Não costumo ter bloqueios para escrever posts. Síndrome da tela vazia do Word só acontece com trabalho. Aliás, posts em geral são a antítese disso. Quando empaco com matérias ou tese, chuto o fantasma A4 pro alto e escrevo qualquer paranoia, comentário ou abobrinha para o blog. É um ótimo laxante de ideias. Mas eis que estou há três semanas evitando abordar minha primeira experiência dando aulas. O problema não é a novidade ou o desafio da experiência em si. Acho que a obstrução tem a ver com o cheiro. Podem seguir com a leitura despreocupados. Não virá nada escatológico.
Recebi uma sala fora da faculdade de comunicação e filosofia. Assinei o contrato, peguei as chaves com a secretária e quando me dei conta estava dentro de um prédio com um aroma bastante característico. Conhecido, relembrado e (para o bem estar geral) reprimido. No mesmo local, há oito anos, lá estava eu sentada no anfiteatro fazendo uma prova de nivelamento de alemão. Sozinha, sem entender bem o ambiente, receosa por não conseguir uma vaga no curso preparatório, sentindo imensa falta de Berlim.
Tantos anos depois, a mesma incerteza, a mesma tensão, mas em um ambiente bastante familiar. Chego ao local até de olhos fechados se precisar. Dessa vez, aquela apreensão se daria conta do recado e a saudade avassaladora de Londres. O mesmo sentimento quando mudei de escola na quinta série. Um pátio lotado de crianças desconhecidas, eu ali sozinha esperando bater o sinal. Sentindo falta do antigo colégio e receosa pelo que se anunciaria. Agora, já adulta, atrás do desconhecido, mas em um espaço habitual, quase acolhedor. Por que então essa vontade de fugir e me esconder em Londres, nem que fosse pra chegar a nado?
Quando estou na Inglaterra, sinto falta (mesmo) da estrutura acadêmica alemã, do peculiar “Sehr geehrte Damen und Herren”, da natureza, da organização e da objetividade nua e crua dos alemães. Uma vez de volta ao continente, não tiro os dias chuvosos em Pubs, as festas esquisitas e os gigs londrinos da cabeça. Bizarra mania de desejarmos o que não temos. Nem vou tentar entender o discurso do desejo na psicanálise para não mandar o Freud à merda.
Nesses momentos de dicotomia, temos a arrogante impressão que ninguém nos entende. Com os sentimentos assim divididos, fomos almoçar com uns amigos de longa data em Weimar. Depois de algumas taças de vinho, todo mundo nômade e acadêmico, toda essa discussão veio à tona. A diferença é que um dos convidados já tinha alcançado seus (quase) setenta anos. Cabelos esbranquiçados, olhos verdes, pele bronzeada, tênis de trekking. Deve ter sido um homem atraente. Falava em italiano com os donos da casa, mas era francês. Trabalhou boa parte da vida na Siemens. Passou três anos da vida na ponte aérea entre Madri e Munique. A filha cresceu, casou e se mudou para Inglaterra. Ele comprou uma casa no interior da Turíngia (finalmente sossegou) e vive só.
Parecia compreender (e não julgar) esse sentimento de deslocamento, essas incertezas sobre o onde e quando aburguesar, sobre as vidas paralelas e fragmentadas que vamos levando. Tinha a leveza que nos falta(va). Ao ouvir nossas preocupações, questionava-nos: “mas e daí”? Pra não fazer um desfecho chorumela de auto ajuda, a moral da história é que devemos aproveitar momentaneamente o melhor de cada pessoa e lugar. As coisas são como são. E até parece simples ouvindo assim!
Um comentário:
Sempre um prazer te ler. E, hoje, uma lição/constatação na qual TB venho confabulando ultimamente. A vida é bem mais simples do que a traçamos. Bjs, querida. Saudades.
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