quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Em respeito à maioria



Aparecida Nascimento acorda todos os dias às 6h da manhã e prepara o almoço que suas duas filhas, de nove e doze anos, esquentam no microondas na hora do almoço. Às 7h20, em ponto, ela pega o ônibus no bairro de Contagem, em Belo Horizonte, e segue pro batente. Um minuto de atraso significa voltar para casa e ter o dia descontado no apertado salário do fim  do mês. A vendedora de calçados recebe mensalmente entre 800 e 1.000 reais e conta com o chorinho da renda do marido, 300 reais. Todos vivem em um modesto apartamento de dois quartos, mas conseguiram comprar um Renault parcelado em 60 vezes. As prestações são em torno de 550 reais e quando o orçamento aperta, a família passa a noite de estômago vazio. “Assim é a vida”, diz ela, que não tem carteira de motorista. “Mas o carro ninguém me tira”. Para melhorar a auto estima e quem sabe sua performance nas vendas, Aparecida deu um boom nos seios - 280 mililitros! “A gente precisa se sentir bem com nosso corpo”.
Esse relato foi feito pelo jornalista Ruedi Leuthold em reportagem de 21 páginas na Revista GEO do mês passado. Comprei a publicação na estação de trem em Bamberg por causa da reportagem de capa sobre a reunificação da Alemanha (que completou 20 anos no dia 03 de outubro) e fiquei surpresa ao me deparar com a tal matéria: “Brasil, ao caminho de se tornar uma superpotência”. Já tinha desistido de fazer um post sobre isso, mas ao ver o tamanho da repercussão desmiolada (no Orkut, Facebook e Twitter) sobre a eleição da Dilma, reconsiderei.
Já ta todo mundo cansado de ouvir que o Brasil é o pais do futuro e o jornalista sacou isso. Mas ainda assim, munido de números e boas entrevistas, Ruedi confirma essa teses. Hoje o país está entre as dez maiores economias do mundo e em 2016 pode ocupar a quinta posição. Apesar da crise econômica, a bolsa cresceu 300% nos últimos oito anos e com isso o presidente até emprestou dinheiro para o tão polêmico Fundo Monetário Internacional. Pela primeira vez na história, a classe média é a maior camada social o e não aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza.  Aliado ao fato está a construção de um grande sistema social em que 46 milhões de pessoas recebem ajuda financeira do estado. Não por acaso, três quartos da população se declara satisfeita com o trabalho do presidente. Os dois candidato à sucessão, segundo o autor, o “conservador da oposição” José Serra e a “ex-guerrilheira” Dilma Rousseff prometem não mexer nessa questão.  
Ainda assim, os 10% mais ricos detém 75,4% da renda social. Em outras palavras, a situação econômica atual do pais faz dos ricos, pessoas ainda mais ricas.  Talvez por isso, há aqueles com tendências mais de esquerda e menos neo-liberais que acusam o governo de sacrificar a população em nome da segurança econômica, com um belo colchão financeiro. Como política é complicado! No quesito educação, motivo de piada. Em um ranking da organização Pisa-Studie (Programme for International Student Assessment), o Brasil está no 54° lugar em matemática. Detalhe, entraram na pesquisa somente 57 nações. Por fim, o repórter alerta para a necessidade de uma reforma urgente em Brasília - uma elite política que há muito tempo perdeu o contato com a população. Cerca de 147 deputados federais e 21 senadores já foram investigados por corrupção, ou seja, quase um quarto de toda delegação.
Enfim, após as eleições, as matérias publicadas por aqui seguem essa linha. Brasil como futura potência, uma lista de acertos no governo anterior e pontos a serem melhorados (como desenvolver a indústria nacional e não pensar só em exportação de matéria prima, por exemplo). Mas não faz sentido traduzir toda a repercussão na mídia internacional, só é realmente intrigante como o discurso externo e interno sobre as eleições é destoante. Não importa qual foi a escolha pessoal de cada um, mas é de bom tom acalmar os ânimos, deixar a avalanche de lamentações e controlar adjetivos pejorativos e desenfreados. Satisfeitos ou insatisfeitos, não se pode negar que houve eleições e a decisão foi democrática. Blasfemar e rosnar contra o desejo da maioria é comportamento de criança mimada. 

Um comentário:

joão disse...

Rê, ótimo vc tocar no assunto!
Sinceramente confesso que perdi a vontade de falar sobre ele de tanto explica-lo e discuti-lo com pessoal da AA!...hehe.
Como o Brasil está muito pop, meu Deus! Vou ter outra trupe de turistas no Brasil em alguns anos. Se a carreira não estiver boa, viro guia! hehe
Mas só uma coisa, falta (e aí em ambas as partes) um projeto para a potência que o mundo imagina que o Brasil será daqui a pouco tempo...