quarta-feira, 10 de abril de 2019

Nova Zelândia: Em busca dos Kiwis na Ilha Sul

Uma overdose de natureza, trilhas, geleiras e esportes radicais no pedaço mais selvagem do país do kiwi

Não é muito fácil ver um kiwi. Não a fruta, mas o pássaro kiwi, que é o símbolo nacional da Nova Zelândia. O bicho tem aspecto engraçado, parece uma bolota peluda com um bico fino e alongado. Ele não voa, é muito arisco e só gosta de sair à noite. Apesar da timidez, o kiwi não tem nada de bobo, pelo menos, sabe escolher muito bem um lugar para morar. Habita os parques nacionais da Ilha Sul da Nova Zelândia, a região mais bela e selvagem do país, onde a natureza foi criativa ao desenhar picos nevados, praias, geleiras gigantes e fiordes (estes últimos só para dar um toque norueguês à paisagem neozelandesa). Para mim, o kiwi é, sobretudo, um privilegiado.

Posso não ser fotógrafa da National Geographic nem cinegrafista de documentário da BBC, mas estava muito disposta a fotografar um kiwi na minha viagem pelas mais belas paisagens da Nova Zelândia. Antes, porém, precisei encarar as 17 horas de voo, e outras tantas em conexão, que separaram a Nova Zelândia do Brasil. Sim, é longe. A diferença de fuso horário é de 15 horas a frente. Ou seja, você sai de casa e só vai chegar lá quase dois dias depois no calendário. Mas não perca a coragem por causa da distância (eu não perdi). A Nova Zelândia é uma viagem possível e única.
O país é composto de duas ilhas separadas apenas por um braço de mar: a Ilha Norte, onde estão as maiores cidades, como Auckland e Wellington; e a Ilha Sul, mais selvagem e bem mais radical. Foi nessa última que inventaram o bungee jumping, a atividade de deixar-se amarrar pelas canelas por uma corda flexível e atirar-se no vazio para despencar ao sabor da gravidade. Sua principal cidade, Queenstown é a meca dos esportes radicais. Oferece tantas atividades insanas (rafting, jet boating, parapente, bungee jumping…) que, após alguns dias por lá, o resto de sua vida poderá parecer um tédio sem fim.
A Ilha Sul, onde vivem os tais kiwis, é perfeita para fazer o que os neozelandeses mais gostam: curtir a vida ao ar livre. A beleza do cenário ajuda e a variedade de paisagem impressiona. Por conta das águas mais frias, há baleias e leões marinhos na costa do Pacífico e pinguins no Mar do Tasmânia. De norte a sul, uma cordilheira de picos nevados, batizada de Alpes do Sul, corta o território. Nela está o Monte Cook, de 3.754 metros, o mais alto do país, que reflete sua imponência na água de lagos espelhados.
Foi justamente por essa parte mais exuberante do país que resolvi explorar seguindo um roteiro na Ilha Sul entre Dunedin, na costa leste, ao Parque Nacional Fiordlands, na costa oeste. Foram cerca de 800 km de percurso, realizado ao ritmo de aventura, com direito a gritos no bungee jumping, passeio de barco nos fiordes, trilhas nas montanhas e muitas buscas para encontrar o meu kiwi.

Dunedin e a Península de Otago

Os primeiros colonos europeus que desembarcaram nesta cidade da costa leste vieram da Escócia em 1848. Os moradores locais pareciam sentir orgulho dessa descendência. Prova disso é a estátua do poeta escocês Robbie Burns bem no coração da cidade, uma praça conhecida como Octógono por seu formato. Esse patrimônio cultural é facilmente percebido ao se caminhar no compacto centro histórico. Dunedin abriga mesmo um dos melhores exemplos de arquitetura vitoriana e eduardiana do hemisfério sul. A estação de trem, com pisos de mosaico e suntuosos vitrais, por exemplo, tem a fama de ser um dos prédios mais fotografados do país. Atualmente desativada para o transporte local, só saem dali locomotivas históricas focadas em trajetos turísticos.
Para conhecer a história dos povos que chegaram a esta região – primeiro os maoris, depois os europeus – uma visita ao Otago Settler Museum e ao Museu de Otago é imprescindível. Quem gosta de palácios deve seguir à mansão-museu Olveston de 1906. Os cômodos estão intactos, inclusive com os objetos pessoais usados pela abastada família Theomin. É como voltar no tempo para dar uma espiadela na outrora vida privada de seus moradores. A urbe também abriga uma das universidades mais antigas do país, a Universidade de Otago, de 1869, que impulsiona uma vibrante cena de bares, cafés e restaurantes.
Uma grande curiosidade em Dunedin é a rua Baldwin, classificada pelo Guinness, mesmo que controversamente, como a mais íngreme do mundo (com 35 graus de inclinação). Se a ladeira é mesmo digna do recorde não importa tanto. Legal mesmo é ver os visitantes tirando as fotos mais criativas possíveis. Sentados, em pé ou deitados em busca de ângulos inusitados para registrar a inclinação das fachadas das casas. 
Cercada por uma cadeia de montanhas e muitas praias, Dunedin é uma excelente base para explorar a natureza da costa leste. Um passeio bastante popular é a curta e íngreme trilha do Túnel da Praia. Águas do Pacífico quebram sobre os paredões em um visual estonteante. A ventania pode ser intensa sobre as falésias, mas o entardecer banhado pelos tons do oceano é lindo demais nesse ponto.  
Outro passeio leva à Península de Otago, uma senhora reserva ambiental a 30 minutinhos de Dunedin, onde desfilam pinguins de olhos amarelos, albatrozes, leões-marinhos, focas e muitas aves marinhas. O acesso é pelo vilarejo de Portobello. Para chegar até lá recorri a um tour especializado. É uma alternativa melhor do que ir por conta própria, pois os guias sabem os melhores locais e horários para avistar os bichos. A duração do passeio pela Elm Wildlife Tours é de cerca de 6 horas no verão, com início por volta das 15h. Quem dita a agenda são os pinguins, que começam a retornar do mar ao entardecer. Enquanto eles não chegam, os leões-marinhos deitados na areia das praias é que fazem a alegria das fotos do pessoal.
A excursão também pode incluir uma visita ao Centro Real Albatroz ($174), reserva com milhares de pássaros. Além de aprender algumas curiosidades da maior ave marinha do mundo (as asas abertas do albatroz alcançam até 3,3 metros), o clímax da visita é vê-las sobrevoarem a região imponentemente. Nos meses de incubação, de dezembro a janeiro, também dá para bisbilhotá-las, chocando nos ninhos. 

Queenstown e Bungee Jumping

Parada obrigatória na Ilha Sul é Queenstown, uma mistura de estação de esqui alpina com parque de aventuras. Dela partem passeios para os fiordes na região do Parque Nacional Fiorland. Nela se encontram andarilhos do mundo inteiro que vão percorrer a Milford Track, tida como uma das mais belas trilhas do planeta. De quebra, Queenstown ainda oferece o mais vasto cardápio de esportes radicais que vai de pára-quedas a jet boating, incluindo dois bungee jumpings icônicos: a Skipper Bridge, com 102 metros de altura, e a histórica Kawar Suspension Bridge, que serviu de cenário nos filmes O Senhor dos Anéis e O Hobbit. 
Antes de tudo isso, porém, vale curtir a cidade, que é charmosa e com um astral alegre à beira do Lago Wakatipu, cujo calçadão é abarrotado de restaurantes e sorveterias. Um teleférico leva a um mirante, de onde se vê a cidade inteira entre lagos e montanhas. Meu marido resolveu enfrentar o medo e encarar o bungee jumping na Ponte Kawarau, onde a prática de se jogar no vazio amarrado pelos pés por uma corda elástica foi inventada pelo neozelandês A.J. Hackett, que acabou virando um herói nacional. Porque alguém faz isso? A resposta é simples: deve ser bom demais.
A Ponte Kawaru fica a 23 km de Queenstown. Coragem à parte, uma coisa é certa: a paisagem é um tremendo incentivo, com o rio azul-turquesa cortando as montanhas que sustentam a ponte, a 43 metros do solo. Antes do pulo, os funcionários perguntam “se” e o quanto você quer molhar sua cabeça na água. Dá para mergulhar até metade do tronco antes de ser puxado de volta, feito um ioiô humano! Quem dispensar o programa, pode ficar por ali farreando na ponte, ouvindo a música ambiente e só observando a reação da galera antes do salto. 

Os fiordes neozelandeses

O outro lado da ilha é marcado pela paisagem dos fiordes, os imensos vales glaciais inundados pela água do Mar da Tasmânia. A região, conhecida como Fiordland, reúne uma dúzia de grandes fiordes, alguns com mais de 40 km estendendo-se país adentro. O mais famoso deles é Milford Sound. A porta de entrada é a cidadezinha de Te Anau, que é cheia de hotéis à beira do lago homônimo e circundada picos cobertos de neve. Assistir ao entardecer à beira da Lago Te Anau foi um dos grandes momentos da minha viagem.
O passeio clássico é fazer a navegação no Fiorde Milford Sound, cujo ponto de embarque acontece a 120 km de Te Anau seguindo por uma estrada cênica. O fiorde é considerado uma das maravilhas naturais da Nova Zelândia, com seus paredões verticais de quase mil metros de altura. Em diversos pontos, cachoeiras formadas pelo degelo dos glaciares escorrem das encostas e caem nas águas escuras do Mar da Tasmânia. Em certo ponto, a embarcação chegou bem perto de uma das margens e pude ver as focas tomando sol sobre as pedras. Quem não estiver com o orçamento apertado, pode fazer o passeio sobre o fiorde em helicópteros ou aviões monomotores, o que garante as vistas mais espetaculares possíveis.
Fiordland também é célebre pelos trekking de montanha. Dali partem três trilhas: o Kepler, o Milford e o Holly Track. Optei percorrer um pedaço da trilha Kepler, seguindo por um caminho plano às margens do Lago Te Anau. Vi diversas placas proibindo a presença dos cachorros para não importunar os kiwis. Fiquei tão esperançosa de poder encontrá-los em seu habitat natural que resolvi seguir montanha acima até um ponto de parada chamado Luxmore.
A decisão custou-me quatro horas de caminhada. Fui sendo envolvida pela paisagem e, sobretudo, pela curiosidade de como seria a vista lá de cima, que sim, é sensacional, com a imensidão do lago azul rodeado pela cadeia de montanhas. Até me esqueci de procurar os kiwis, que se esconderam de mim ao longo das horas que passei caminhando na trilha.

Não fui embora da Nova Zelândia, porém, sem uma foto da ave símbolo do país. Naquele momento, eu já tinha minha cobiçada fotografia do kiwi. Infelizmente não foi captada com o bichinho livre e solto na natureza, tal como um fotógrafo da National Geographic faria. Fiz meu registro no cativeiro do Kiwi Birdlife Park em Queenstown.
O parque abriga pelo menos 10 mil tipos de plantas nativas e pássaros neozelandeses, incluindo o bendito kiwi. Ao longo do dia, dá para assistir a alimentação das aves, momento que um funcionário responde várias perguntas sobre a vida do pássaro. O ovo do kiwi, por exemplo, é tão grande em relação ao corpo, que seria como se seres humanos descem a luz a uma criança de quatro anos! Eu jamais saberia disso, assim como jamais saberia o quanto pode ser maravilhoso e emocionante uma viagem para a Nova Zelândia. Só indo para lá mesmo para saber.  

Nova Zelândia em números


  • Tem 4.8 milhões de habitantes em uma área equivalente ao Estado de São Paulo
  • 70% do território do país são parques nacionais
  • 15.000 Km de litoral, quase o dobro do Brasil
  • Nono lugar no ranking de qualidade de vida da ONU.




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