terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Muro de Berlim para uma criança – 25 anos depois

Há 25 anos, em 09 de novembro de 1989, o mundo estava prestes a mudar. Um dos mais importantes acontecimentos históricos do século 20 vinha à tona, mas tudo que eu consigo me lembrar daquela noite é do aroma da sopa de feijão borbulhando sobre o fogão. A mesma que minha avó cozinhava todo fim de tarde. Porém, naquele dia, ao escutar a musiquinha do plantão da globo, ela deixou o caldo lá a borbulhar incansavelmente. Com o avental molhado da cozinha, correu para a sala, colocou as mãos na cintura e ficou ali, em pé, estatelada em frente à televisão. Imagens de jovens marretando o muro se repetiam. Enquanto o Sr. Schabowski se embananava na coletiva de imprensa sobre a liberação das fronteiras, eu esperava meu jantar sobre o tapete esverdeado em um sobrado da capital paulista. E como fiquei, momentaneamente, sem a sopa e sem a atenção da minha avó, perguntei o que estava acontecendo. “Acabou o comunismo”! – ela me disse. “Grande coisa”, pensei. Fiquei lá de bico porque não podia falar enquanto a notícia estava no ar, pensando que meu tio — aquele que achava que o homem veio dos primatas e era comunista — deveria estar triste. O que aquele muro tinha a ver com tudo isso, ainda me era desconhecido aos seis anos.
Minha avó morreu dez anos depois, em 1999, um pouco antes de poder ver as comemorações dos dez anos da queda do muro de Berlim. Vinte anos depois, por obra do acaso, eu havia me mudado para a capital alemã. Fato bastante improvável, caso eu não tivesse ficado sem sopa há vinte anos. Mesmo sem estar com o idioma afiado, entrei na frenesi que tomava conta da cidade. Dominós pintados por crianças e artistas foram enfileirados por toda a antiga extensão do muro. O que começou com o espanto da minha avó foi se aprofundando com textos de época da revista Der Spiegel, notícias do Berliner Morgenpost e uma aura que se tornara bastante comercial e turística. Mas mesmo com o lado "relações públicas" do “psedo-acontecimento”, não queríamos perder aquela comemoração. Na noite do dia 09 de novembro de 2009, o primeiro dominó seria empurrado trazendo aquela imitação de muro para o chão. Ouvir o discurso do Gorbachev, ver ao vivo aquela sua imensa mancha na cabeça que me dava medo na infância, relembrar os termos perestroika e glasnost das aulas de geopolítica... Tudo isso criou uma expectativa ao ponto de chegarmos cinco horas antes, grudarmos na grade e ficarmos ali com máquinas a postos até o mundo voltar os olhos para Berlim novamente. A fixação era tanta que alguém de fora acharia que em vez da Merkel, Gorbachev ou Hillary Clinton seriam os Rolling Stones que fariam o discurso. E o espantoso foi ver o Bon Jovi cantar logo depois do discurso do Gorbi. Esquisito, mas estava valendo.


Cinco anos depois, a frenesi tomava conta novamente do país. Já não estávamos mais em Berlim, mas em uma pequena cidade da Alemanha Oriental. Muita das discussões acerca do processo da reunificação — a integração entre as duas Alemanhas, os preconceitos, a forma como o processo foi conduzido — nada disso aparece nos grandes eventos feitos para a televisão. Mas ainda assim, pensamos, repensamos e, de última hora, partimos para Berlim. Para as celebrações dos 25 anos da queda. Dessa vez, a Merkel não discursou. Só cumpriu o dever e apareceu para assistir a festa no domingo à noite. Gorbachev acenou, ouviu os gritos de Gorbi, Gorbi, Gorbi. Desta vez, balões brancos reconstruíam o muro que separava a cidade. Seriam jogados um a um ao vento. Foi bonito, tocante. Algumas placas entre a multidão agradeciam o chanceler Helmut Kohl! No fim da noite, Udo Lindenberg encenou e tocou canções do seu musical “Atrás do Horizonte” (Hinterm Horizont), em cartaz na cidade. Mas, o que realmente valeu a pena foi a curta aparição de Peter Gabriel interpretando “Heros” do David Bowie. Bem melhor que o Bon Jovi cinco anos antes. Praticamente como sentir novamente o aroma da sopa de feijão.

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