quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Vida Dura!


Tudo parece muito simples e descomplicado na rotina berlinense - as linhas de transporte funcionam,  a criminalidade só preocupa mesmo os alemães, há ofertas culturais dignas de uma metrópole e tanta natureza quanto uma cidade do interior. Tudo isso até você decidir se mudar em pleno o inverno e atravessar a cidade em meio aos vinte centímetros de neve que caíram entre o Natal e o Réveillon.  E olha que nem se trata de uma mudança de verdade com móveis e tudo. Só alguns livros, CDs e roupas. Mas mesmo assim, para evitar percorrer os trens com malas gigantes ou conhecer a vida inteira de um taxista de tanto ir e voltar, cedemos a propaganda da Hertz. “Se você tem um problema de logística, nós somos a solução”. Verdade, em partes.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Prazeres da Vida


       Gotinhas geladas caiam sobre seus dedos do pé em irritantes intervalos de vinte segundos. O menino virava-se de um lado para o outro em sua cama, puxava a manta para altura dos braços, tentando proteger-se do frio quando descobria as pernas e sentia as goteiras do teto mofado lhe acordarem paulatinamente. Havia certa tristeza nas manhãs de inverno, uma melancolia própria da solidão de quem inicia o dia com café gelado e torradas sem manteiga. Não havia cor, nem sabor.
    Era preciso partir, mas para onde? O irmão mais novo ainda dormia encolhido. A colcha azul desbotada de algodão ainda conseguia lhe cobrir todo o corpo, mas não por muito tempo. Ele já tinha quase cinco anos, ou sete. Não se sabia ao certo. Mas também, que diferença faz?
    Saiu, enxugou os pés no trapo em frente à porta que servia de tapete, e colocou os chinelos de borracha. Atrás dos engradados sujos na lateral do quintal, quase a cozinha do vizinho, estava a sacolinha de plástico do supermercado com suas bolinhas de malabarismo.Pegou-a e correu para o ponto de ônibus.
      Após duas horas e meia chegou ao farol da Avenida Brasil com a Rebouças. Aquele ponto valia a pena, o semáforo era demorado! Passou horas ali de um lado para o outro como um objeto qualquer, próprio da paisagem concreta. Nenhum olhar sequer... Pessoas passavam freneticamente, executivos perambulavam com seus laptops e mulheres fechavam-se em seus carros com ar-condicionado.
     O farol já tinha fechado 760 vezes em sete horas. Era uma espécie de diversão ou de orgulho à resistência brincar com esses cálculos. Parou então um Cross Fox prata com as janelas semi-abertas e uma garota, por volta de dezoito anos, ao celular.  
   - “Me da a bolsa rápido sua vagabunda senão eu te furo” . “Vai vai anda”. Deu uma porrada no vidro, um chute na porta e desapareceu entre os veículos enfileirados. Correu, correu até refugiar-se em um beco embaixo de um viaduto. Separou o dinheiro e largou a Victor Hugo por ali. Retornou ao seu abrigo três horas depois. Já era noite e o irmão mais novo brincava sozinho no chão úmido e gelado com uns carrinhos de plástico sem rodinhas.
     Era hora do café da manhã - deu-lhe pão francês com margarina, passou um pano molhado para limpar seus pés descalços e cortou-lhe as unhas. Depois, tirou novas havaianas do saco de papelão e deu de presente à criança.



         

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amanhã em Charlottemburg


Um casal, que tentava escapar da monotonia dos domingos, passeava nos jardins do castelo de Charlottemburg no distrito homônimo de Berlim. Apesar da luminosidade da primavera e do sol, que depois de quatro longos meses de inverno resolvera mostrar as caras, o dia estava fresco, principalmente sob as sombras. Às margens do Spree, os garotos andavam a passos dominicais em direção ao ponto turístico combinado.
Ao longo do caminho, faziam planos para o mês, para o ano e para toda uma vida. Quanto tempo ainda passariam naquela cidade? Será que falariam melhor a língua local? Para onde viajariam nas próximas férias de verão? E o quanto seria necessário economizar para chegar ao fim do mês sem assaltar a poupança?
Entre indagações, mapas e pausas para fotografia, chegaram ao parque. A descrição do espaço em si é desnecessária – mais uma daquelas grandes e suntuosas áreas verdes inspiradas nos jardins do Palácio de Versalhes. Mas era ali que turistas, locais e crianças aproveitavam o sétimo dia da semana, criado ou inventado para o descanso.
Depois de caminhar pelas árvores, espantar-se com diferentes tipos de flores nos canteiros ornamentados e alimentar patos na lagoa, o jovem casal continuou a passos tranqüilos até um grande e descampado gramado. Foi então que um deles fez o convite:
- Vamos deitar um pouco na grama e tomar sol?
- Boa idéia. Hum, se bem que o campo deve estar úmido e esta sua blusa de linho azul é praticamente nova e tão bonita.
- É mesmo, né? Teremos de colocar na máquina de lavar. Deixa para lá. Vamos.
        E assim continuaram a contornar a ampla área verde e a jogar conversa fora até, a poucos metros dali, depararem-se com uma senhora em torno de 60 anos - pelo menos era a idade que aparentava sob sua tez branca e abatida. Sentada em uma cadeira de rodas - posicionada em diagonal em relação ao gramado para que seu rosto ficasse completamente em direção ao sol- ela tinha uma confortável manta sobre o colo.
De olhos constantemente fechados, repousava a cabeça com cabelos ralos e brancos sobre uma pequena almofada. Ela não se movia a não ser por um dos cantinhos da boca que esboçava um leve sorriso. Uma moça mais jovem atrás da cadeira, de olhos vermelhos e lacrimejosos, acendeu um cigarro e acariciou o pouco de cabelo que restava na senhora.
           Sem falar nada, o casal se deitou no gramado e deixou com que a terra úmida e viva sujasse seus pulôveres, enquanto todo o sol que poderiam tomar esquentasse seus corpos naquele dia fresco de primavera. E foi ali que passaram mais de uma hora com seus planos e dúvidas sobre o futuro. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Em respeito à maioria



Aparecida Nascimento acorda todos os dias às 6h da manhã e prepara o almoço que suas duas filhas, de nove e doze anos, esquentam no microondas na hora do almoço. Às 7h20, em ponto, ela pega o ônibus no bairro de Contagem, em Belo Horizonte, e segue pro batente. Um minuto de atraso significa voltar para casa e ter o dia descontado no apertado salário do fim  do mês. A vendedora de calçados recebe mensalmente entre 800 e 1.000 reais e conta com o chorinho da renda do marido, 300 reais. Todos vivem em um modesto apartamento de dois quartos, mas conseguiram comprar um Renault parcelado em 60 vezes. As prestações são em torno de 550 reais e quando o orçamento aperta, a família passa a noite de estômago vazio. “Assim é a vida”, diz ela, que não tem carteira de motorista. “Mas o carro ninguém me tira”. Para melhorar a auto estima e quem sabe sua performance nas vendas, Aparecida deu um boom nos seios - 280 mililitros! “A gente precisa se sentir bem com nosso corpo”.
Esse relato foi feito pelo jornalista Ruedi Leuthold em reportagem de 21 páginas na Revista GEO do mês passado. Comprei a publicação na estação de trem em Bamberg por causa da reportagem de capa sobre a reunificação da Alemanha (que completou 20 anos no dia 03 de outubro) e fiquei surpresa ao me deparar com a tal matéria: “Brasil, ao caminho de se tornar uma superpotência”. Já tinha desistido de fazer um post sobre isso, mas ao ver o tamanho da repercussão desmiolada (no Orkut, Facebook e Twitter) sobre a eleição da Dilma, reconsiderei.
Já ta todo mundo cansado de ouvir que o Brasil é o pais do futuro e o jornalista sacou isso. Mas ainda assim, munido de números e boas entrevistas, Ruedi confirma essa teses. Hoje o país está entre as dez maiores economias do mundo e em 2016 pode ocupar a quinta posição. Apesar da crise econômica, a bolsa cresceu 300% nos últimos oito anos e com isso o presidente até emprestou dinheiro para o tão polêmico Fundo Monetário Internacional. Pela primeira vez na história, a classe média é a maior camada social o e não aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza.  Aliado ao fato está a construção de um grande sistema social em que 46 milhões de pessoas recebem ajuda financeira do estado. Não por acaso, três quartos da população se declara satisfeita com o trabalho do presidente. Os dois candidato à sucessão, segundo o autor, o “conservador da oposição” José Serra e a “ex-guerrilheira” Dilma Rousseff prometem não mexer nessa questão.  
Ainda assim, os 10% mais ricos detém 75,4% da renda social. Em outras palavras, a situação econômica atual do pais faz dos ricos, pessoas ainda mais ricas.  Talvez por isso, há aqueles com tendências mais de esquerda e menos neo-liberais que acusam o governo de sacrificar a população em nome da segurança econômica, com um belo colchão financeiro. Como política é complicado! No quesito educação, motivo de piada. Em um ranking da organização Pisa-Studie (Programme for International Student Assessment), o Brasil está no 54° lugar em matemática. Detalhe, entraram na pesquisa somente 57 nações. Por fim, o repórter alerta para a necessidade de uma reforma urgente em Brasília - uma elite política que há muito tempo perdeu o contato com a população. Cerca de 147 deputados federais e 21 senadores já foram investigados por corrupção, ou seja, quase um quarto de toda delegação.
Enfim, após as eleições, as matérias publicadas por aqui seguem essa linha. Brasil como futura potência, uma lista de acertos no governo anterior e pontos a serem melhorados (como desenvolver a indústria nacional e não pensar só em exportação de matéria prima, por exemplo). Mas não faz sentido traduzir toda a repercussão na mídia internacional, só é realmente intrigante como o discurso externo e interno sobre as eleições é destoante. Não importa qual foi a escolha pessoal de cada um, mas é de bom tom acalmar os ânimos, deixar a avalanche de lamentações e controlar adjetivos pejorativos e desenfreados. Satisfeitos ou insatisfeitos, não se pode negar que houve eleições e a decisão foi democrática. Blasfemar e rosnar contra o desejo da maioria é comportamento de criança mimada. 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Moscou e São Petersburgo: um roteiro pela Rússia


                       Uma nova Rússia em Moscou e São Petersburgo
(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Out.2010)

Descubra como o país caminha para a modernidade em meio a construções czaristas, espigões do período soviético, placas no alfabeto cirílico, boa comida e uma cultura que valoriza as artes

POR REGINA CAZZAMATTA
Berço de consagrados escritores e palco de momentos históricos que marcaram o século 20, a Rússia há tempos já não é mais como aquela descrita pelos romances de Leon Tolstói ou Fiódor Dostoiévski. Tampouco lembra o pais acinzentado da era bolchevique ou o terror dos tempos stalinistas. Cidades como Moscou e São Petersburgo fizeram as pazes com o passado e acordaram dos tempos idealistas (e difíceis) acenando para um momento cheio de promissoras possibilidades, que inclui abrir-se cada vez mais para o turismo.
A exemplo das típicas matrioshkas, a boneca artesanal que contem várias outras bonequinhas, essa nação cheia de ambigüidades reserva aos seus visitantes várias “camadas” de surpresas. Desde a peça maior e mais evidente as cidades grandes, como Moscou e São Petersburgo até outra bem menor, que pode ser uma rua charmosa, um museu ou igreja interessante descobertos por acaso, a Rússia se revela em partes como a bonequinha típica, por meio de um povo alegre, multifacetado, de passado glorioso, guerreiro, revolucionário e sofrido
No país de maior área territorial do globo e que há apenas 20 anos se abriu para o mundo e para a economia de mercado, é possível se sentir simultaneamente numa aconchegante capital européia ou até mesmo numa metrópole gigante, cosmopolita e pós-moderna. São por essas e tantas outras razões que visitantes de várias partes do mundo sejam aficionados por história, política, arte, literatura, gastronomia ou compras podem passar semanas a fio sem querer voltar para casa.

Aventura no metrô
Chegar em Moscou pode ser um pouco caótico, não só pela impossibilidade de entender uma placa ou um letreiro por causa do complicado alfabeto cirílico, mas também pela rotina veloz dessa cidade grande, onde não falta burocracia para conseguir visto de entrada nem taxi sem taxímetro. Ou seja, tudo deve ser acertado de antemão com o motorista. Outra peculiaridade notada de cara é que qualquer carro pode prestar serviço de taxi. Basta reparar nos moradores e fazer como eles: dar sinal com a mão e dizer ao motorista para onde que ir... em russo.
Como poucos turistas chegarão dominando essa língua, a melhor opção é usar (e ousar) as linhas de metrô, que também ajudam a fugir do trânsito confuso. São 177 estações grandiosas, cujas escadas rolantes podem demorar até quase dois minutos e meio para levá-lo à saída.
O fluxo é intenso o dia todo, mas a emoção é sempre maior na hora do rush. Todos os dias, 6 milhões de pessoas utilizam o metrô na capital russa, número maior que a soma de passageiros de Londres e Nova York juntas. Em pontos centrais há a intersecção de até quatro linhas distintas, cada uma com um nome diferente. Por isso, leva-se algum tempo para entender que aqueles quatro nomes impronunciáveis se referem à mesma parada.
Se for preciso abrir o mapa para se localizar, faça isso encostado numa parede. Parar no meio do corredor é pedir para ser levado com a massa. Mas apesar de toda a aventura “underground” que não deixa de ser uma atração, pois as estações são decoradas por candelabros gigantes, esculturas, fachadas de mármore e painéis de mosaico , o metrô dá acesso rápido e prático à maioria dos pontos turísticos da cidade. E é ali, sentado ao lado de cidadãos comuns que dá para ver “ a cara do pais”, em uma mistura de feições européias, caucasianas e asiáticas.
A grandiosidade é uma marca russa expressa não só nas linhas de metrô, mas também nas edificações, praças, avenidas e igrejas do país. Como não ficar deslumbrado, por exemplo, com a vista da Praça Vermelha ou com as abóbodas ultra coloridas da Catedral de São Basílio, um dos cartões postais de Moscou? E não é só nas fachadas que a cidade exibe sua magnitude.
Cada local guarda por trás de suas paredes antigas uma imensidão de significados, sejam eles históricos ou culturais. É quase impossível olhar para o Kremlin fortaleza com cinco igrejas antiguíssimas e prédios governamentais, circundada por mais de dois quilômetros de muralhas e vinte torres e não se impressionar com tudo que ocorreu nessa edificação erguida em 1.147.
Foi ali que, no século 15, Ivan, o Terrível, exerceu todo o seu poder ameaçador; que Napoleão Bonaparte, quatro séculos mais tarde, assistiu Moscou ser reduzida às cinzas, que Lênin, em 1917, colocou em prática a revolução do proletariado.
Quando o sonho comunista ruiu, Mikhail Gorbachev dali orquestrou, a partir da metade da década de 1980, a perestroika (“reconstrução” ou reestruturação em russo) e Boris Yeltsin, a seguir, reconduziu o país à economia de mercado. Encostado nas muralhas do Kremlin está o famoso e ainda procurado mausoléu do Lênin. O líder da Revolução Russa morreu em 1924 e até hoje seu corpo embalsamado, que mais parece um boneco de cera do Madame Tussauds, fica em exibição.
  É proibido entrar no mausoléu com máquinas fotográficas e pelo menos seis guardas sérios e imóveis mantém a ordem e garantem que os turistas demonstrem respeito. A cara amarrada dos seguranças dos pontos turísticos não representa o humor do povo russo, bastante solicito e comunicativo.
Às vezes, até mesmo os guardas cedem e esquecem que estão em serviço. Enquanto verificam o conteúdo das bolsas, são capazes, diante da surpresa com a visita de uma brasileira, de arriscar umas palminhas com um balançado de pernas que tenta imitar o ritmo de um samba.


Boa vontade e boa comida
Os russos são assim, imprevisíveis e não negam informação. Andar com um mapa na mão e um olhar de interrogação no rosto costuma atrair pessoas oferecendo ajuda. Apesar de ser difícil encontrar gente que fale inglês, é comum eles repetirem a mesma frase várias vezes em russo, sempre um pouquinho mais alto, e apontarem e gesticularem até que o visitante siga pelo menos na direção correta. Os mais velhos podem até chamar um jovem para fazer o meio de campo lingüístico.
 O importante é que a comunicação, seja lá de que forma, acaba fluindo. No início, aterrissar em um país em que sequer o alfabeto lembre o nosso, dá uma sensação de impotência. Tarefas simples do dia a dia se transformam em uma epopéia, como pegar ônibus e táxi, comprar tíquetes ou planejar o almoço. Mas o desconhecimento do idioma não é razão para abrir mão das especialidades locais. Para facilitar muitos restaurantes até apresentam cardápios com fotos!
  No quesito gastronomia dá até para arriscar pratos típicos de países vizinhos, que um dia pertenceram à União Soviética. O “Taras Bulba” (Pyatnitskaya Ul, 14), por exemplo, oferece iguarias ucranianas em ambiente aconchegante. Há menus em diversas línguas, incluindo o  português, e a equipe é bastante solícita.
Com tapeçaria artesanal nas paredes, a casa preza pelo clima característico do país e as sorridentes garçonetes trabalham com roupas típicas do campo. Mas o que importa mesmo são os deliciosos varenikis (massa que é uma espécie de ravióli) recheados com batata, carne ou repolho.
O clima internacionalizado e cosmopolita da capital se reflete bastante nos sabores e aromas da culinária moscovita. Além das clássicas opções européias como os estabelecimentos franceses, italianos ou espanhóis, há aqueles com influências caucasianas.
Uma boa opção nesse sentido é o restaurante “Skazka Vostoka” (Rua Frunzenskaya nab), montado num barco à beira do Rio Moscou, que oferece sabores exóticos do Oriente, sem contar com a vista magnífica durante o pôr do sol. Saladas, frutas e nozes dispostas lindamente sobre as mesas dão o toque de contos de fadas. O cardápio é extenso, com predominância de apimentados pratos da Geórgia e especiarias do Azerbaijão e Cazaquistão. 

Também é possível jantar em lugares que misturam o conceito de bar,  restaurante, café e casa noturna. Tais estabelecimentos se adaptam conforme o horário para atender a todas as necessidades de uma cidade que não dorme. Um dos exemplos é o Gogol Club (rua stoleshnikov per 11), que reúne pratos russos, cervejas de todos os tipos e shows numa mesma taberna.
Quase 20 anos apos a abertura política, a gastronomia e os demais segmentos do consumo ganharam ares de sofisticação em Moscou. Chamados de novos ricos, a classe que emergiu com a queda do bloco soviético desfila com carrões importados, jóias, relógios e marcas renomadas à mostra.
Os corredores do classudo shopping GUM (Gosudarstvenny Universalny Magazin), com uma bela fachada do século XIX, exibe bem essa atmosfera. A antiga loja de departamento do estado enterrou seu passado de longas filas e prateleiras vazias da era comunista e hoje exibe cerca de mil lojas para lá de refinadas. Mulheres de saltos altíssimos, calças bem justas e cabelos lisinhos  passeiam pelos corredores do shopping recheadas de sacolas, em busca de um glamour que por décadas ficou adormecido.

Diversão e arte
Mas está na tradição e na alma moscovita ir além das frivolidades. A oferta cultural local é enorme e requer vários dias para que se dê no mínimo uma espiada em todas as galerias e museus. Apenas no distrito de “Khamovniki” são mais de dez complexos. O Museu de Belas Artes Pushkin exibe uma coleção ampla e inclui clássicos da pintura francesa, assim como obras de Miró, Kandinsky, Chagall, Van Gogh e artistas do período soviético.
A mansão azul bem em frente ao Pushkin é a Galeria Glazunov. O espaço é dedicado a esse artista russo nascido na década de 1930, conhecido principalmente por suas pinturas gigantes e ultra coloridas de temas históricos ou religiosos. Entre os destaques da exposição, o quadro “Mistérios do Século 20” prende mesmo a atenção.
Um pout-pourri de ícones, fatos e acontecimentos trazem à tona momentos memoráveis do período – Chaplin, Beatles, Stalin no caixão, Lênin em discurso, Hitler, Mao Tse-tung, bomba atômica, cúpulas da igreja ortodoxa despedaçadas, Einstein e outros símbolos que marcaram o imaginário popular do conturbado século 20, numa obra que parece um flashback cinematográfico.
 Um pouco mais singelo, o Museu Sakharov, no bairro Basmanny, apresenta uma pequena exposição sobre os anos de repressão na Rússia. Uma senhora de pelo menos 70 anos, usando xale preto e óculos de armação redonda, acompanha os visitantes até o segundo andar do pequeno sobrado e explica as decisões do curador, com um inglês fluente, mas bastante marcado pelo sotaque local. Ao ser questionada sobre o que havia de melhor ou pior antigamente, ela responde sem titubear: “ah, a política! Nesse sentido, nós ainda temos muitos problemas!”.
A efervescência cultural moscovita também é vivida em uma das ruas mais conhecidas da capital, a Ul Arbat.  No século 16, a viela era uma área residencial de trabalhadores e, no final do século 18, ganhou status com a chegada de artistas, poetas, pintores e intelectuais. Hoje, apesar da explosão do comércio de souvenir e cafés com precinhos bem salgados, o espírito artístico ainda está bastante presente na região.
Músicos passam o chapéu, pintores colorem suas telas em frente ao público, poetas recitam seus textos em voz alta, desenhistas esboçam caricaturas de turistas risonhos e dançarinos exibem as mais inusitadas performances. Senhoras russas vestidas com roupas típicas (bem parecida com as bonecas matrioshkas) tentam convencer os passantes a entrar nas lojas supostamente em promoção.

Os prédios de Stalin
No final da UL Arbat, o prédio do Ministério de Assuntos Estrangeiros se impõe imperioso na paisagem. Trata-se de um dos sete arranha-céus monumentais construídos a pedido de Stalin, que achava Moscou pobre em edifícios do gênero, se comparado aos Estados Unidos. As Sete Irmãs, como são conhecidas estas edificações, são vistas em diversos pontos da metrópole.
Apesar de a capital ser marcada pela novidade, agitação, modernidade e multiculturalidade, a tradição religiosa ainda se mantém, mesmo entre os jovens. As coloridas cúpulas em forma de cebola das igrejas ortodoxas dominam a vista da capital.
   O que não faltam são capelas e monastérios para visitar, como a majestosa Catedral de Cristo Salvador, o Mosteiro de São Pedro ou o Convento Novodevichy. No cemitério Novodevichy, encostado no convento, ficam os túmulos de figuras de prestígio do país, como o escritor Nikolai Gogol, o cineasta Serguei Eisenstein, a segunda esposa de Josef Stalin e o ex-presidente Boris Yeltsin.
  Mais do que a arquitetura e os afrescos dos templos religiosos, vale observar a devoção dos fiéis. As mulheres, sejam elas senhoras ou belas moças bem vestidas e maquiadas, cobrem a cabeça ao entrar nos lugares sagrados, acendem velas brancas ou vermelhas e fazem reverência aos pés dos santos.
Aos domingos, na catedral de Cristo Salvador formam-se filas para beijar os quadros com a imagem de Jesus. A cada cinco pessoas, uma funcionária da igreja interrompe a fila para passar um pano no vidro de proteção já embaçado por tantos beijos. O sinal da cruz também é feito fervorosamente, com as mãos um pouco mais abertas, descendo da testa até mais ou menos a altura do umbigo. Muitos também fazem preces em frente ao altar, uma porta dourada que representa o paraíso e que fica aberta durante as celebrações de missas.

A segunda capital russa
Trens diários partem da estação Leningradsky, em Moscou, rumo à São Petersburgo.  Os comboios classificados como de longa distancia são a melhor opção para o trajeto, embora façam mais paradas e não sejam exatamente tão rápidos como os InterCities de outros países europeus.
Como em Moscou há nove estações de trem e inúmeros guichês com atendentes simpáticas, mas que só se comunicam em russo, talvez seja preciso uma mãozinha para conseguir as passagens. Muitos hotéis escrevem um bilhetinho em alfabeto cirílico e preenchem o dia da semana, horário e classe em que o viajante pretende embarcar. Aí fica fácil. É só procurar na gigante estação Leningradsky o saguão correspondente e entregar o papel no guichê certo.
No momento do embarque, alguns visitantes podem se assustar com a quantidade de pessoas no trem: na realidade, muitas delas são só amigos e familiares que entram para se despedir, conversar e esperar a partida junto com o viajante. Antes de fechar as portas, um anúncio também gravado em inglês pede para que os acompanhantes deixem os vagões. Então começa uma avalanche de beijos e abraços de despedidas.
Em cerca de quatro horas, o trem alcança a antiga capital do país. Título carregado de 1712 a 1918. Diferentemente de Moscou, São Petersburgo foi projetada nos moldes das tradicionais capitais européias, com uma arquitetura marcada por palácios esplendidos de estilo barroco e neoclássico.
Fruto do interesse pelas culturas ocidentais por parte do czar Pyotr Alexeyevich Romanov conhecido como Pedro, o Grande, governante da Rússia entre 1682 e 1725 , a cidade foi construída sob um pântano às margens do rio Neva na entrada do Golfo da Finlândia.
O trabalho para criá-la não foi fácil. Arquitetos e engenheiros estrangeiros, além de pelo menos 30 mil camponeses envolveram-se na empreitada para colocar em prática os planos ambiciosos do czar. Muitos pagaram com a vida. Em 1703, a primeira edificação da cidade - a Fortaleza de Pedro e Paulo- estava de pé.
Nascia ali um estado moderno, militarizado e de espírito altamente aristocrático. Anos depois da morte de Pedro, suas sucessoras (a sobrinha Anna Ivanovna, a filha Elizabeth e a imperatriz Catherine II) levaram o sonho adiante e criaram uma das cortes mais deslumbrantes da época. Depois da Primeira Guerra, a cidade passou a se chamar Petrogrado.
Foi a imperatriz Catherine II que começou, em 1764, a coleção do renomado e riquíssimo Museu Hermitage, o qual ocupa o antigo Palácio de Inverno, uma das principais residências de Pedro, o Grande. A imperatriz, sem dúvida, ficaria feliz se pudesse ver o quão extensa sua pequena compilação artística se tornou atualmente o museu apresenta 3 milhões de peças entre pinturas, esculturas, trabalhos gráficos e relíquias arqueológicas, espalhadas por mais de 120 quartos.
Com fachada verde e branca, o prédio do Hermitage, localizado bem no centro histórico de São Petersburgo, na Praça do Palácio, é suntuoso, assim como tudo na Rússia. E esse ar aristocrático seduz não só estrangeiros, mas os próprios moradores. É comum encontrar dentro do museu, nas escadarias adornadas com tapete vermelho, recém-casados fazendo fotos para o álbum. Entre uma leva de visitantes e outra, eles se abraçam e posam para retratos à moda antiga, como membros de uma família real.
Do lado de fora, turistas registram imagens da Praça do Palácio. Como São Petersburgo era sede do império, foi exatamente ali que a Rússia testemunhou o fim dos 300 anos da dinastia Romanov e dos  500 anos de autocracia czarista, com a eclosão da revolução russa em 1917.
Os últimos representantes da linhagem Romanov estão enterrados na igreja dentro da Fortaleza de Pedro e Paulo. Mas quase um século depois, ver o exército russo marchando e treinando para festividades na mesma Praça do Palácio, ainda dá um certo friozinho na barriga.
Depois que os bolchevique chegaram ao poder, as portas da “Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado” foram abertas para toda a população. Trata-se de um dos poucos templos em São Petersburgo com aquele visual de cebolas ultra coloridas. Na verdade, não é coincidência. A catedral foi inspirada na de São Basílio em Moscou e também é uma atração de peso na cidade.
Negligenciada durante os anos stalinista, o templo foi reaberto em 1997 após 27 longos anos em processo de restauração. Igrejas não faltam em São Petersburgo, mas elas são muito mais próximas do estilo europeu, assim como toda a arquitetura local.
A Catedral Kazan, por exemplo, foi inspirada na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em uma tentativa frustrada de unir as igrejas católica e ortodoxa. O estilo neoclássico e a sucessão de colunas de 111 metros são impressionantes. No interior encontram-se os restos mortais do vitorioso general Mikhail Kutuzov retratado no consagrado romance de Tolstoi “Guerra e Paz” , responsável pelo padecimento do exército napoleônico. Uma terceira opção é a Catedral de Santo Isaac. Após a subida de 262 degraus, sua cúpula de ouro, a 21.8 metro de altura, proporciona uma vista panorâmica da cidade e seus canais.
Assim como numa corte europeia, a cena de artes clássicas em São Petersburgo foi bem marcante e ainda hoje segue assim. Peças famosas como O Lago dos Cisnes, O Quebra Nozes e A Bela Adormecida foram compostas pelo coreógrafo e dançarino francês Marius Petipa, considerado o pai do balé russo. Em 1907 ele escreveu em seu diário: “São Petersburgo tem o melhor balé de toda a Europa”.
Não é à toa que assistir a uma apresentação em um tradicional teatro barroco é uma experiência quase mágica. A atmosfera é composta não só pelas espetaculares apresentações, mas também pela decoração requintada de corredores, salas e camarotes com cortinas de veludo.
  O Teatro Mariinsky sintetiza bem esse glamour e influência os visitantes, geralmente muito bem vestidos. As mulheres, por exemplo, fogem do visual básico: maquiagem forte, salto alto e roupas finas bem cortadas são a regra. Nos intervalos, taças de champanhe nas mãos dos freqüentadores combinam totalmente com a atmosfera envolta por lustres enormes cheios de detalhes reluzentes.
Nesses espetáculos, pode acontecer de famosas bailarinas do passado estarem na platéia (geralmente nos melhores camarotes) e chamarem a atenção de seus compatriotas. Assim que as cortinas se fecham ao final do primeiro ato, o público, em sinal de respeito, direciona a segunda leva de aplausos às ex - artistas. Mesmo um pouco mais envelhecidas, elas se mantém esguias e carismáticas, jogando beijos para os presentes.

Boa comida

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Encontros e desencontros


Hoje amanheceu um daqueles dias ensolarados, bonitos e muito gelado! O vento já resseca a pele e as folhas das árvores estão quase que todas vermelhas. Programas de outono dominam as páginas de roteiro das revistas e alguns bares ainda mantém suas mesas na calçada. Lá vamos nós rumo a mais um inverno. Engraçado como a gente se acostuma com as coisas. A capa do Berliner Morgenpost aos domingos, a programação da TV (graças a Deus não tem Fantástico), refeições à base de batata e salsicha branca, o trajeto do ônibus e da bicicleta. Nem tudo mais é novidade e com o tempo a vida se ajeita. O que antes era distante, hoje chamamos sinceramente de casa. Os amigos uma hora também aparecem e nós nos acostumamos com eles. No bom sentido. Cinema, festa, reuniões, jantares, confidências e desabafos.
O interessante de conhecer pessoas com backgrounds tão diferentes é que o papo parece não ter fim. Mas em algum momento cada um segue seu rumo e apesar de o mundo ter se tornado pequeno, ele ainda é muito grande para conseguirmos marcar um jantar duas vezes por mês em Londres, Paris ou quem sabe no Japão.  E o próximo reencontro (quando ele acontece) é uma incógnita.  Fiquei com essas questões na cabeça depois que um casal de amigos nossos voltou para o México, outro foi por vias diplomáticas se aventurar no Jemen (tem louco pra tudo!) e após acabar de ler o reencontro de Narziß e Goldmund no romance homônimo de Hermann Hesse.
Um padre, outro artista e aventureiro. Os dois personagens viveram vidas tão distintas e quase trinta anos depois, Narziß reaparece em uma decisiva manhã que poderia ter significado o fim para Goldmund. Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer da leitura alheia.  Talvez fosse mais fácil para nossas avós compreender e aceitar as distâncias. A minha, por exemplo, nunca foi ao Rio de Janeiro apesar de sua filha ter morado lá. Mas as coisas não são mais assim. Ano passado, nós brasileiros, na Alemanha, encontramos um casal de amigos estadunidense para jantar em um restaurante árabe. Não nos vimos mais. Ao contrario da minha avó e minha tia.
Como Goldmund, muitos abrem mão do que é certo para andar sem rumo, experimentar coisas, olhar para algo que seja capaz de nos deslumbrar (alguém já assistiu comer, rezar e amar?).  Outros prezam pelas raízes, solidez, conforto e segurança. Esse nosso amigo mexicano era uma pessoas que via beleza nas coisas, mesmo sem estar bêbado. Eu também estou sóbria apesar desse comentário de “mulherzinha”. Uma vez ele nos disse que estava na hora de voltar para casa, pois só no México ele era capaz de presenciar coisas como uma criança descalça, abrindo um saco de pão fresco e o cheirando como se aquilo fosse o mais raro dos perfumes.  Eu o entendo. Mas como cada um é cada um, a gente só torce para que todo mundo se encontre.
Todo esse preâmbulo me lembrou de uma música do Oswaldo Montenegro, que eu gosto bastante, apesar de tê-la esquecido nos últimos tempos, ou anos.  Aí vai.

"Faça uma lista de grandes amigos

Quem você mais via há dez anos atrás

Quantos você ainda vê todo dia

Quantos você já não encontra mais...

Faça uma lista dos sonhos que tinha

Quantos você desistiu de sonhar!

Quantos amores jurados pra sempre

Quantos você conseguiu preservar...

Onde você ainda se reconhece

Na foto passada ou no espelho de agora?

Hoje é do jeito que achou que seria

Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava

Quantos você conseguiu entender?

Quantos segredos que você guardava

Hoje são bobos ninguém quer saber?

Quantas mentiras você condenava?

Quantas você teve que cometer?

Quantos defeitos sanados com o tempo

Eram o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava

Hoje assobia pra sobreviver?

Quantas pessoas que você amava

Hoje acredita que amam você?"

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Nos labirintos da Berghain


Afirmações contundentes não são muito recomendáveis, mas uma eu sempre fiz: odeio música eletrônica! Balada então, “to fora”!  Mas depois de um ano em Berlim e de tantas perguntas de amigos que atravessam o oceano só para curtir a noite berlinense, cedi as pressões da indústria da música e da moda. Sai de casa decidida a dar uma espiada e voltar logo ao aconchego do lar. Abri o guia de viagem e para não correr o risco de gostar da escolha, optei pela descrição mais peculiar entre todas as resenhas: “aqui o som é tão potente que é como se Deus latisse para você”.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Berlim 20 anos após a queda do muro

Berlim virou do avesso. Duas décadas depois da queda do muro, a cidade trocou o cinza por todas as cores. A insensatez política deu espaço à voracidade cosmopolita. E o discurso uníssono se calou para uma inimaginável efervescência cultural. A festa está marcada para o dia 09 de novembro, mas, faz tempo, não se fala em nada além do aniversário de 20 anos da implosão a golpes de martelo e bom senso da parede de 155 quilômetros que separou as duas Alemanhas até 1989. Pelas esquinas ecoa a expressão “nach der wende” —, algo similar a “depois da virada”. Cada um tem sua opinião (veja só que avanço!) sobre o novo momento vivido na capital alemã, mas ninguém ousa negar que a cidade nunca esteve tão madura, no ponto certo para receber os forasteiros. O passado conturbado (nazismo, duas grandes guerras e o tal muro) deu a Berlim o ar de uma garota experiente. Daquelas insinuantes e imprevisíveis.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Forschung über Grenzen hinaus



Verschiedene brasilianische Doktoranden und Forscher überwanden ihre eigenen Grenzen um in Deutschland zu recherchieren



Verschiedene brasilianische Doktoranden und Forscher überwanden ihre eigenen Grenzen um in Deutschland zu recherchieren

Vor fast vier Jahren hat die brasilianische Psychologin Renata Stellmann ihre Heimat, Familie und Freunde verlassen, um in Deutschland tätig zu sein. Sie träumte davon ihre Doktorarbeit in Deutschland zu schreiben und Forschung zu betreiben. Nach einem schwierigen Weg, das bedeutet deutsch zu lernen, über ein interessantes Projekt nachzudenken und einen Betreuer zu finden, hat sie alles erfolgreich geschafft. Seither untersucht sie kulturelle Unterschiede in Liebesbeziehungen zwischen Deutschen und Brasilianern am Lateinamerika Institut an der Frei Universität Berlin.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Alemanha X Espanha

Foi triste ver o desapontamento das pessoas ontem em Berlim. Apesar do autocontrole alemão, muitos não conseguiram esconder a decepção e lágrimas nos olhos. Na Ku´damm a comunidade espanhola festejava, embalada pelo som das afinadas vuvuzelas. Engraçado como a copa do mundo aflora o espírito nacionalista. No jornal da meia noite, uma catalã enrolada na bandeira espanhola dizia – “nós seremos campeões do mundo”. Coisa de maluco mesmo. Embora seja bom ver as divergências superadas, ou esquecidas, nem que seja brevemente.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Chute nas Regras


Li uma reportagem bem legal na Spiegel sobre o caos nas cidades da Alemanha após a queda do Muro de Berlim. Os fatos já são bem conhecidos, mas fiquei surpresa com a criatividade e o rebolado que os alemães tiveram, apesar dos problemas e reclamações, para acomodar todas as pessoas que chegavam do leste. E olha que não foram poucas.  No ano de 1989 a antiga “República Federal da Alemanha” recebeu 350 mil descendentes de alemães da Polônia, 202 mil da ex-União Soviética e Romênia, além de 120 mil pedidos de asilo político. Sem contar com  a própria população da DDR que veio de mala e cuia.

Em Hamburgo barcos, campings e até casas suspeitas no distrito da luz vermelha viraram acomodações. Ta, isso foi mesmo um eufemismo para não dizer bordéis. No estado de Nordrhein Westfalen (capital Düsseldorf),  fábricas vazias e hospitais também entraram na dança. Cada um se virou como pôde. Outras cidades, por exemplo, mobilizaram albergues da juventude e escola de polícia. Hans Christoph Hoppensack, diretor do Senado à época, declarou ao ser informado que teria de reativar alguns bunkers da Segunda Guerra Mundial: “é uma catástrofe”.  Caótica ou não a medida foi tomada em Frankfurt e os claustrofóbicos bunkers sem janelas e mau ventilados foram mobiliados com camas e cadeiras. 

É bacana ler não como a abertura foi festejada, mas sim como algumas regras bobas do dia a dia foram quebradas.  Não sei porque aqui tem bem mais graça atravessar fora da faixa, andar de bicicleta na contramão ou passar no farol vermelho. Isso se tornou pequenos prazeres do cotidiano. É como comer bolo de vó com café forte e fresco durante a tarde.  Sem mais digressões. Só para se ter uma ideia, pessoas do Leste puderam assistir peças de teatro e cinema de graça em Frankfurt.  Outro ponta pé momentâneo nas regras: imagina só utilizar o transporte público (S-Bahn, U-Bahn, ônibus, trens, Tram) em Hamburgo sem tíquete! E se o controle viesse era só mostrar a identidade DDR.  Mais legal que tudo, em Lübeck, até estacionar o carro em lugar proibido foi permitido.  Queria ter idade para ter visto!

Mas por hora me contento com  a corridinha no farol vermelho.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Carnaval das Culturas


Berlim é uma cidade com pretensões "Multi-Kulti" como eles mesmos dizem por aqui. Dos 3,5 milhões de habitantes, cerca de 500 mil são imigrantes de pelo menos 170 nacionalidades diferentes. É realmente uma salada para ninguém botar defeito. Nem é preciso justificar porque o Carnaval das Culturas, que este ano comemora a décima quinta edição, tem super a ver com o clima da capital. Durante quatro dias, nos arredores de Neuköhln e Kreuzberg, há desfiles de carros alegóricos, barracas de comidas internacionais, shows e apresentações paralelas. Durante a celebração, crianças correm com camisetas do Brasil, outras usam o terceiro olho indiano ou se fantasiam com vestidos espanhóis. É como se os berlinenses levantassem uma bandeira branca e toda a cidade fizesse uma pausa para os problemas relacionados à imigração. Não se fala em integração da comunidade turca, problemas econômicos com a Grécia ou até mesmo do tráfico de garotas do leste europeu. No ano passado (nossa primeira experiência), a comemoração recebeu 1,5 milhão de visitantes e 5.500 ativistas.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Para um casal de amigos

21.05.2009

Um boteco é o lugar para qualquer assunto ser problematizado, relativizado e sem o menor pudor, esquecido. Tá bom, não importa o quão profunda é a conversa - ela serve mesmo como pano de fundo para rodadas e rodadas de cerveja, sem grandes pretensões acadêmicas. Quando o tal bar é próximo a uma universidade, a coisa piora. Parece que não faltam idéias para polemizar. A atmosfera propicia horas de efervescentes discussões políticas, de estilo de vida, pós – modernidade e por aí vai.

Quem já não se viu em uma situação assim? Não, não me refiro ao conteúdo, mas sim à conversa boêmia. Pois é. O que defendíamos já mudou, já nem sabemos mais nossa posição (talvez isso seja mais radical entre nós jornalistas). Esse vício que se perpetua durante os anos universitários fica na memória como nossos bons momentos e pronto. Não lembramos mais de muita coisa mesmo. Pra mim não foi diferente. Só me recordo de um único tema em pauta numa quinta-feira à noite do terceiro ano de graduação que rendeu muitas “saideiras". É, a palavra perde o sentido quando não é levada a sério e as pessoas não vão embora.

Entre tantas baboseiras que gostávamos de levar à mesa-redonda, a daquela noite era o amor como construção social. Ih? Sem preocupações, não vou começar a escrever aqui o pouco que aprendi sobre os textos do Nietzsche. Também não me perguntem o que eu achava. Não lembro! Mecanismo de defesa? Talvez!

Esta noite de quinta-feira veio à tona quando pensei em escrever uma crônica para um casal de amigos que completa um ano de casados nessa semana. Sim, eles se conheceram na mesma escola elitista de um bairro do centro expandido de São Paulo há dez anos. Namoraram, brigaram, voltaram, noivaram, viajaram, juntaram grana, casaram.

Mas o que faz duas pessoas tão diferentes se entenderem tão bem? Ele gosta de números, física, astronomia. Ela gosta de história, cinema, literatura. Ele é esportista, ela sedentária de carteirinha. Ele é disciplinado, organizado. Ela convive com crises de rotina. Ele é calmo, tranqüilo e ponderado. Ela é tagarela, agitada e ansiosa. Ele gosta de dormir cedo. Ela assiste TV até tarde. Sinceramente, não sei. Acho que nem eles.

Namoraram durante a adolescência, durante os badalados anos de faculdade. A vida a dois não combina com o individualismo cotidiano? Eles não se importaram e foram em frente! Sonharam juntos, aprenderam a fazer planos a dois, saíram de mochila nas costas, currículos no bolso e começaram a vida. No fundo eles surpreenderam e foram surpreendidos com esse papo de casamento. Há tanto tempo juntos, valorizavam a amizade e a cumplicidade. O papel era só detalhe, formalidades do mundo burocrático. Até persuadiam os amigos à não assinarem. Mesmo assim, riram, aproveitaram e se emocionaram. Foram pegos pela tradição.

Até onde vai? Ninguém sabe. Nem eu, nem eles. Todos nós torcemos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Imbróglio de Nacionalidades


Neste último sábado, fomos  convidados por um casal alemão  (muito gente boa) para uma rodada de fondue, às 19h. Éramos em três brasileiros, dois mexicanos, dois espanhóis, três alemães e um húngaro. O problema é que, antes do encontro, o grupo de latinos resolveu dar uma passadinha na festa do vinho no vilarejo de “Werder, an Havel” (logo mais escrevo um post sobre a celebração) . A vila é bem próxima de Potsdam, onde supostamente deveríamos aparecer por volta  das 19h.  A combinação foi um pouco desastrada. Leia-se: vinho de morango, framboesa, maça e derivações (se é que podemos chamar isso de vinho); feriado do dia primeiro de maio (passeatas e tropas de choque por toda esquina) e um grupo alegre de amigos tentando entrar nos poucos trens disponíveis e lotados na estação da vila, talvez um pouco menor que Pirapora.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Rumo a Moskovsky Volzal



Em quase cinco horas de viagem dá para escrever pelo menos um post. Na verdade já estamos indo para São Petersburgo e só fiz dois textos sobre Moscou, mas é que essa coisa de sair cedo e só voltar à noite para o hostel nos deixa bem quebrados. Por isso, acho que misturarei todos os relatos e experiências daqui para frente. Ainda vou contar sobre nossas observações dominicais dentro das igrejas ortodoxas, aventuras gastronômicas e comentários sobre os novos ricos de Moscou, mas agora vou falar do trajeto da viagem em si.

Estou bem contente porque nunca tinha viajado de ICE (Inter City Express). Normalmente, vamos mesmo de trens regionais que são mais baratos e vagarosos feito tartarugas. Mas como o Rublo está bem menos valorizado em relação ao Euro (1 para 39) as passagens do trem rápido nem custaram os olhos da cara. Com uma velocidade de 180 quilômetros por hora, alcançaremos São Petersburgo em apenas quatro horas e cinquenta minutos. Com a lata velha noturna dos vagões regionais a viagem seria de pelo menos nove horas.

Partimos da estação Leningradskiy. Aliás, não sei porque, mas sempre acho partidas de trem tristes. Esse quadro de pessoas na plataforma dando tchau e os vagões se afastando cada vez mais rápido. Bobeira! Mas de qualquer modo, esse momento na Rússia é bem diferente com relação à Alemanha. Aqui é uma bagunça, para não dizer uma zona mesmo. Os familiares sobem no trem, ajudam os passageiros a colocarem as malas no bagageiro, a pendurarem os casacos e depois ficam meia hora se abraçando e batendo papo. A cinco minutos da partida, uma gravação (aquelas de companhia de transporte) avisa que os acompanhantes devem desembarcar. Tá, eu assumo que meu russo não melhorou em uma semana, mas o anúncio também é repetido em inglês. Aliás, ta aí mais uma vantagem de viajar de trem ligeirinho. Os nomes das paradas também são traduzidos.

Em Berlim, o trem para na plataforma por menos de cinco minutos. Se não ficarmos espertos, ele sai sem você e sua malas. Os bilhetes nem são checados na porta. Nós o apresentamos só mesmo depois da partida E quem não tem passagem fica choramingando a partida de amigos e familiares do lado de fora. Bom, mas já deu para notar por posts anteriores que a galera russa é bem mais calorosa.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Coitado do Lenin

Ontem visitamos o túmulo do Lenin (como todos os turistas de Moscou), mas confesso que achei a experiência bem estranha. O mausoléu fica na Praça Vermelha, encostado no muro do Kremlin . Após deixar câmeras fotográficas e celulares do lado de fora (isso é bem sério), passamos por detectores de metais e partimos para ver o espetáculo do presunto. Tá, esse comentário foi meio grotesco, mas é literalmente isso. O coitado do Lenin queria ser enterrado ao lado da mãe em São Petersburgo, mas acabou embalsamado na capital. Após sua morte em 1924 e um velório que mobilizou a população por semanas ao longo do inverno, Stalin decidiu que o corpo do líder comuna seria um ícone da revolução e contratou dois químicos para brecar o processo de putrefação. Hoje parece mais um boneco de cera do Madame Tussauds. 

Pelo menos quatro guardas que também parecem estátuas decorativas da tumba pedem silêncio e ordenam que as mãos geladas dos turistas sejam retiradas dos bolsos. Eu até entendo a demonstração de respeito e apesar de eu não ter nada de comunista (quem me conhece sabe) acho sim que as teses do Lenin e sua figura em si como intelectual merece certa reverência. Mas me soa tudo muito falso. Poxa, já o forçaram a ser um símbolo da eternidade e ele ainda está enterrado bem de frente ao GUM. Trata-se de um mega centro de consumo para novos ricos de Moscou, ultra requintado com marcas como Dior, Versace, Bulgari e por aí vai. Mas é bem em frente mesmo. Tá certo, o tal shopping já existia na era soviética, mesmo que com filas enormes e prateleiras vazias. Mas é peculiar sim sair do Armani Café e dar de cara com a casa da imortalidade leninista. Só faltava cobrar ingresso! Mas graças a Deus (e mesmo que ateu, qualquer camarada concordaria) ainda não tiveram essa ideia. 

Ao menos tiraram o corpo do Stalin da mesma tumba, que perturbou a paz de Lenin de 1953 a 1961! Mas isso só porque uma antiga Bolchevique chamada Madame Spiridonova sonhou que Lenin estava reclamando da presença de Stalin ao seu lado! Só tem maluco nesse lugar. Aliás alguém sabia que o nome do Lenin era mesmo Vladimir Ilych? Bom, tenho de admitir que ainda não vi nenhuma camiseta, chaveirinhos e essas parafernálias toda com a imagem do falecido. Será que não venderia ou é respeito mesmo?

Mais peculiar que tudo isso é assistir ao show do Bon Jovi logo depois do discurso do Gorbatchev nas comemorações dos vinte anos da queda do muro de Berlim! (http://picasaweb.google.com/reginacazzamatta)

Obs.: a foto não é minha. A temperatura por aqui já está bem mais simpática.