Maomé aos céus e da destruição dos dois templos sagrados do judaísmo.
Chegar a Jerusalém durante o shabat – o sétimo dia do Gênesis, o descanso semanal de 24 horas para os judeus, contando do pôr do sol de sexta ao de Sábado – pode ser uma experiência marcante. O silêncio nos bairros judaicos é penetrante. Poucas pessoas são vistas pelas ruas e até mesmo  transporte público deixa de circular. No interior das muralhas do centro antigo, construídas pelo sultão Suleiman, o Magnífico, de 1537 a 1542, durante o Império Otomano, os olhos ficam curiosos diante da imensidão de expressões culturais e religiosas. O ícone da cidade, o Domo da Rocha, com uma enorme cúpula dourada, impera sobre o Monte do Templo. Razões para peregrinação não faltam por ali. Acredita-se que lá Adão foi criado, Abraão quase sacrificou seu próprio filho Isaac e foram erguidos e destruídos o primeiro e o segundo templos sagrados do judaísmo.
Praticamente em frente ao Domo está a mesquita Al-Aqsa, com capacidade para 5 mil fiéis. Conta-se que ali Maomé ascendeu aos céus para encontrar-se com Alá. Infelizmente, o acesso ao interior dos dois templos é permitido somente aos muçulmanos. Ainda assim, caminhar pelo Monte do Templo é uma vivência única, capaz de fazê-lo esquecer todas as divergências da região. Chão de pedra, fontes e árvores enormes dão um toque bucólico ao local. Sem contar com a bela vista para o Monte das Oliveiras. Vale lembrar que este é o lugar mais sagrado no mundo para os muçulmanos, depois das cidades Meca e Medina. Fiéis são vistos sentados em grupos, só de homens ou só de mulheres, sob às sombras das árvores. Muitos rezam em voz alta, um cantarolado suave que quebra o silêncio e completa o aspecto sagrado do local.

Embora exista nove portões que ligam as pequenas e tortuosas ruelas da cidade antiga ao Monte do Templo, a entrada dos forasteiros é permitida somente pelo Bab al-Maghariba. Filas fazem parte do passeio, ainda mais quando chegam tours com mais de 40 pessoas de uma só vez. É bom estar com o passaporte em mãos para passar pelo controle. Além da tradicional checagem de bolsas, câmeras e raio X, os guardas também perguntam o país de origem de cada visitante. Apesar do calor, é preciso se vestir com modéstia e cobrir ombros e pernas. Caso as roupas não estejam apropriadas, é possível comprar lenços para cobrir as partes desnudas. 

Muro das Lamentações  

       Na base ocidental do Monte do Templo, judeus rezam com as mãos encostadas no Muro das Lamentações.Considerado uma sinagoga a céu aberto, o espaço é dividido entre homens e mulheres. Muitos beijam as pedras, passam os dedos, batem levemente a testa, enquanto recitam trechos da Tora, o livro sagrado do judaísmo. Construído há 2 mil anos, o muro foi erguido para dar sustentação ao monte, onde imperava o Segundo Templo. O primeiro, da época do rei Salomão, foi destruído pelos babilônios, em 587 a.C. No começo do século 6 a.C, com a dominação persa na região, o povo judeu pôde voltar a Jerusalém e reconquistá-la. Mas, em 70 d.C, o segundo templo também foi reduzido a escombros, desta vez pelos romanos. Muitos foram exilados, marcando o início da Diáspora. Daí entende-se o simbolismo.


            De acordo com a crença judaica, a presença divina nunca abandona o muro. Os homens precisam colocar a kipá sobre a cabeça para se dirigir ao local. Também é importante não dar as costas ao muro e sair em marcha à ré, sempre olhando para ele. O momento mais especial para visitá-lo é no início do shabat, no entardecer da sexta-feira, quando o lugar lota. Entretanto, durante o shabat é proibido fazer fotos e há inúmeros encarregados de fiscalizar o cumprimento da determinação. Mesmo para os cliques mais discretos, há um olhar de reprovador e um pedido para que se guarde a câmera.


Via-Crúcis

Não muito longe do Muro das Lamentações está Via Dolorosa, onde cristãos fazem o caminho que Jesus teria percorrido com a cruz até o calvário. A famosa Via-Crúcis é demarcada por 14 pontos, que representam significantes passagens bíblicas da Paixão de Cristo. A primeira parada é atualmente uma escola islâmica. Por isso, nem sempre é possível visitar o espaço. Muitos grupos de fiéis fazem o percurso levando uma cruz em tamanho real, acompanhados por freiras, cantando e rezando. O ponto nove da trajetória é onde Jesus teria caído pela terceira vez. A partis dali, o caminho segue em sentido à Basílica do Santo sepulcro, onde se encontram as cinco últimas paradas da caminhada.   

Lá dentro, na capela católica, no ponto 11, acredita-se que Jesus tenha sido despido e pregado à cruz. Na capela ortodoxa ao lado, está o topo da montanha onde a cruz teria sido fincada. Há sempre muitos turistas, que se aglomeram em fila para olhar o lugar. No andar de baixo da igreja está a pedra onde Jesus teria tido seu corpo limpo e untado. Muitos se ajoelham, beijam a rocha, colocam lenços, terços, bíblias, fotografias, passam as mãos, rezam, fazem uma pausa e sorriem para a foto. O ponto final é a tumba, onde é preciso esperar um pouco na fila. Só entram quatro pessoas por vez e o tempo de contemplação é curto. Coisa de um minuto ou menos. Em seguida, já se ouve a voz de um padre ortodoxo pedindo para as pessoas deixarem o local. Existe, no entanto, uma teoria alternativa para a crucificação e ressurreição de Jesus, que aponta o Jardim da Tumba, em Jerusalém Oriental, como o local do ocorrido. Embora muitos ignorem essa versão, o espaço (coordenado por membros da igreja protestante) exibe um belo jardim, com pequenas fontes e muita tranqüilidade.



Monte das Oliveiras

       Outro local essencial é o Monte das Oliveiras. Inúmeras árvore, repletas de azeitonas verdinhas, marcam a paisagem – algumas têm cerca de 2 mil anos e se encontram no quintal da Igreja de Todas as Nações. Na paisagem, destoa as cúpulas douradas em forma de cebola da Igreja de Maria Madalena, construída por cristãos ortodoxos.

Logo no início, antes da subida realmente começar, está a Tumba da Virgem Maria, outra igreja controlada pelos ortodoxos. A capela é aparentemente pequena e singela por fora, mas ao descer as escadarias longas e acinzentadas, muitas vezes cheias de velas nos degraus, o templo se expande até o memorial. Alem do simbolismo espiritual, o morro oferece a vista mais espetacular da região. De lá, podem ser feiras fotos da cidade antiga. Embora alguns digam que a íngreme caminhada possa ser um pouco cansativa, vale a pena subir a pé, devagar para apreciar o visual em diversos pontos.

        Ao longo da montanha, chamam atenção inúmeras tumbas judaicas, esbranquiçadas e cheia de pedrinhas. Rata-se do maior cemitério em uso do mundo, onde estão enterradas cerca de 150 mil pessoas. Segundo a profecia judaica, o messias voltará no dia do Juízo Final pelo Monte das Oliveiras. Por isso, muitos querem ser enterrados ali para garantir um bom lugar na fila da ressurreição. Outra igreja bastante visitada no Monte das Oliveiras é a do “Pai Nosso”. Ali está a caverna onde Jesus teria ensinado a oração aos seus discípulos. Nas paredes da igreja pode-se ler a reza em mais de cem línguas, entre português, chinês e até mesmo guarani.

Uma boa dica é se hospedar no centro da cidade nova, fora das muralhas, onde estão os melhores restaurantes. 
          Por lá também se encontra o Museu de Jerusalém e seu Santuário do Livro, em forma de jarra branca. A arquitetura escolhida simboliza as jarras em que os rolos de pergaminhos dos escritos sagrados do Antigo Testamento foram encontrados, em uma caverna na região do Mar Morto. Para se despedir de Jerusalém, nada como o espetáculo de luzes da cidadela, onde fica a Torre de David, bem ao lado do portão Jaffa. Durante à noite, projeções luminosas nas ruínas da fortaleza, acompanhadas de musicas, contam de modo quase mágico (e simples) a história da cidade. O show é aberto ao som do que seria a flauta do rei David.


Onde um DJ é sagrado

           Enquanto em Jerusalém as pessoas estão mais ligadas ao sionismo, sua irmã mais nova está bem mais perto do hedonismo: Tel Aviv tem uma agitada vida noturna. Por lá, um DJ é sagrado e comanda diversas casas noturnas, seu templo. Se durante o shabat, Jerusalém praticamente entra em coma, em Tel Aviv PS clubes e bares, muitos deles na região da marina, abrem as portas geralmente por volta da meia noite. Depois de cair na agitadíssima noite, nada como se espreguiçar por horas sob o sol nas cadeiras de praia, dispostas para locação por cerca de 15 shekelim (por volta de € 3). E um mergulho em águas mediterrâneas é indispensável. Pela orla, a moda praia brasileira se destaca nos pés das pessoas em forma de Havaianas. Até mesmo marcas nacionais de biquínis estão à venda na Rua Sheinken, no centro, onde existem diversas butiques descoladas.

              Se a fome apertar, Tel Aviv é o lugar certo para os deleites da culinária. A cidade dita não só a moda do país, mas também domina a cena gastronômica. Judeus imigrantes de várias partes do mundo trouxeram influências da cozinha de origem, o que torna a cena bastante experimental e diversificada. Em alguns restaurantes, se vê na porta com destaque um selo koscher, emitido pelos rabinos. É a certificação de que a comida é preparada de acordo com os ditames do judaísmo. Entre as principais regras, estão quais carnes podem ser ingeridas e o modo de abate do animal. Além disso, carne e laticínios não podem dividir as mesmas panelas, sequer a mesma refeição – embora isso seja mais flexível em Tel Aviv.



Diáspora e Jaffa


            Para entender como os judeus mantiveram sua cultura, mesmo espalhados pelo mundo, uma visita ao Museu da Diáspora é bastante recomendável. Dentro do belo campus universitário, a exibição conta a história da diáspora e ainda explica o significado de muitas festas judaicas, a exemplo do barmitzvá, quando garotos de 13 anos atingem a maioridade religiosa e passam a ser responsáveis por seus atos morais (para as meninas, a cerimônia se chama bat-mitzvá). Outra opção para quem não quer passar o dia na praia é o Museu de Arte de Tel Aviv, quase no fim do Boulevard Rothschild. O prédio de vidro, ao lado de um belo jardim, abriga uma coleção permanente de impressionistas e pós- impressionistas, além de obras da avant-garde do século 20, a exemplo de nomes como Picasso, Matisse, Degas e Pollock.

            Embora essa vibrante cena cultural, artística e gastronômica dê a impressão de uma cidade madura, Tel Aviv é uma pré-adolescente se comparada à vizinha Jaffa. Há 4 mil anos, enquanto a metrópole israelense era somente dunas de areia, o porto de Jaffa já figurava como um dos mais importantes do Mar Mediterrâneo – citações da cidade são encontradas até no Antigo testamento. Atualmente, Jaffa se tornou um reduto descolado, cheio de marcados de pulgas e galerias e artistas, desde pintores e escultores até designers de joias. Já o porto não exibe mais tanta energia, mas ainda assim continua marcando uma das mais belas paisagens do mar e das construções históricas. Bares, restaurantes e o mercado local lotam, formando um típico murmurinho no distrito, tido como mais bacana de Tel Aviv.

            Ao caminhar pela beira da praia de Tel Aviv até Jaffa, onde reside uma maioria cristã e muçulmana, avistam-se moças de lenços e burcas na água, sentadas sob o sol e até mesmo chutando bola. O litoral tem um aspecto mais familiar e sem o mundaréu de cadeiras e bares que marcam a orla de Tel Aviv. Ainda assim, moças de véus e outras de biquíni transitam no mesmo espaço à beira-mar. 

Litoral Norte
          Se em algumas cidades de Israel, a convivência entre árabes e judeus é marcada por segregação, controle e conflito (veja Box na pág.165), em Haifa, o clima é visivelmente mais amistoso. A terceira maior cidade de Israel, tida como uma das mais heterogenias do país, abriga as duas culturas de forma bastante harmônica. Lá, comunidades judaicas seculares vivem, lado a lado, com os árabes de maioria cristã – e não em bairros separados.
Dizem os locais que, enquanto em Jerusalém se reza e em Tel Aviv se festeja, é em Haifa que se trabalha. De fato, a região é um importante vale do silício, com forte presença da IBM e a melhor universidade do pais em tecnologia, eletrônica e medicina. Do litoral, avista-se o Monte Carmel e o  esplendoroso Jardim Baha ´I, tido como uma das maravilhas do mundo moderno. Da base ao topo do morro, 19 terraços repletos de verdes jardins, fontes e portões dourados cortam a paisagem em direção ao porto – uma mescla bem realizada entre natureza e arquitetura. No centro dos jardins está o túmulo de cúpula dourada do fundador da religião monoteísta Baha´I, criada no século 19, na Pérsia, o Bu-ha´ullah. O local é o segundo mais sagrado para os 6 milhões de seguidores da religião espalhados pelo mundo.
Outro porto importante e histórico na região é o de Cesareia, ao sul de Haifa, construído por Herodes, o Grande, durante a dominação do Império Romano, para facilitar o comércio com a Europa. Cesareia foi capital da Judéia e a importância do seu porto, à época, é equiparada ao de Alexandria. Atualmente, a cidade é um grande parque arqueológico, onde se podem ser vistas inscrições no teatro romano local com o nome de Pôncio Pilatos, que morou em Cesareia. Resquícios do anfiteatro, onde os judeus foram assassinados durante a primeira revolta contra os romanos, e das fortificações das cruzadas podem ser observados nas ruínas à beira-mar.
Perto dali, Akko, que se tornou o principal porto e base dos cristãos durante as cruzadas, conquista os visitantes imediatamente. Uma das principais atrações é a cidade subterrânea desses tempos conflituosos. Túneis em direção ao mar, usados como ponto de fuga durante as batalhas, revelam a aventura da época. E a última cidade da costa norte de Israel é Rosh Hanikra, na conturbada fronteira com o Líbano. O destaque do pequeno distrito são os penhascos  à beira-mar, que formaram inúmeras cavernas de águas cristalinas e jogos de luz. O acesso ao penhasco é feito via teleférico e a sensação é como a de entrar na caverna marítima em Capri, na Itália, mas sem precisar estar em um barco. 
Mar Morto e Massada

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Esquisitices dos tempos do Facebook

            Sempre defendo e gosto das redes sociais. Confesso. Quando ouço alemães questionarem o sigilo de dados pessoais e a posse de algumas informações para uso de mercado, tento mostrar o lado legal da coisa. Meus colegas na universidade organizam tudo via Facebook, em um grupo fechado do mestrado, claro! Seminários, troca de textos, resumos, encontros de trabalho e tantas outras coisas. É comum eu receber mensagens: “Estou na biblioteca, alguém está por aqui e vai almoçar na Mensa?” (restaurante da universidade). Sim, festas também entram na lista de atividades. Assim, se eu não fosse membro da rede, ficaria um pouco à parte da coisa.

domingo, 18 de novembro de 2012

Um estranho no ninho


Sempre disse que gosto de andar de transporte público em cidades desconhecidas. Há quem torça o nariz para a ideia, os incansáveis amantes dos táxis, mas continuo batendo na mesma tecla. Não há melhor forma de ver as pessoas, testemunhar o dia a dia de uma metrópole ou pacato vilarejo. Mas e quando viajamos para casa ou para a nossa própria cidade? Tem muitas coisas que estranhamos quando vamos a São Paulo. O volume, a quantidade de carros, pessoas, trânsito. Parece um parlamento de esquizofrênicos falando alto, com um rádio ligado (que ninguém escuta), buzinas externas e um vai e vem estonteante. Um fala que ninguém te escuta.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Eu nunca....


Não, não se trata de um post confessional. Bom, não exatamente como podem imaginar algumas mentes mais maliciosas. Trata-se de coisas que jurei nunca mais fazer na minha vida, mas de repente, assim plötzlich, como dizem os alemães, lá estava eu na contra corrente das minhas convicções. Calma, não é nada sério. Fiz uma lista mental dessas coisas outro dia, antes de dormir (não, não tenho insônia e, sim, sou aficionada por listas estranhas). A afirmação mais bocó e inocente, que há muito tempo foi para o ralo, devo ter feito mais ou menos aos 4 anos. Como ia ao balé toda terça e quinta, chegava um pouco mais tarde que o normal na sala de aula no jardim da infância. E eis que só havia espaço livre nas mesinhas quadradas onde estavam os meninos. Passava a tarde sem abrir a boca, para não dirigir a palavra aqueles seres que considerava chatos, estranhos e bobos. Sem comentários. As coisas mudaram... Ops, não assim tão rápido. Mas logo passei a estabelecer algum diálogo com o sexo masculino, nem que fosse para xingá-los.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Circuncisão, brincos e sexo com animais


Antes de qualquer coisa, não que eu não goste de discussões. É importante trazer sem tabus todos os temas à mesa, mas confesso que, às vezes, me espanto com os debates na mídia alemã. Não só na mídia, na própria sociedade. Vamos lá. Alguém já se questionou como pode ser anti-democrático furar a orelha da sua filhinha recém-nascida? Eu tenho orelhas furadas, agradeço aos meus pais e não sou traumatizada por isso. Adoro passear por aí, exibindo meus penduricalhos. Pois então. Outro dia um alemão questionou esse comportamento dos pais do Sul da Europa e América Latina. Afinal, como a gente pode interferir no corpo da criança (um inocente furinho nas orelhas) sem ela ser capaz de intervir, dar sua opinião ou escolher? Moral da história. Se a menina quiser usar brincos, ela que deve decidir passar pelo procedimento ao crescer. É a mesma lógica do batismo. Muitos não são submetidos ao ato religioso porque os pais não querem influenciar as crenças dos rebentos. Essa decisão só cabe a eles, quando grandinhos e conscientes. Ok, acho a posição até bacana, democrática, embora continue a me impressionar os tipos de questionamentos que surgem por aqui.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Estranho mundo dos negócios


Chegar em Frankfurt durante a feira do livro pode ser um pouco estressante. O evento todo dá uma boa chacoalhada na cidade. São 280 mil visitantes, 9 mil jornalistas de 61 países, além de editoras, tradutores, autores, designers, ilustradores e agentes. Para quem fala alemão, há uma programação enorme, gravações de programas, leituras, apresentações de novos textos literários e  por aí vai. Este ano, no pavilhão de viagem, as discussões sobre blogs de turismo e conteúdos para aplicativos renderam boas discussões. Foi por ali que vi pessoalmente, pela primeira vez, o Cohn Bendit, líder estudantil de 68 e hoje presidente do Partido Verde no Parlamento Alemão. Lá estava ele, polêmico como sempre, falando  do seu novo livro “Para a Europa” (Für Europa). Aliás, ele até declarou em rede nacional que se aposentará no ano que vem e irá ao Brasil gravar um documentário de como nós, brasileiros, vivenciamos a copa do mundo! Esta eu quero ver.
Por enquanto, parece tudo muito legal. Mas a minha descrição não deve corresponder a de um agente literário. Esses sujeitos fazem uma espécie de RP entre editoras para negociar copy rights. Ficam em mesas, espalhadas simetricamente em um galpão gigantesco, longe de todo o murmurinho agitado da feira, recebendo editoras do mundo todo a cada 30 minutos. Tempo para comer? Coisa de  30 minutos, se o coitado tiver sorte. Ali eles ficam sem luz do sol, das 9h às 18h, cercados por mesas e garrafões de água. Mais ingrato que isso, é ter de apresentar títulos estranhos como um “livro agenda” para anotar os parceiros com que as pessoas dormiram, até com espaços de avaliação para determinadas partes do corpo. Leia-se pernas, bunda e seios! Pois é. Produto de uma editora americana que edita uma porção de coisas rentáveis (ou não) do gênero.
A diferença cultural também é um aspecto a ser levado em conta. As editoras japonesas são bem formais, lhe entregam o cartão de visita com as duas mãos, fazem uma leve reverência com o corpo e mandam uma avalanche de perguntas para a editora que está atrás dos direitos. Legal mesmo é a seriedade do mesmo oriental explicando a narrativa de um determinado mangá com teor erótico. A formalidade é mantida, sem nenhuma piadinha ou risadinhas no canto da boca. Os espanhóis são mais próximos do nosso jeitão. Convidam para um bebericar rápido, prometem mandar o material ao voltar para o país de origem e explicam a correria pré-feira que dificultou a elaboração de um status de venda mais consolidado dos títulos. Nesse espaço, as editoras e seus agentes apresentam seus livros, negociam copy rights e fazem o maior cerimonial do planeta.  São 7.384 expositores que aparecem por lá para cuidar da imagem da empresa e fazer novos contatos. Ao fim do quinto dia, a cara de cansaço e a bolsa embaixo dos olhos dos pobres funcionários é nítida. Mas ainda assim, eles mantém a pose para cuidar da tal imagem. Cada um, cada um.
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Obs.: No próximo ano, o Brasil será homenageado e terá uma grande programação voltada para nossos autores. O país está na moda, ninguém fala mesmo em outra coisa. Bom, assim talvez as pessoas por aqui passem a entender que nossa literatura vai além do Paulo Coelho.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Melhores Pubs em Dublin — Top 5


Escolher os melhores entre os mil pubs existentes em Dublin não é tarefa fácil. Provavelmente cada um dos 1,2 milhões de habitantes da capital têm lá seu pub para chamar de seu e eles não devem concordar entre si. Ainda assim, vai a tentativa, mesmo que muitos locais e turistas discordem da lista.

Oliver St. John Gogarty
A casa é irritantemente turística, milimetricamente pensada para ser tradicional e a comida ainda é cara e ruim. E por que raios o estabelecimento está na minha lista? As apresentações de música e dança irlandesa compensam todas as outras pendengas. Os músicos são ótimos, animados e apresentam  canções de qualidade do tradicional e clássico repertório de Pubs como a “Whiskey in the Jar” (vídeo). Apelidado carinhosamente por mim como o Green Pub, o Gogarty fica bem no Temple Bar (Fleet Str. 58-59). Dentro do pub, há uma estátua do poeta que dá nome à casa! Se a fome apertar, tente a degustação de ostra com Guinness!

Stag´s Head
    Na área da Grafton Street (Dame Ct. 1) esse pub é um dos queridinhos dos estudantes da Trinity College. Construído em 1770, reformado em 1895, a grande “sala de estar”, com decoração marcada por bastantes elementos em madeira, não mudou muito desde a sua última repaginação do século 19.  À noite, jovens com jeitão de estudante (barbas por fazer e pouca idade) lêem o The Irish Times sozinhos, acompanhados por uma pint! Por volta da meia noite é anunciada a venda da última rodada. Pena que só há comida até às 18h.

Porterhouse Brewing Company
    Como o nome já diz, o espaço (Parliament Str. 16-18) é também uma fábrica de cerveja, de onde saem diversos tipo de stouts, porter e ale. É possível até levar umas garrafas para casa. Todo em madeira, dá uma certa invejinha da coleção de rótulos e garrafas da decoração. No cardápio, tortas do dia à moda inglesa e lasanha de abobrinha. Inevitável não lotar à noite, o último andar tem uma vista bonita para o Temple Bar. 

Brazen Head
Esse é um dos pubs mais antigos de Dublin, próximo das extintas fortificações da cidade medieval (Lower Bridge St.). Desde 1198, a casa era uma taverna dos normandos. Hoje em dia, o público é bem mais eclético, estudantes de escola de inglês, turistas e locais. Há diversos espaços, alguns com um quê mais de restaurante, além de uma sala de decoração verde, reservada para sarais e leituras dos clássicos da literatura irlandesa. Para dia mais frios, a lareira da primeira sala é uma boa pedida.
Portobello Pub
  Na região dos grandes canais (South Richmond Str.), na área sul da cidade, o PUB alimenta os trabalhadores da região. De manhã, enquanto alguns encaram o café irlandês (ovos, bacon, salsichas, tomates e feijão com molho), outros já assistem com uma pint em mãos o andamento do Hurling, o esporte nacional, semelhante ao hóquei. Há diversos ambientes, todos decorados em madeira, além de fotos e objetos antigos dos tempos da revolução de 1916, uma pré tentativa de independência.



sábado, 6 de outubro de 2012

Uma carona bem peculiar


Ainda na leva sobre posts irlandeses, resolvi narrar uma carona por aquelas bandas. Não sei dizer com exatidão quem bebe mais, se um irlandês ou um alemão. Acho que alguém deveria escrever uma tese sobre culturas comparadas para verificar quem é melhor de copo. Fato é que apesar de beberrões, os irlandeses são pessoas muito hospitaleiras. Encontramos um velho conhecido, num pub no bairro de Raheny (esse aí da foto), que insistiu em nos dar uma carona até o teatro, no centro da cidade. Já estávamos com os ingressos do Dubliners em mãos, quando vimos o Sean, acidentalmente, e acabamos perdendo um pouco a noção do tempo com o bate papo. Assim, muito solícito, ele cismou que nos levaria até o local. 
Resolvi não perguntar que horas ele tinha “aberto o escritório” e começado a entornar as Guinness. A única informação que recebi, após parar no terceiro copo, era que ele conseguia ir até o sétimo! Detalhe sem importância nesse momento. Outro fato que não podemos desconsiderar é que nosso solícito amigo sofreu há anos um acidente de carro e não tem mais um braço. Bom, tecnicamente ele tem, mas não funciona mais. Ficou paralisado como se ele tivesse tido um derrame. Assim, entramos no carro rindo e pedindo para o anjo da guarda dar um reforço, lembrando do ditado popular que Deus olha os bêbados e as crianças. Sim, lá fomos nós de carona com um senhor de óculos, dirigindo com uma mão só, depois de tomar váriaaassss Guinness! O detalhe da direção no lado direito passou até desapercebido nesse instante.  O que a gente não faz pela interação com os locais. Pior foi a observação: “como eu bebi um pouco, vou deixar vocês no ponto de ônibus do centro, mas não na frente do teatro por causa do tumulto”!. God! Se o Sean fosse contemporâneo ao Joyce, ele certamente seria inspiração para uma das histórias!
Como deu pra notar, chegamos vivos e em tempo para a peça!


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Como tirar um pint de Guinness

      Tenho uma confissão a fazer. Mesmo morando quase um ano em Dublin, nunca tinha colocado os pés na fábrica da Guinness, de 1759, um imã de turistas da capital irlandesa. As tarefas do dia a dia acabam nos distraindo e deixamos um pouco o turismo de lado. Assim, ao longo de todos aqueles meses, aprendi a degustar pints em inúmeros pontos da cidade e torcer o nariz para aquelas mal tiradas. Mas nunca havia botado a mão na massa, por assim dizer, tarefa que deixei para minhas goladas mais maduras, alguns anos depois. E essa é a atração mais legal da Guinness Storehouse. Tirar a sua própria stout! Ali são produzidas todos os dias 3 milhões de pints. Ainda em tempo: ao contrário do que muitos pensam, a água da bebida não vem do Liffey, mas sim das montanhas Wicklow, nos arredores de Dublin. Sim, assumo, é coisa de turista, para fazer qualquer irlandês rir, mas a partir de hoje, podemos exibir ao lado da nossa coleção de quase 250 rótulos de cerveja, um certificado de que aprendemos a tirar a bebida perfeitamente! 

     O espaço de visitação é bem legal, mostra todo o processo de produção da marca, a mistura dos ingredientes, a diferença da stout em relação à porter (tecnicamente esta é um pouco mais fraca) e por aí vai. Mas degustar a Guinness tirada por nós mesmos, não tem preço (desculpe pelo chavão). Fizemos a lição de casa e anotamos cuidadosamente todas as recomendações. Aí vai:

1.    A bebida é servida a 6 graus Celsius. Observe se o copo está frio e nunca use um recém saído da máquina de lavar louça. Marcas de batom também são abomináveis.

2.    Incline a pint em um ângulo de 45 graus em relação à bomba, puxe-a para frente e deixe o líquido escorrer. Quando a cerveja chegar na altura da base da harpa marcada no copo (o logo não serve só de propaganda), desincline-o e deixe cair um pouquinho mais de Guinness até o topo da harpa.

3.  Deixe a bebida decantar por alguns segundo. Complete o copo com a cerveja, apertando a bomba para trás (para não sair mais gás). Espere mais um pouco até a Guinness “assentar”.

     
     Todo o processo dura 119.5 segundos. Quase dois minutos! E sim, aqui o ditado popular se aplica: a pressa é inimiga da perfeição! Depois é só degustar os 4,2% de teor alcoólico da Guinness Draught e esquecer das suas 198 calorias (menos que uma pint de suco de laranja, diz a lenda)! Alimenta e não dá ressaca! E para aqueles que não confiam em sua mãos trêmulas, aposte nos Barmans do Gravity Bar, no topo do edifício. É bom de ver e bom de beber! A precisão é tamanha que a espuminha vem até com a harpa demarcada (uma espécie de latte art na cerveja). Deve ser  porque mais perto de Deus, a Guinness tem de ser tirada com muito mais perfeição.






 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dublin revisitada


Sete anos se passaram desde a primeira vez que vimos o Liffey correr por Dublin. Como estaria a cidade desde que a deixamos? Embora tivéssemos intimidade com aquelas ruas às margens do rio, com aquela chuva fina e brisa gelada, receávamos não encontrar tudo do jeito que deixamos. Afinal, não só as pessoas mudam, as cidades também se transformam. Claro que muita coisa ainda estava lá, do mesmo jeito que James Joyce descreveu no começo do século 20, do mesmo jeito que vimos há longos ou curtos sete anos. A movimentação na Grafton Street, as mesmas lojas e o murmurinho de pessoas na ponte O´Connell, grupos de estudantes em frente à Trinity College e até mesmo os canais. A tradicional hospitalidade irlandesa também não desapareceu. Logo após deixarmos o aeroporto, uma garota de sotaque particular nos deu seu tíquete do transporte público irlândes, válido por três dias. "Estou indo embora, mas ainda tem 24 horas para vocês pegarem os Luas, Darts e ônibus", disse sem tentar vender o passe.
Não fosse a tal garota, talvez não tivéssemos resolvido ir até Howth, um vilarejo portuário ao Norte de Dublin. Costumávamos ir à vila nos finais de semana, passeávamos pelo porto, tomávamos sorvete, olhávamos as gaivotas. Por lá pouca coisa tinha mudado. A sorveteria que trabalhei por dois finais de semana estava pintada de verde e rosa, o mesmo sebo de livros ainda tinha aquele cheiro de pó e o vento continuava cortante ao longo do cais. Na volta, o ônibus 31, sentido Lower Abbey str., passou pelo bairro de Raheny, onde morávamos naqueles tempos. Já tínhamos decidido não ir até lá, pois era uma área distante do centro e não tínhamos muito tempo para sentimentalismos.
 Mas o ônibus circulava devagarzinho por aquelas ruas residenciais, não tão conhecidas pelos guias de viagem. Descemos de supetão. A paisagem estava congelada, as moradias de tijolos avermelhados eram exatamente iguais e não tínhamos mais certeza em qual rua estava a casa que nos abrigou naquele inverno. Um pavimento tortuoso entre as árvores me pareceu familiar. Meus sapatos reconheciam aquele curto trajeto. Caminhei devagar, tentando dar pistas para minha memória enferrujada. Uma placa de jardim marcava o nome da rua: Betty Glen! Era ali! Fomos a passos lentos até pararmos bem em frente a casa. 


Naquele sobrado, há sete anos, uma senhora irlandesa recebia estudantes.  A Dympna levava seu trabalho a sério. O jantar era sempre servido às 18h30, sopa, toastes de alho e manteiga, salada e um prato principal. Até às 20h, ela ficava na cozinha, conversando com os alunos com seu leve sotaque irlandês. Sabia de tudo que se passava no bairro, até mesmo se tínhamos visitado a igreja ou a biblioteca local. Muitas vezes, Sean, seu marido, chegava do pub, abria a porta da cozinha com as bochechas vermelhas de tanta Guinness. "Não sobrou nada para você", dizia ela. Apesar do seu temperamento, nos tornamos amigas. Mostrava fotos da minha família, ela falava mal do seu futuro genro, um sujeito que, segundo ela, só pensava em futebol e era caixa no supermercado Tesco. Quando estava mais eloqüente, até respondia nossas perguntas sobre a independência da Irlanda. Olhava para a porta de entrada da casa, verificava se o marido não estava por perto e arrematava: “o Sean não gosta que eu fale isso, mas, se não fosse o IRA, estaríamos até hoje esmolando por batatas”, dizia. Mesmo adoentada - ela tinha acabado de se tratar de um câncer e ainda usava peruca - a Dympna continuava a lotar o lar de estudantes, apesar da reprovação familiar. 

Olhávamos para a casa e relembrávamos de todos esses momentos. Observamos a janela do quarto onde dormíamos. Dava para ver, apesar do reflexo do vidro, a parte detrás da televisão sobre a mesa. Aparentemente até a disposição dos móveis estava a mesma. Algo me dizia que a Dympna não morava mais lá. Em frente a porta de entrada, folhas amarelas rolavam no chão e denunciavam a chegada do outono. Aquela cena não era comum há sete anos. Uma vizinha abriu a porta, entrou no carro. Cogitamos perguntar sobre os moradores da nossa antiga casa, mas achamos um pouco fora de propósito. Sem especular mais, decidimos tomar uma Guinness no Cedar, um pub bem local, onde íamos durante a semana à noite, para arejar a cabeça depois dos estudos. Lá nós passamos a noite de Réveillon de 2004 para 2005. Dois estrangeiros, há menos de oito horas no país, com um monte de irlandês bêbados, celebrando a chegada de mais um ano!

Ao entrar no Pub, encontramos o Sean, sentado no sofá entre dois amigos, com uma Guinness em mãos (claro!). Ele assistia a final do golfe na TV. Pensamos em ir embora, mas tudo parecia muita coincidência e resolvemos falar com ele. Preparamos bem os ouvidos, afinal o sotaque dele sempre nos deu calafrios (tink, righsch). Ali, no mesmo pub de sempre, ele perguntou estonteado "como vocês se lembram de mim"? Fomos apresentados a todos os locais como os brasileiros que chegaram da Alemanha para revê-lo. Entre uma discussão e outra para ver quem pagaria a próxima rodada, recebemos todas as atualizações do bairro. O barman John foi afastado por problemas de saúde e a Dympna não morava mesmo mais naquela casa!
Eu sabia! Ela nunca permitiria aquelas folhas melancólicas rolando na frente da casa dela. No mesmo mês que voltei para o Brasil, em setembro, ela faleceu. A notícia veio dura e seca. Sem eufemismos como “she passed away”. O marido disse logo, curto e grosso, apesar da voz embargada: “she died”. Embora ela tenha dito que precisasse ir ao hospital naquele período, não esperávamos o pior. Mesmo do seu leito, ela ainda coordenava o jantar, que as filhas tinham de ir deixar para os estudantes na sua ausência. Como contou o Sean, ela foi ao casamento da filha com o fanático por futebol e morreu sete dias depois. Tudo isso em um curto espaço de tempo, durante meu retorno. Jantamos com ele no dia seguinte, em Raheny, onde ele mora já há 60 anos.

Depois da sua morte, a Dympna ganhou mais três netos, Luke, Rebeca e Jessica. Primos dos nossos velhos conhecidos Christine e Steven, agora dois pré-adolescentes. Acho que a Dympna está metida nesse monte de coincidências, talvez lá do céu, organizando o acaso da nossa visita. Dublin estava lá com pequenas mudanças, as eternas ruínas de igrejas medievais, enquanto seus habitantes iam e vinham.


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