Estava em uma reunião com alguns amigos segunda-feira à noite aqui em casa (filme, massa, bate papo), climão pacato dos tediosos dias de semana. Um pouco antes de dormir chequei minha timeline do Facebook. Posts do incêndio da Notre Dame jorravam numa velocidade maior que a do próprio fogo – BBC, Guardian, Folha, Estado, El País, SZ, FAZ e mais uma imensa lista de veículos compartilhando a tragédia. Aquilo mexeu comigo sem aparente explicação e para reprimir o que não queria trazer à tona, passei a analisar os fatores noticiosos. Surpresa, imprevisto, dano extremo, proximidade cultural, alto fator emocional, acidente em uma “nação de elite”. São as regras do jogo midiático. Ponto. Walter Lippmann diz amém.
Alguns anos antes, estava com meu marido, meu primo e sua ex-namorada na fila para entrar na catedral. Era um fim de semana de verão, abarrotado de turistas e discutíamos se valia a pena revisitar o local, considerando o tempo de espera. Saí rapidinho da fila, atravessei a rua e fui escolher um souvenir para uma pessoa bastante importante na minha vida. Voltei, ficamos ali alguns minutos elucubrando se foi uma boa decisão, se aquela pequena lembrança geraria alguma reação inesperada, se iria agradar ou reacender algum sentimento estranho. Nunca soube. Não deu tempo de entregar. A Notre Dame foi a testemunha desse último presente que comprei. Pra mim algo tão avassalador quanto as decapitações jacobinas (esse post é focado no indivíduo, não no desenvolvimento histórico, ok?).
Anos depois, fui de Dijon para Paris porque encasquetei que compraria meu livro favorito na versão inglês, na Shakespeare & Company. Nem preciso dizer que a livraria estava abarrotada a ponto de fecharem as portas por um tempo. Decidida, fiquei na fila, dessa vez do outro lado da rua, admirando a Notre Dame reinar na paisagem. Li trechos aleatórios da obra no café homônimo ao lado. Naquele momento, a catedral continuava ali enraizada no coração parisiense, como se nada pudesse abalá-la. Ao contrário da vida de Teresa e Tomas que termina repentinamente no impacto de uma batida de carro. Desculpe pelo spoiler, mas acho que o desfecho da Insustentável Leveza do Ser não é lá mais segredo pra ninguém. Possuí esse exemplar do livro por menos de seis meses. Não o queimei, mas resolvi trazê-lo comigo para uma viagem à Península Ibérica. Com o excesso de bagagem, enviei alguns livros (o Kundera inclusive) por correio. A caixa nunca chegou. Maldita efemeridade.
Essa edição bastante especial do livro desapareceu. Uma pessoa querida se foi. E a catedral que deveria estar ali como testemunha disso tudo queimou. Ardeu em chamas e ninguém pode fazer nada. Evaporou. Não tiro as imagens das gárgulas da cabeça, como se rissem da nossa impotência. E segue o baile, cheio de encontros e desencontros, mas segue!
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