Reza e diversão na Terra Santa
(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Nov. 2012)
A sagrada Jerusalém e a profana Tel Aviv são
apenas duas entre as várias atrações que tornam o pequeno país do Oriente Médio
um destino que surpreende
Discórdias entre judeus e palestinos
à parte, o turismo da Terra Santa não conhece o termo crise – de janeiro a
agosto de 2012, 2,3 milhões de visitantes colocaram os pés nesse canto místico
e enigmático o mundo. Apesar de quase 70% das excursões à região terem
motivações religiosas, profanos e hedonistas não terão do que se queixar. Há
muito o que ver por aquelas bandas, da bíblica Jerusalém à high-tech Tel Aviv, passando pelas maravilhas dos minerais do Mar
Morto até a dividida e perturbadora Hebron.
Jerusalém, pela sua importância
histórica, é o principal destino. Peregrinos, turistas e estudantes, religiosos
e ativistas políticos fazem da polêmica e fascinante cidade um local bastante
intrigante. Ali convivem cristãos, judeus e muçulmanos – juntos e ao mesmo
tempo separados, já que a cidade antiga está dividida em áreas. Sagrada para as
três maiores religiões monoteístas do mundo, é o local da crucificação de Jesus
Cristo, da subida de Maomé aos céus e da destruição dos dois templos sagrados
do judaísmo.
Chegar a Jerusalém durante o shabat – o sétimo dia do Gênesis, o descanso
semanal de 24 horas para os judeus, contando do pôr do sol de sexta ao de
Sábado – pode ser uma experiência marcante. O silêncio nos bairros judaicos é
penetrante. Poucas pessoas são vistas pelas ruas e até mesmo transporte público deixa de circular.
No interior das muralhas do centro antigo, construídas pelo sultão Suleiman, o
Magnífico, de 1537 a 1542, durante o Império Otomano, os olhos ficam curiosos
diante da imensidão de expressões culturais e religiosas. O ícone da cidade, o
Domo da Rocha, com uma enorme cúpula dourada, impera sobre o Monte do Templo. Razões
para peregrinação não faltam por ali. Acredita-se que lá Adão foi criado,
Abraão quase sacrificou seu próprio filho Isaac e foram erguidos e destruídos o
primeiro e o segundo templos sagrados do judaísmo.
Praticamente em frente ao Domo está
a mesquita Al-Aqsa, com capacidade para 5 mil fiéis. Conta-se que ali Maomé
ascendeu aos céus para encontrar-se com Alá. Infelizmente, o acesso ao interior
dos dois templos é permitido somente aos muçulmanos. Ainda assim, caminhar pelo
Monte do Templo é uma vivência única, capaz de fazê-lo esquecer todas as
divergências da região. Chão de pedra, fontes e árvores enormes dão um toque
bucólico ao local. Sem contar com a bela vista para o Monte das Oliveiras. Vale
lembrar que este é o lugar mais sagrado no mundo para os muçulmanos, depois das
cidades Meca e Medina. Fiéis são vistos sentados em grupos, só de homens ou só
de mulheres, sob às sombras das árvores. Muitos rezam em voz alta, um
cantarolado suave que quebra o silêncio e completa o aspecto sagrado do local.

Embora exista nove portões que ligam as pequenas e
tortuosas ruelas da cidade antiga ao Monte do Templo, a entrada dos forasteiros
é permitida somente pelo Bab al-Maghariba. Filas fazem parte do passeio, ainda
mais quando chegam tours com mais de
40 pessoas de uma só vez. É bom estar com o passaporte em mãos para passar pelo
controle. Além da tradicional checagem de bolsas, câmeras e raio X, os guardas
também perguntam o país de origem de cada visitante. Apesar do calor, é preciso
se vestir com modéstia e cobrir ombros e pernas. Caso as roupas não estejam
apropriadas, é possível comprar lenços para cobrir as partes desnudas.
Muro das Lamentações
Na base ocidental do Monte do Templo, judeus rezam com as mãos
encostadas no Muro das Lamentações.Considerado uma sinagoga a céu aberto, o
espaço é dividido entre homens e mulheres. Muitos beijam as pedras, passam os
dedos, batem levemente a testa, enquanto recitam trechos da Tora, o livro
sagrado do judaísmo. Construído há 2 mil anos, o muro foi erguido para dar
sustentação ao monte, onde imperava o Segundo Templo. O primeiro, da época do
rei Salomão, foi destruído pelos babilônios, em 587 a.C. No começo do século 6
a.C, com a dominação persa na região, o povo judeu pôde voltar a Jerusalém e
reconquistá-la. Mas, em 70 d.C, o segundo templo também foi reduzido a
escombros, desta vez pelos romanos. Muitos foram exilados, marcando o início da
Diáspora. Daí entende-se o simbolismo.

De
acordo com a crença judaica, a presença divina nunca abandona o muro. Os homens
precisam colocar a kipá sobre a
cabeça para se dirigir ao local. Também é importante não dar as costas ao muro
e sair em marcha à ré, sempre olhando para ele. O momento mais especial para
visitá-lo é no início do shabat, no
entardecer da sexta-feira, quando o lugar lota. Entretanto, durante o shabat é proibido fazer fotos e há
inúmeros encarregados de fiscalizar o cumprimento da determinação. Mesmo para
os cliques mais discretos, há um olhar de reprovador e um pedido para que se
guarde a câmera.

Via-Crúcis
Não muito longe do Muro das
Lamentações está Via Dolorosa, onde cristãos fazem o caminho que Jesus teria
percorrido com a cruz até o calvário. A famosa Via-Crúcis é demarcada por 14
pontos, que representam significantes passagens bíblicas da Paixão de Cristo. A
primeira parada é atualmente uma escola islâmica. Por isso, nem sempre é
possível visitar o espaço. Muitos grupos de fiéis fazem o percurso levando uma
cruz em tamanho real, acompanhados por freiras, cantando e rezando. O ponto
nove da trajetória é onde Jesus teria caído pela terceira vez. A partis dali, o
caminho segue em sentido à Basílica do Santo sepulcro, onde se encontram as
cinco últimas paradas da caminhada.
Lá dentro, na capela católica, no
ponto 11, acredita-se que Jesus tenha sido despido e pregado à cruz. Na capela
ortodoxa ao lado, está o topo da montanha onde a cruz teria sido fincada. Há
sempre muitos turistas, que se aglomeram em fila para olhar o lugar. No andar
de baixo da igreja está a pedra onde Jesus teria tido seu corpo limpo e untado.
Muitos se ajoelham, beijam a rocha, colocam lenços, terços, bíblias,
fotografias, passam as mãos, rezam, fazem uma pausa e sorriem para a foto. O
ponto final é a tumba, onde é preciso esperar um pouco na fila. Só entram
quatro pessoas por vez e o tempo de contemplação é curto. Coisa de um minuto ou
menos. Em seguida, já se ouve a voz de um padre ortodoxo pedindo para as
pessoas deixarem o local. Existe, no entanto, uma teoria alternativa para a
crucificação e ressurreição de Jesus, que aponta o Jardim da Tumba, em
Jerusalém Oriental, como o local do ocorrido. Embora muitos ignorem essa
versão, o espaço (coordenado por membros da igreja protestante) exibe um belo
jardim, com pequenas fontes e muita tranqüilidade.
Monte das Oliveiras
Outro local essencial é o Monte das Oliveiras. Inúmeras árvore, repletas
de azeitonas verdinhas, marcam a paisagem – algumas têm cerca de 2 mil anos e
se encontram no quintal da Igreja de Todas as Nações. Na paisagem, destoa as
cúpulas douradas em forma de cebola da Igreja de Maria Madalena, construída por
cristãos ortodoxos.
Logo no
início, antes da subida realmente começar, está a Tumba da Virgem Maria, outra
igreja controlada pelos ortodoxos. A capela é aparentemente pequena e singela
por fora, mas ao descer as escadarias longas e acinzentadas, muitas vezes
cheias de velas nos degraus, o templo se expande até o memorial. Alem do
simbolismo espiritual, o morro oferece a vista mais espetacular da região. De
lá, podem ser feiras fotos da cidade antiga. Embora alguns digam que a íngreme
caminhada possa ser um pouco cansativa, vale a pena subir a pé, devagar para
apreciar o visual em diversos pontos.
Ao longo
da montanha, chamam atenção inúmeras tumbas judaicas, esbranquiçadas e cheia de
pedrinhas. Rata-se do maior cemitério em uso do mundo, onde estão enterradas
cerca de 150 mil pessoas. Segundo a profecia judaica, o messias voltará no dia
do Juízo Final pelo Monte das Oliveiras. Por isso, muitos querem ser enterrados
ali para garantir um bom lugar na fila da ressurreição. Outra igreja bastante
visitada no Monte das Oliveiras é a do “Pai Nosso”. Ali está a caverna onde
Jesus teria ensinado a oração aos seus discípulos. Nas paredes da igreja
pode-se ler a reza em mais de cem línguas, entre português, chinês e até mesmo
guarani.
Uma boa dica é se hospedar no centro da cidade
nova, fora das muralhas, onde estão os melhores restaurantes.
Por lá também se
encontra o Museu de Jerusalém e seu Santuário do Livro, em forma de jarra
branca. A arquitetura escolhida simboliza as jarras em que os rolos de
pergaminhos dos escritos sagrados do Antigo Testamento foram encontrados, em
uma caverna na região do Mar Morto. Para se despedir de Jerusalém, nada como o
espetáculo de luzes da cidadela, onde fica a Torre de David, bem ao lado do
portão Jaffa. Durante à noite, projeções luminosas nas ruínas da fortaleza,
acompanhadas de musicas, contam de modo quase mágico (e simples) a história da
cidade. O show é aberto ao som do que seria a flauta do rei David.

Onde um DJ é sagrado
Enquanto em Jerusalém as pessoas estão mais ligadas ao sionismo, sua
irmã mais nova está bem mais perto do hedonismo: Tel Aviv tem uma agitada vida
noturna. Por lá, um DJ é sagrado e comanda diversas casas noturnas, seu templo.
Se durante o shabat, Jerusalém
praticamente entra em coma, em Tel Aviv PS clubes e bares, muitos deles na
região da marina, abrem as portas geralmente por volta da meia noite. Depois de
cair na agitadíssima noite, nada como se espreguiçar por horas sob o sol nas
cadeiras de praia, dispostas para locação por cerca de 15 shekelim (por volta
de € 3). E um mergulho em águas mediterrâneas é indispensável. Pela orla, a
moda praia brasileira se destaca nos pés das pessoas em forma de Havaianas. Até
mesmo marcas nacionais de biquínis estão à venda na Rua Sheinken, no centro,
onde existem diversas butiques descoladas.
Se a fome
apertar, Tel Aviv é o lugar certo para os deleites da culinária. A cidade dita
não só a moda do país, mas também domina a cena gastronômica. Judeus imigrantes
de várias partes do mundo trouxeram influências da cozinha de origem, o que
torna a cena bastante experimental e diversificada. Em alguns restaurantes, se
vê na porta com destaque um selo koscher,
emitido pelos rabinos. É a certificação de que a comida é preparada de acordo
com os ditames do judaísmo. Entre as principais regras, estão quais carnes
podem ser ingeridas e o modo de abate do animal. Além disso, carne e laticínios
não podem dividir as mesmas panelas, sequer a mesma refeição – embora isso seja
mais flexível em Tel Aviv.
Diáspora e Jaffa
Para entender como os judeus mantiveram sua cultura, mesmo espalhados
pelo mundo, uma visita ao Museu da Diáspora é bastante recomendável. Dentro do
belo campus universitário, a exibição conta a história da diáspora e ainda
explica o significado de muitas festas judaicas, a exemplo do barmitzvá, quando garotos de 13 anos
atingem a maioridade religiosa e passam a ser responsáveis por seus atos morais
(para as meninas, a cerimônia se chama bat-mitzvá). Outra opção para quem não
quer passar o dia na praia é o Museu de Arte de Tel Aviv, quase no fim do
Boulevard Rothschild. O prédio de vidro, ao lado de um belo jardim, abriga uma
coleção permanente de impressionistas e pós- impressionistas, além de obras da avant-garde do século 20, a exemplo de
nomes como Picasso, Matisse, Degas e Pollock.
Embora
essa vibrante cena cultural, artística e gastronômica dê a impressão de uma
cidade madura, Tel Aviv é uma pré-adolescente se comparada à vizinha Jaffa. Há
4 mil anos, enquanto a metrópole israelense era somente dunas de areia, o porto
de Jaffa já figurava como um dos mais importantes do Mar Mediterrâneo –
citações da cidade são encontradas até no Antigo testamento. Atualmente, Jaffa
se tornou um reduto descolado, cheio de marcados de pulgas e galerias e
artistas, desde pintores e escultores até designers de joias. Já o porto não
exibe mais tanta energia, mas ainda assim continua marcando uma das mais belas
paisagens do mar e das construções históricas. Bares, restaurantes e o mercado
local lotam, formando um típico murmurinho no distrito, tido como mais bacana
de Tel Aviv.

Ao
caminhar pela beira da praia de Tel Aviv até Jaffa, onde reside uma maioria cristã
e muçulmana, avistam-se moças de lenços e burcas na água, sentadas sob o sol e
até mesmo chutando bola. O litoral tem um aspecto mais familiar e sem o
mundaréu de cadeiras e bares que marcam a orla de Tel Aviv. Ainda assim, moças
de véus e outras de biquíni transitam no mesmo espaço à beira-mar.
Litoral Norte
Se em
algumas cidades de Israel, a convivência entre árabes e judeus é marcada por
segregação, controle e conflito (veja Box na pág.165), em Haifa, o clima é
visivelmente mais amistoso. A terceira maior cidade de Israel, tida como uma
das mais heterogenias do país, abriga as duas culturas de forma bastante
harmônica. Lá, comunidades judaicas seculares vivem, lado a lado, com os árabes
de maioria cristã – e não em bairros separados.
Dizem os
locais que, enquanto em Jerusalém se reza e em Tel Aviv se festeja, é em Haifa
que se trabalha. De fato, a região é um importante vale do silício, com forte
presença da IBM e a melhor universidade do pais em tecnologia, eletrônica e
medicina. Do litoral, avista-se o Monte Carmel e o esplendoroso Jardim Baha ´I, tido como uma das maravilhas do
mundo moderno. Da base ao topo do morro, 19 terraços repletos de verdes
jardins, fontes e portões dourados cortam a paisagem em direção ao porto – uma
mescla bem realizada entre natureza e arquitetura. No centro dos jardins está o
túmulo de cúpula dourada do fundador da religião monoteísta Baha´I, criada no
século 19, na Pérsia, o Bu-ha´ullah. O local é o segundo mais sagrado para os 6
milhões de seguidores da religião espalhados pelo mundo.
Outro porto importante e histórico
na região é o de Cesareia, ao sul de Haifa, construído por Herodes, o Grande,
durante a dominação do Império Romano, para facilitar o comércio com a Europa. Cesareia
foi capital da Judéia e a importância do seu porto, à época, é equiparada ao de
Alexandria. Atualmente, a cidade é um grande parque arqueológico, onde se podem
ser vistas inscrições no teatro romano local com o nome de Pôncio Pilatos, que
morou em Cesareia. Resquícios do anfiteatro, onde os judeus foram assassinados
durante a primeira revolta contra os romanos, e das fortificações das cruzadas
podem ser observados nas ruínas à beira-mar.

Perto
dali, Akko, que se tornou o principal porto e base dos cristãos durante as
cruzadas, conquista os visitantes imediatamente. Uma das principais atrações é
a cidade subterrânea desses tempos conflituosos. Túneis em direção ao mar,
usados como ponto de fuga durante as batalhas, revelam a aventura da época. E a
última cidade da costa norte de Israel é Rosh Hanikra, na conturbada fronteira
com o Líbano. O destaque do pequeno distrito são os penhascos à beira-mar, que formaram inúmeras
cavernas de águas cristalinas e jogos de luz. O acesso ao penhasco é feito via
teleférico e a sensação é como a de entrar na caverna marítima em Capri, na
Itália, mas sem precisar estar em um barco.
Mar Morto e Massada