segunda-feira, 20 de abril de 2015

Polônia: Varsóvia, Cracóvia e Auschwitz

Varsóvia — a Fênix polonesa 


          Quando o assunto são os ares despojados e inovadores, não se pode deixar Varsóvia fora do roteiro. Diferente do charmoso clima medieval e romântico da capital da República Tcheca, há também na Polônia uma Praga. Basta cruzar a ponte a partir do centro histórico para chegar em um dos bairros mais cools da capital polonesa. Por lá, as obras de reconstrução pós comunismo ainda não deram as caras, o que confere um aspecto duro de realidade. Ainda assim, o bairro é o local para se estar. A cena de artistas, estudantes, baladas, barzinhos descolados e diferentões é intensa nessa região. Com o baixo preço dos aluguéis, é fácil encontrar ateliês, mercados de pulgas e festas improvisadas.

       Há quem compare o fervilhar de Praga com o antigo clima do Harlem, em Nova Iorque. Pobre, mas sempre sexy. Em meio a essa efervescência cultural, marcas da religiosidade católica polonesa. Santuários com imagens de Nossa Senhora Aparecida, todos kitsch e brilhantes são encontrados a cada quarteirão. Até mesmo nos bares mais malucos, como no Absurdu, aí talvez com um toque mais irônico.
Mas quem quiser curtir a Varsóvia histórica e perfeitinha também não ficará decepcionado. O centro histórico e arredores estão recheados de castelos, igrejas históricas, parques e concertos. Enquanto Viena exibe Mozart e Budapeste orgulha-se de Franz Liszt, aqui a cena é tomada por Chopin. Os restos mortais do compositor estão na belíssima igreja da Santa Cruz. Todos os domingos há também concertos gratuitos no parque tazienki, em frente à estátua do ídolo nacional. Com um jardim esplendoroso, o espaço abriga diversos museus de arte moderna e castelos à beira da água.
Outra visita imperdível é o museu dedicado ao compositor, com uma mostra super interativa, ideal para conhecer mais sobre a vida do artista ou escutar trechos de suas obras mais famosas. Já no quesito ciência, Varsóvia também tem do que se gabar. A pesquisadora Marie Currie, Nobel de física, nasceu na cidade, em uma casinha, transformada atualmente em museu. Já o centro de ciência Copérnico exibe, na frente do prédio, uma estátua do astrônomo com a ilustração do seu modelo de sistema solar desenhada no chão da praça.

Assim como as outras capitais, Varsóvia também conta com um belíssimo castelo real no coração da cidade. Um dos cômodos mais impressionantes e imponentes da estrutura barroca é a sala do trono e os apartamentos do rei. Tudo, no entanto, uma cópia da versão original explodida pelos alemães durante a guerra. Ao passear pela cidade, nota-se que praticamente todos os edifícios históricos mostram uma placa com imagens antigas.
As gravuras foram usadas para a reconstrução e dão uma ideia de quão perfeito ficou o resultado, ao ponto da Unesco tombar o centro histórico em 1980. Após a insurreição de Varsóvia em 1944, um levante de barricadas contra os alemães que durou 63 dias, Hitler ordenou que a bela cidade fosse reduzida às cinzas. Literalmente. Ao fim da guerra, somente 15% da capital estava de pé, e bem capenga. Varsóvia foi varrida do mapa. Cogitou-se até nomear outra cidade como capital da Polônia. Mas hoje crianças saltitam pela praça do centro velho em torno da estátua da sereia, o símbolo da capital. Turistas circulam pelas muralhas da antiga cidade medieval e artistas vendem pinturas, balões e fazem performance pelas ruas.
O trauma que 70 anos depois passa desapercebido a olho nu é melhor compreendido no museu da insurreição de Varsóvia, nos arredores do antigo gueto judeu. A exposição mostra o desespero da cidade por meio de diversas imagens, documentos e relatos. Um avião usado para jogar alimento aos insurgentes chama atenção no primeiro andar. Antes da guerra, Varsóvia possuía a maior população judaica depois de Nova Iorque. A chocante história dos guetos está exibida no segundo andar. É como estar no filme o Pianista, de Polanski, aliás um dos sobreviventes desta tragédia. Outros pontos turísticos referem-se a esse sombrio momento histórico, como o monumento erguido para comemorar os 45 anos do levante e o museu dos judeus poloneses, com uma arquitetura para lá de arrojada.
Mas nenhum outro memorial na Polônia é tão impressionante e assustador quanto o antigo campo de extermínio Auschwitz- Birkenau, em Óswiecim, uma cidade a 40 quilômetros de Cracóvia. Mais de um milhão de judeus, de 27 nacionalidades, perderam a vida aqui. Na entrada, a placa “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta) ainda impera sombriamente sobre o portão de ferro.
 Prepare-se para revirar o estômago. Toneladas de cabelos femininos, montanhas de sapatos, roupas, utensílios pessoais e malas ainda com os nomes das vítimas estão em exposição. Um nó maior na garganta ao ver as roupinhas de bebê. Acompanhados de um guia, visitantes entram na sala das latrinas. Os prisioneiros responsáveis por limpá-las pertenciam ao chamado “Scheißekommando”, literalmente o comando da merda. Pode parecer a pior das funções, mas, segundo nosso guia, era uma das melhores. Além de poder ir ao banheiro quando quisessem, esses prisioneiros não passavam o dia sendo mal tratados pelos soldados alemães, que por conta do mau cheiro mantinham-se bem afastados dali. A visita de pelo menos 3,5 horas estará repletas de histórias assim. Fotos das vítimas como a da garotinha de 14 anos, Czeslava Kwoka, conectam os visitantes com o sofrimento dessas pessoas.

Cracóvia — a capital intelectual e espiritual da Polônia.


Embora a maioria dos tours rumo a Auschwitz partam de Cracóvia, há ainda muitas outras razões para visitar esta estonteante cidade. Ao contrário da irmã Varsóvia, ela saiu praticamente ilesa da guerra, uma vez que os alemães estavam preocupados com os rebeldes na capital. Assim, Cracóvia é uma das poucas cidades do país que ainda mantém os ares e a arquitetura dos tempos pré-guerra. A praça do mercado com sua beleza fenomenal, o castelo de Wavell, as 140 igrejas, sinagogas do bairro Kazimierz, museus e galerias são grandes atrativos. Perambular pela Rynek Glówny, a Praça do Mercado, a maior do continente aliás, é um dos passeios mais prazerosos. Repleta de cafés, restaurantes, transeuntes, pombos, carruagens, fontes, músicos e artistas, o quarteirão é um cartão postal de peso.
No hall das confecções, umas edificação do século 14, são vendidos diversas lembrancinhas polonesas. Um passeio subterrâneo pelo Rynek mostra escavações encontradas na praça e reproduz a vida dos mercadores medievais e as principais rotas comerciais do velho continente. Mas para ver o zunzunzum do mercado de camarote, nada melhor como subir na torre do relógio. Outro destaque no quarteirão mais belo da cidade é a basílica mariana, com suas duas torres de diferentes tamanhos e seu interior barroco azulado. A vista da maior torre, de 81 metros, é de tirar o fôlego.  
O poder político e cultural de Cracóvia espelha-se ainda no charmoso e imponente castelo de Wawell, um silencioso guardião de anos de história polonesa. O complexo inclui além de cinco museus, a brilhante catedral de Wawell, testemunha das coroações e funerais mais importantes do país. Em cima da massiva porta de ferro estão pendurados ossos de um animal pré-histórico, que segundo a lenda contêm mágicos poderes. Da torre dos ladrões obtém-se uma vista magnífica das cúpulas da catedral, das muralhas avermelhadas do castelo e do rio Vistula, correndo na planície. A tradição cultural da cidade também está expressa no Collegium Maius, o mais antigo prédio universitário polonês, uma estrutura gótica do século 15. Entre os destaques deste tour pela sabedoria, instrumentos e manuscritos do então estudante Copérnico.
Mas Cracóvia não tem só seu lado dourado. O bairro judaico Kazimierz ainda mantém os resquícios do muro que cercava os guetos durante a ocupação nazista. Ao lado de resquícios de sinagogas, encontram-se, atualmente, cafés, bares e galerias de arte alternativas. É por aqui também que está mais um ponto turístico indispensável — a antiga fábrica do Schindler, imortalizada pelo filme de Steven Spielberg. A mostra conta as atrocidades no nazismo em Cracóvia. Observe a heresia de cartões postais da época em que a elegante praça do mercado passou a se chamar Adolf Hitler!
Mas conhecer a Polônia é assim mesmo. Há exclamações de horror frente aos memoriais históricos, mas também suspiros com as paisagens de contos de fadas. Degustações de vinhos, pálincas, vodcas e cafés; um desfrute dos prazeres musicais e artísticos. Uma bagagem enriquecedora pra quem volta para casa depois de viajar e viver tão intensamente. 


 Vodcarias e Milk Bares 

Na Polônia a bebida da vez é a vodca. Entre as mais populares estão as puras, mas há também deliciosas versões, como as produzidas pela marca Soplica, com limão ou frutas vermelhas. Alguns bares são como vodcarias onde garçons servem inúmeras doses atrás do balcão. Outra invenção interessante para experimentar por esses lados são os restaurantes conhecidos como Milk Bares, como o Mleczny Familijny, em Varsóvia.

Uma tradição da era comunista, tratam-se de cantinas extremamente simples, mas que servem deliciosas comidas típicas e caseiras, a precinhos bem camaradas. Vegetarianos também podem arriscar, já que boa parte dos pratos são à base de laticínios, daí o nome, Milk bares. Há algumas similaridades entre a culinária polonesa e russa como as sopas de beterraba e creme (barszcz). Ou os pierogis, uma espécie de ravióli polonês, recheado com ricota, carnes, batatas, chucrute ou até mesmo frutas. Algumas variações são servidas com creme de leite, outras na manteiga. O restaurante Piorregeria em Varsóvia é especialista no prato e oferece inúmeras versões. Em Cracóvia, o U Babci Malinky também serve pratos típicos. Já para um lindo visual da Praça do Mercado, opte pelo Pod Gruszka e tente conseguir um lugar na janela.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Termas em Budapeste

Na levada de posts sobre banhos pelo mundo, não teve como deixar de fora os 70 milhões de litros de água que jorram de 118 fontes termais na capital da Hungria. Juro que não é nenhuma provocação com a falta de banho paulistana. Quem leu os últimos posts de viagem do blog perceberá que ando com uma fixação por chuás diferentões (saunas na Alemanha e Hammams marroquinos) Claro que há muito o que visitar em Budapeste, mas perder umas boas quatro horas em uma, duas ou até mesmo quatro termas é parte essencial do passeio para conhecer o espírito da cidade. Sem contar que não há melhor remédio para os pés cansados de tanto saçaricar. 

Não há nada de muito complicado e por aqui, ao contrario da Alemanha em algumas ocasiões, todo mundo usa roupas de banho. Dá para alugar um armário em um vestiário comum ou uma cabine para se trocar com mais privacidade. O visitante recebe uma pulseira de plástico. É só passá-la no sensor de uma máquina na entrada para receber o número da cabine. Só a sua pulseira abrirá aquela porta específica. Há pelo menos doze casas na cidade, cinco delas em ambiente externo. Entre as favoritas: 

Gellért — o Taj Mahal dos banhos.

Aberta ao público desde 1918, a Géllert fica no hotel homônimo e é uma belezura. As colunas de mármore, o teto de vidro e as estátuas em volta da piscina dão a sensação de estarmos nadando no jardim do Éden. Tudo bem que a água da piscina central não é lá tão quente, mas um tibum, só para se sentir parte daquela arquitetura, vale a pena. Gostoso mesmo são as termas menores e quentinhas pra chuchu (de 36 a 38 graus) nas laterais. Lá não é para nadar. A ideia é cozinhar como uma sopa de batata. Fontes meiguinhas, com cupidos e leões cuspindo água dão um toque todo especial ao banho. Pena que fecha às 20h.

Rudas — a mais turca das termas. 
Mulheres são bem vindas às terças-feiras e aos fins de semana. Nos outros dias, o banho é exclusividade do sexo masculino. Mas, a melhor vantagem da Rudas é que de sexta e sábado, a entrada é para ambos os sexos e o horário de funcionamento é excelente: das 22h às 4h da matina. Assim, aqueles que não abrem mão de uns museus ou uma visitinha ao castelo durante o dia, ainda podem aproveitar o turismo das termas. A piscina central e suas quatro termas laterais foram construídas no século 16, durante as invasões do Império Otomano, e têm quase 500 anos. Barras de ferro seguram a estrutura antiquíssima. As termas nas laterais é uma sequencia de banhos, dos 26 aos 42 graus. E a diferença de temperatura dá aquela relaxada semelhante a de uma sauna. Como o ambiente é bastante escuro e úmido, vou ficar devendo a imagem da casa! Desde setembro de 2014, a Rudas ganhou um espaço exclusivo de hidromassagens com um aspecto mais moderno e novinho.

Széchenyi — o maior complexo de banho europeu 
Construída de 1909 a 1918, em estilo renascentista, trata-se da maior terma desse estilo do velho mundo. A grande piscina central de 38 graus é um deleite. Pessoas jogam xadrez, outros conversam e relaxam em meio a estrutura arquitetônica amarelada. É tão bacana que na primeira vez  não saí de lá e perdi a oportunidade de conhecer as inúmeras termas internas. Foi uma ótima desculpa para voltar! Não é para menos. Imagine a água quente em um ambiente externo, fumaça subindo e condensando com o ar geladérrimo do inverno e o céu cheio de estrelas!  Essa piscina principal fica aberta até às 22h. No inverno dá para se banhar a luz do luar a partir das 17h. Obs.: é bom levar um roupão porque uma hora a gente tem que sair de lá. 

Lukács  e seu efeitos medicinais
Essa terma existe desde os tempos das cruzadas e acredita-se que suas águas possuam resultados muito efetivos. Talvez seja por isso que ela esteja acoplada a um hospital, especializado em reumatismo. O ambiente é lindo, clinicamente limpinho, ornado com pisos de mármore branco e espreguiçadeiras com almofadas e colchão. As termas tem iluminação para deixar a água quentinha e colorida. Tem lá seu quê de banheira de motel, mas sem a prevista sacanagem. Fontes jorram água potável para que os visitantes se hidratem durante os banhos. As águas prometem curar reumatismo, dores nas juntas, doenças degenerativas e uma porção de saracuticos. Apesar dessa descrição de hospital, uma vez por mês a casa prepara a balada das águas. Uma festa eletrônica, com drinks, DJs e trajes de banho!