quarta-feira, 3 de março de 2021

Fantasia e Realidade

Uma parte de mim gosta de envelhecer. Só uma parte mesmo. Acho uma tremenda besteira juvenil a maioria das coisas que escrevi anos atrás. Por isso estou aqui preocupada em divertir a Regina do futuro. A melhor parte desse blog é dar motivos pra rir deu mesma daqui alguns meses. Há oito anos (2014) comemorei meu aniversário no meu primeiro colóquio de doutorandos antes mesmo de receber o financiamento para pesquisa. Pisquei e acordei com quase quarenta anos! Quando desejo de volta aquela juventude, esqueço que teria de abrir mão de todo o caminho até aqui – livros, músicas, amigos, viagens, pesquisas, conferências, um milhão de crises existenciais, perdas, mudanças, dúvidas, conquistas. Seria mais jovem, mas bem menos completa e mais amedrontada. Pra apaziguar esse paradoxo o jeito é intensificar a vida antes de cair no divã aos quarenta. Viajar, fazer umas cagadas, mudar mais algumas vezes, cruzar a Transiberiana, fotografar, caminhar, ler mais uns livros, aprender italiano, escrever outras besteiras, virar mestre de yoga, meditação, sei lá. Quando e se o Covid deixar. 

Ano passado comemorei em um bistrô daqueles intimistas, com mesas apinhadas uma às outras, praticamente zero de distanciamento social. A crise se instalou duas semanas depois, mas acreditava à época que em um ano a coisa estaria mais frouxa. A ignorância (no sentido de desconhecimento) às vezes é uma boa aliada. Odeio fazer trilha com gente perguntando quantos quilômetros ou horas ainda faltam. Pois é. Não sabia o quanto faltava, mas mantinha uma esperança que em doze meses estaríamos usufruindo de maior liberdade (seja lá o que façamos com ela). Esperança que a realidade veio desmontando aos poucos. 2021 ainda será meio capenga. Vacinar o mundo será Herculano. Ironia querer intensificar a vida quando todos estão morrendo. Talvez por isso mesmo. Viver por mim, pelos que se foram e irão. 

Um ano depois, todos os bares, pubs e restaurantes estão (novamente) fechados. O maldito vírus se adapta às adversidades. Decidi então passar o dia sentada à beira da bacia de Limehouse, curtindo uma garrafa de vinho, lendo e alimentando as gaivotas (elas sobrevoam exibindo uma liberdade provocante). Mas até os pequenos planos andam difíceis de controlar. Londres amanheceu mais nublada que os episódios de Peaky Blinders. Será uma quarta-feira em casa. Mas uma quarta-feira só minha. Nada de alunos, trabalhos, teorias, metodologia, submissões, pesquisa, verbas, aplicações. Tirei o dia para ler, cozinhar meu spaghetti com vieiras, polvo “à feira”, tomar vinho, ver filmes, ouvir música e conversar com amigos queridos e trancafiados.  

Esta semana, alguém acessou meu primeiro post desse blog em 2010. Mal lembrava da existência desse texto. Lá eu dizia que não transformaria esse espaço só em relatos de viagem para não perder o sentido. Queria falar de peculiaridades pessoais, acadêmicas, políticas, psicológicas, femininas, familiares ou culturais. As viagens diminuíram, mas a vida nos deu uma das fases mais esquisitas em escala global. Não sei bem o que fazer mais com isso, a não ser driblar as chateações. Sonhar que logo o mundo (não só a Europa) estará aberto. 

 

Talvez ano que vem eu já possa sair perambulando por aí sem máscara, com os lábios bem vermelhos de batom e uma mochila de novo nas costas. Será? 

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