Esta é Czeslawa
Kwoka! Eu gostaria de contar sua história, mas não sei absolutamente nada sobre ela. O único fato conhecido é que chegou em Auschwitz em 13 de dezembro de
1942 e por lá perdeu a vida em 12 de março de 1943. Somente três meses! Uma garotinha polonesa de
14 anos, com uma faixa xadrez em torno do cabelo. Qual era sua comida favorita,
o que ela gostava de ler e como se distraía nas longas noites de inverno? Será
que alguém hoje, em algum lugar do mundo, ainda é capaz de responder tais
perguntas? O que sobrou desta criança além de uma foto em um memorial? Visitar
Auschwitz é sempre uma experiência estranha e não é bem pelos 110 mil sapatos
de prisioneiros ou pelos restos de cabelos cortados das vítimas, mas sim porque
lá as pessoas têm rostos. Mais interessante do que a sensação de cruzar o
portão de Birkenau e ver os longos trilhos do trem, mostrado por Spielberg na
lista de Schindler, é encontrar as imagens das pessoas que (sobre)viveram e morreram
ali. Ainda me pergunto se Czeslawa vive na memória de alguém ou se todos que
poderiam contar alguma coisa sobre seu jeito, personalidade ou gostos também
foram exterminados. Que tipo de mulher ela teria se tornado se tivesse
sobrevivido? Apesar de trágico, Auschwitz se tornou um local “turístico”, mesmo
que a entrada seja somente acompanhada por um guia em uma visita guiada de 4
horas, nas opções mais enxutas. Há lojas de souvenires, mesmo que só com
livros, pequenas coisas para comer ou beber. Por isso, acho importante encontrar rostos, afinal não se trata de 6 milhões de exterminados, mas também
da Czeslawa e de seus olhos pretos desolados.
Para algumas imagens do memorial:
http://pekuliaridades.blogspot.de/2013/07/horrores-de-auschwitz-birkenau.html
http://pekuliaridades.blogspot.de/2013/07/horrores-de-auschwitz-birkenau.html
Desta sua colega (aí em cima) eu sequer sei o
nome. Só recordo de seus olhos úmidos e chorosos. Alguns adultos ou mesmo idosos ainda mantinham um
olhar firme, um fio quase extinto de dignidade, mesmo que emoldurada. Cabeças raspadas, levemente
erguidas, pupilas fitando a câmera como se de algum modo essas pessoas soubessem que ficariam o resto da vida presas naqueles retratos, olhando o que
aconteceria ao mundo que fez aquilo com elas. Já outros pareciam mais fracos e
tomados pelo cansaço. Embaixo de cada retrato está a data de chegada no campo e
da respectiva morte. Tentei evitar um pouco daqueles olhares, todos pendurados
naquele corredor, talvez por vergonha do mundo, mas analisava todas as datas. Quando
achava eventualmente alguém que resistira por um ano ou um pouco mais, superava
o receio e encarava longamente sua imagem. Seria esta pessoa mais forte que as
outras, mais resistentes à injustiças? O que ela teria feito para agüentar
assim tanto tempo? É possível "comemorar" alguns meses a mais de vida
naquelas condições? Sem perceber exclamei, “poxa, que azar!, este aqui faleceu
dias antes da libertação”. Envergonhei-me. Talvez aquele prisioneiro nem quisesse ter
sobrevivido, já estivesse apático a tudo, mas há sempre aquela sensação de “morrer
afogado na beira da praia”. Será que algum daqueles rostos eram donos de uma
das 3.800 malas, muitas marcadas com o nome do “viajante”, dos 12 mil
utensílios de cozinha, óculos ou próteses dentárias? Se pudessem escolher, será
que elas gostariam de passar a eternidade ali, nos corredores do mesmo local
onde perderam a vida, olhando para as curiosas gerações futuras?
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