A Magia de Praga
Ao flanar pelas vielas do deslumbrante centro histórico, andar nos antigos bondinhos e passear de barco no Rio Moldava você não terá dúvida: Praga é uma das capitais mais suspirantes da Europa.
Regina Cazzamatta
(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Set.2014).
Torres góticas pontiagudas se destacam na paisagem dominada por majestosas construções de telhado vermelho. Justamente por conta dessa característica, Praga, na República Tcheca, é chamada de “cidade das cem torres”, e bastam alguns minutos contemplando esses e outros primorosos traços medievais para ser arrebatado pela imponência da vizinhança e ter certeza: essa é uma das capitais mais bonitas da Europa.
Ainda que hoje seja uma metrópole com uma população de 1,3 milhão de pessoas, o típico astral da cidade medieval segue dando o tom por lá. E é realçado pelo plácido Rio Moldava e, aqui e acolá, por sinuosos canais, que garantem a Praga a alcunha de “Veneza do Leste”. A capital tcheca, porém, pode se ar ao luxo de dispensar esses títulos e comparações.
É que ela tem história forte. E personalidade própria, moldada, ao longo dos séculos, pelas ocupações e gestões de governantes de origem (e humores) variados que juntaram e misturaram um caldeirão de culturas: o jeito de ser herdado da Boêmia (região que se formou no século 11 e, em 1918, deu origem à Checoslováquia), somado às influencias judaicas e alemãs. Gente do mundo todo, atraída pelas oportunidades trazidas pela abertura política e econômica, encorpou ainda mais esse caldo a partir dos anos 1990, após a Revolução do Veludo — série de manifestações populares que ajudou a pôr fim a 40 anos de regime comunistas na então Checoslováquia, que acabaria se dividindo em República Tcheca e Eslováquia. Foi a deixa para Praga florescer e tornar-se uma cidade cosmopolita, vibrante e com ótimos restaurantes, artistas e designers inovadores.
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É em virtude dessa atmosfera fervilhante e multicultural que os moradores, hoje, vêem a expressão “primavera de Praga” por outro ângulo. Ela não remete mais à invasão dos soviéticos e seus tanques em 1968, que na ocasião pretendiam continuar assegurando sua mão de ferro na região, mas à estação do ano que, entre março e junho, faz os turistas acordarem em massa na cidade. Esse movimento prossegue até meados de dezembro, quando o frio, que não é brincadeira, dá ar da graça. E os visitantes são muitos: anualmente. 8,5 milhões de forasteiros flanam pelas ruas estreitas, andam nos antigos bondinhos ou embarcam em passeios de barco para vislumbrar as igrejas medievais, as pontes cheias de histórias e mistérios e, principalmente, o fabuloso castelo que, no topo de uma colina, vigia a capital.
Berço dessa e de outras construções lendárias — a cidade é como um museu a céu aberto da arquitetura européia, com prédios que vão do gótico ao barroco aos estilos modernos —, a grande parte do legado arquitetônico de Praga data do século 14, época gloriosa em que reinou Carlos IV (1316-1378), cujo poderio se estendia às regiões de Boêmia, Moravia e, ainda, do Sacro Império Romano Germânico. É por isso que o figurão dá nome a diversas atrações de Praga. A começar pela Ponte Carlos, cujas extremidades são demarcadas por torres nas quais você pode subir e vislumbrar um belo panorama das redondezas.
De manhazinha, a quantidade de gente por ali nem é tão grande, mas, por volta do meio dia, o burburinho de pessoas, flashes e sons se instala em definitivo: moradores, visitantes e toda sorte de artistas se misturam num alegre vaivém. Outras 14 dessas estruturas cruzam o rio, mas a razão pela qual todos se aglutinam na Ponte Carlos — que se estende por 520 metros e é tão larga que antigamente permitia a passagem de quatro carruagens lado a lado — é simples: ela propicia uma das mais belas vistas da capital, exibindo, com especial fotogenia, a colina do castelo, por trás da qual despontam as torres da monumental Catedral de São Vito, o rio correndo e 36 grandes estátuas sacras. Entre elas está a de São João Nepomuceno (1340-1393), figura que a maioria dos transeuntes procura por causa de uma placa de bronze que, dizem por lá, se for esfregada, garante o retorno a Praga.
De manhazinha, a quantidade de gente por ali nem é tão grande, mas, por volta do meio dia, o burburinho de pessoas, flashes e sons se instala em definitivo: moradores, visitantes e toda sorte de artistas se misturam num alegre vaivém. Outras 14 dessas estruturas cruzam o rio, mas a razão pela qual todos se aglutinam na Ponte Carlos — que se estende por 520 metros e é tão larga que antigamente permitia a passagem de quatro carruagens lado a lado — é simples: ela propicia uma das mais belas vistas da capital, exibindo, com especial fotogenia, a colina do castelo, por trás da qual despontam as torres da monumental Catedral de São Vito, o rio correndo e 36 grandes estátuas sacras. Entre elas está a de São João Nepomuceno (1340-1393), figura que a maioria dos transeuntes procura por causa de uma placa de bronze que, dizem por lá, se for esfregada, garante o retorno a Praga.
É fácil identificar a imagem do santo — ele traz uma cruz numa das mão e um arco de estrelas douradas em torno da cabeça —, que teve um fatídico destino: reza a lenda que ele teria sido arremessado ao rio por se negar a revelar ao rei as confissões feitas por sua mulher. Mas, na realidade, o assassinato pode ter sido reflexo dos problemas políticos entre a Igreja e o Estado.
Recorde no Topo da Colina
Também é da Ponte Carlos que se tem a melhor vista para o Castelo de Praga. O complexo serviu de residência aos governantes da Boêmia do século 11 ao 16, e, na realidade, é bem mais do que um castelo. Trata-se de uma primorosa junção de uma fortaleza a um fascinante conjunto de construções históricas — museus, galerias, igrejas, pátios e jardins —, tudo erguido ao longo de um milênio na parte alta da cidade. É um ponto tão emblemático que foi lá, no imponente Palácio Real, o qual abriga a residência do presidente e a sede do governo, que o escritor e dissidente Václav Havel tomou posse em 1990 e se tornou a primeiro presidente da República Tcheca pós-comunismos.
Segundo o Guinness, o livro dos recordes, a construção é o maior burgo do mundo: a cidadela se espalha por 72 mil metros quadrados, o equivalente a quase oito campos de futebol. Dada as dimensões, não resta dúvida de que será preciso algumas horas batendo perna para passar por boa parte das atrações do pedaço.
Segundo o Guinness, o livro dos recordes, a construção é o maior burgo do mundo: a cidadela se espalha por 72 mil metros quadrados, o equivalente a quase oito campos de futebol. Dada as dimensões, não resta dúvida de que será preciso algumas horas batendo perna para passar por boa parte das atrações do pedaço.
Entre os destaques estão a cerimônia de troca de guarda, realizada todos os dias, de hora em hora (embora a mais bambambã, com troca de bandeira ao som de uma banda marcial, ocorra às 12h), e a magistral Catedral de São Vito, obra-prima da arquitetura gótica. Além dos vitrais, o templo abriga jóias da antiga Coroa da Boêmia e tem 21 capelas que homenageiam reis e príncipes santos do país. A principal delas é dedicada ao padroeiro do país, São Venceslau, e guarda os restos mortais do padroeiro de Praga, São João Nepomuceno (aquele que teria sido atirado ao rio), os quais ficam numa majestosa urna de prata.
Mas não foi assim, do dia para a noite, que uma das mais ricas e impressionantes catedrais da Europa Central se transformou no núcleo cultural e espiritual de Praga. A construção começou em 1344, durante o reinado de Carlos IV, mas o templo só foi finalizado em 1929. Um pouco mais modesta, mas linda também, a Basílica de São Jorge, no terceiro pátio do castelo, tem uma charmosa fachada de tijolos vermelhos e um interior onde ainda estão conservados afrescos originais do século 12.
Nos Passos de Kafka
Bem próximo dali, ao norte das muralhas, encontra-se mais uma atração badalada, a Viela Dourada. A rua exibe uma fila de minúsculas casas com portas baixas, erguidas no século 16 para os antigos guardiões do castelo. Hoje, as construções de fachada colorida se converteram numa exposição dos hábitos e costumes da época: mobiliário, marionetes, cerâmicas, armaduras e espadas retratam o cotidiano medieval.
Em meio à estreita rua de paralelepípedos, uma das residências, a de número 22, pintada de azul, fisga os passantes: nela morou, entre 1916 e 1917, um dos filhos ilustres de Praga, o escritor Franz Kafka (1883-1924). Em busca de um refúgio para escrever, ofício que exercia depois de ter trabalhado parte do dia num instituto de seguridade governamental, o autor encontrou nesse lugar tranquilidade para criar a coletânea de contos O Médico Rural, concebida no tempo em que viveu ali. Esse livro, os clássicos Metamorfose e O Processo e outras obras suas, em diversas línguas, são vendidos ali mesmo, já que a construção hoje funciona como livraria.
Para completar a experiência kafkiana, vale visitar, em frente ao Teatro Nacional, o antigo Café Slavia — que, alem dele, recebia seus companheiros de ofício, como Rainer Maria Rilke (1875-1926) e o Museu Kafka, no bairro de Malá Strana. A mostra explora a relação do autor com a cidade por meio de jornais, fotos, cartas (muitas cartas, já que ele escrevia enlouquecidamente a familiares e amigos) e publicações da época.
Porém, antes de imergir na vibe labiríntica e surreal do escritor, aproveite a bateção de pernas ainda na região do castelo para ir ao Mosteiro Stravoh. No saguão de entrada, um mapa antiqüíssimo da Europa, feito no desenho que retrata o corpo de uma mulher, já dá uma ideia das preciosidades guardadas nesse complexo de prédios e igrejas. O ponto alto é a mais antiga biblioteca teológica do país, que ocupa dois magníficos halls barrocos. Embora não se possa entrar nos salões, dá para ver da porta as prateleiras de madeira entalhadas e folhadas a ouro tomadas de livros históricos, partes deles escrita à mão. Globos terrestres antigos e afrescos no teto dão o toque final.
Sim, são muitos tesouros e histórias em cada palmo de chão, portanto, mais do que bem-vindo é até necessário parar aqui e ali para processar tudo o que está sendo visto. Nesse sentido, rendem agradáveis pit stops os amplos jardins do castelo e o Parque Letná Sady, no alto da colina. Especialmente se o tempo estiver ensolarado, quando se tem uma vista imbatível das construções de telhado vermelho e das diversas torres. Panorama que também e privilégio de quem se senta nas mesas externas do restaurante Hanavsky Pavilon (Letenské sady 173), também na parte alta. Ali, você degustará especialidades tchecas e apreciará, de camarote, a sequencia de pontes sobre o Rio Moldava.
Mesmo com a centena de torres medievais que se impõem no céu de Praga, duas delas, bem pontiagudas e decoradas e decoradas com uma imagem de ouro da Virgem Maria, se sobressaem quando se contempla o centro histórico do alto da cidade. Elas estão na Igreja Tyn, de fachada gótica e interior barroco, e curtir o burburinho em seus arredores, ao entardecer, é um programa clássico.
O templo se situa em meio à miscelânea arquitetônica do centro antigo, na Staromestké Namestique (Praça da Cidade Velha), coração da capital tcheca. Nos meses quentes do ano, o pedaço é tomado pelos guarda-sóis de inúmeros cafés e povoada por artistas de ruas, crianças brincando e, claro, turistas. Num point fervilhante assim, é claro que há barracas de guloseimas, como as que vendem os típicos pães doces de rolo, assados com açúcar e canela.
Ao longo do dia, o burburinho só arrefece, em parte, quando o pessoal se junta na frente da Igreja Tyn, onde rola, de hora em hora, o espetáculo do relógio astronômico, repetido há 600 anos. Nesse momento, muitos param suas atividades para ver um esqueleto, que representa a morte, puxar o sino e iniciar a apresentação de 45 segundos.
Nos arcos dourados e ponteiros, oito personagens contemplam a cena. Na parte de cima, estão retratados quatro pecados: a vaidade (com o espelho em mãos), a avareza (com o saco de dinheiro), o esqueleto (a morte) e a invasão pagã (a imagem de um turco). Na parte debaixo, surgem quatro virtudes, exibidas pelas figuras do poeta, do anjo, do filósofo e do astrônomo. No fim do anuncio das horas, os 12 apóstolos de Cristo aparecem um a um na janelinha superior do equipamento.
O minucioso relógio traduz a importância que a astronomia teve em Praga na Idade Média. No Klementinium, antigo colégio jesuíta que hoje funciona majoritariamente como Biblioteca Nacional, um tour de 50 minutos passa por salas com instrumentos de estudo dessa ciência e leva à torre de observação onde os astrônomos Tycho Brahe e Joahnnes Kepler revolucionaram o entendimento do sistema solar no século 17. Mesmo que você não se interesse pelo assunto, a espetacular vista do alto da torre é a razão suficiente para convencer qualquer um da visita.
A Faceta Mais Moderna
A esplendorosa herança medieval é o grande chamariz da capital, por isso o estilo mais óbvio ao olhar as torres e igrejas é o gótico. Entretanto, Praga se exibe com uma série de exemplares bem mais modernos, e até diferentões, de arquitetura.
O Grand Café Orient (rua Ovocn´y 569/19), situado no primeiro andar de um predinho batizado de Casa Virgem Negra, é um símbolo de estética cubista (estilo arquitetônico do início do século 20 que rompeu, e radicalizou, com várias características da estética renascentista). Ali, das lâmpadas aos banquinhos, tudo segue à risca o estilo. O edifício também abriga um museu dedicado ao movimento, com pinturas e móveis do gênero. E, em frente à Igreja Nossa Senhora da neve, outro exemplar cubista resiste: um poste de luz de 1915, caracterizado pelas camadas sinuosas.
Da era pós-comunista, uma das construções mais emblemáticas é o inusitado prédio Fred e Ginger, em Nove Mesto (centro novo). O projeto do premiado arquiteto Frank Gehry, de 1922, faz jus aos atores-bailarinos que homenageia (Fred Astaire e Ginger Rogers) e parece dançar na paisagem.
Da era pós-comunista, uma das construções mais emblemáticas é o inusitado prédio Fred e Ginger, em Nove Mesto (centro novo). O projeto do premiado arquiteto Frank Gehry, de 1922, faz jus aos atores-bailarinos que homenageia (Fred Astaire e Ginger Rogers) e parece dançar na paisagem.
Pois é, Praga é mesmo mestra em apresentar essas surpresas artísticas. Em frente ao kampa, o Museu de Arte Moderna, é impossível passar batido pelas três esculturas gigantes de bebês engatinhando, chamadas de Miminka, e pela enorme estátua de um cavalo de cabeça para baixo, colocado numa galeria comercial. Ambas são do polêmico artista local David Cerny.
Também não faltam monumentos em alusão às vitimas do regime comunista. Instalado no jardim da embaixada da Alemanha, um dos exemplos mais marcantes é o que exibe um Trabant, carro típico dos países que faziam parte da Cortina de Ferro, sobre quatro pernas, as quais, substituindo as rodas, demonstram a vontade dos nativos de partir durante os anos de chumbo.
Mais um ponto legal para topar durante uma caminhada despretensiosa é o muro de John Lennon, em frente à embaixada francesa. Em 1980, após o assassinato do músico, pacifistas grafitaram um muro, que se tornou símbolo dos movimentos da juventude da época. Cheia de imagens e mensagens políticas de outrora, os turistas, hoje, também deixam suas contribuições ali, como flores, cartas e mesmo novos desenhos sobre os feitos do passado.
Nenhum outro endereço, porém, foi palco de tantos protestos e fatos políticos importantes na história recente do país como a Praça Venceslau, que, na realidade, é um grande bulevar. Foi ali que “desfilaram” os tanques soviéticos que invadiram a cidade na Primavera de Praga, em 1968, quando a então Tchecoslováquia tentou flexibilizar a interferência soviética no país.
A “praça” também foi palco da Revolução de Veludo, em 1989, em que milhares saíram às ruas depois da repressão policial a um protesto estudantil. O movimento foi fundamental para o progresso que acabaria com os 40 anos de vigência do comunismo. Aliás, o anúncio oficial do fim do sistema, feito pelo escritor, dissidente e depois presidente Václav Havel, se deu no pedaço, na varanda da casa de número 36.
Mas esses tempos difíceis e turbulentos ficaram para trás. Hoje, galerias de arte, lojas — que vendem artesanato, as típicas marionetes e as famosas peças de cristal—, bares e restaurantes da moda é que invadem a praça-bulevar.
Mas esses tempos difíceis e turbulentos ficaram para trás. Hoje, galerias de arte, lojas — que vendem artesanato, as típicas marionetes e as famosas peças de cristal—, bares e restaurantes da moda é que invadem a praça-bulevar.
Praga tornou-se pulsante, dona de uma vibrante vida noturna. Do passado daquela cidade escura e kafkiana restaram apenas os romances de Milan Kundera e os belos antiquários nas ruelas que levam ao castelo. De cinza não há mais nada, a não ser as telas em preto e branco das antigas ruas, sempre com um único detalhe vermelho: os bondinhos ou o guarda-chuva de uma moça se escondendo do mau tempo.
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