terça-feira, 9 de julho de 2019

Impulsos e reações precipitadas


Comecei a ler “A Caixa Preta” (de Amós OZ) numa noite de quarta-feira. Já estava com sono, mas não conseguia parar. A troca de cartas entre as personagens é instigante. Até que começaram a aparecer erros grotescos de português. Uma pessoa centrada e tranquila teria respirado fundo, levantado uma das sobrancelhas e seguido para os próximos capítulos. Super ponderada (ironia), praticamente pedi o divórcio para a “Companhia das Letras”. Sem lembrar que o Chico Bento fizera parte da minha infância, procurei mil teorias para justificar aquelas esquisitices ortográficas. O romance se baseia em troca de cartas, assim o estilo de escrita de cada personagem faz parte dessa construção (óbvio). Mas a culpa não é da minha desatenção e sonolência. A editora que edita mal seus e-books, não sabiam? Sabe quando você está convicta que seu marido está tendo um caso com alguma professora de história da arte, de olhos verdes e sotaque francês, mas na verdade ele só está preparando uma festa surpresa para o seu aniversário?

Nessa fase de desconfiança com a Companhia das Letras, devolvi o livro no Kindle da Amazon Brasil e pedi reembolso por falta de qualidade (Juro! Atirem o primeiro dicionário). Senti-me traída. A melhor editora do país, primeira tradução de Dostoievski direto do russo, tudo que os caras publicam dá vontade de ler. Depois de uma noite curta, mas bem dormida, pedi novamente o arquivo (quem compra, cancela e compra de novo em menos de oito horas?). O texto volta a ser impecável (claro) nas palavras dos outros protagonistas. Foi como ouvir um “surpresa” dos seus amigos reunidos, momento em que todos os esquivos e segredinhos do seu parceiro – supostamente bonvivant – passam a fazer sentido. Refiz as pazes com a editora e ri da minha descompostura. Em seguida, passei a relembrar de todas as minhas distrações e imbróglios no mundo do amor e das artes. 

Anos atrás, começaram a reformar um espaço em Weimar. Passaram-se semanas até o salão se converter em um autêntico restaurante chinês. Lá fui eu feliz da vida, entrei, perguntei se aceitavam cartão, fui sacar dinheiro e voltei. Pra descobrir que se tratava de uma instalação artística dos alunos da Bauhaus. Gênios. Não tinha comida, mas fiz parte da obra de arte por uns 40 minutos tomando aquele vinho docinho (e ruim) e comendo uns petisquinhos. A história completa dessa desatenção frente ao simulacro virou post à época (por isso nem vou me estender aqui nos detalhes). Mas essa história nem é tão bizarra, afinal era a proposta da exposição burlar os sentidos.
Vergonhoso mesmo foi eu entrar num carro de um desconhecido, ajeitar minha bolsa no console do veículo, chamar o cara carinhosamente de “mais burro”, e ir em direção a sua boca para beijá-lo. Ao notar que a pessoa na direção não era exatamente quem eu esperava, saí gritando. Afinal a culpa era daquele pobre rapaz ali, não? Como o sujeito resolve parar o carro praticamente na minha porta bem na hora que eu tinha marcado de ir jantar com alguém? Minha mãe abre a janela do sobrado assustadíssima pensando que era assalto por causo do meu escândalo. A vizinha (o motivo do cara estar ali) sai toda arrumada e vê seu “date” com uma outra mulher. Em questão de minutos, com o circo todo montado, chega meu namorado, sem entender patavinas do que se passava. Todos me olhavam incrédulos e perguntavam, “mas você não viu que era outro modelo de carro”? Carro, preto, tudo igual! Quem notaria a diferença? Não sei até hoje o porquê o Zé da direção não me perguntou na lata – “quem é você” – quando abri a porta. Gajo tão distraído quanto eu! Por pouco não é atacado com um beijo. 

Tudo para dizer que as coisas nem sempre são o que parecem. Um dia eu aprendo. Anos antes do incidente do veículo preto, abracei o sujeito errado numa festa da escola. A mula (a culpa foi dele, sacaram?) usava a mesma (frisando mais uma vez, a mesma) camiseta que meu namorado. Então esta foi a cena na minha perspectiva – meu suposto namorado de costas para mim, conversando com um de seus melhores amigos. Abracei-o, coloquei o queixo em seu ombro e comecei a escutar o bate-papo que congelou. O melhor amigo ficou branco feito palmito e balbuciou: “você sabe que ele não é o Macedo, né?”. Assumo minha parcela de culpa na história, de ter a cabeça sempre na lua, matutando alguma história mirabolante. Mas o rapazola não estava com ninguém naquela festa e poderia ter dado um pulo assustado ao sentir os braços de uma desconhecida. Pior que nem era algum crush ou alguém interessante a ponto de fazer a experiência menos estranha. 

De volta a Caixa Preta, não se deixem influenciar pela minha precipitação. O livro é ótimo, viciante, ambientado no cenário político de Israel. Recheado com desejos obscuros entre um antigo casal e esse bendito Boaz B que deixa a leitura (PROPOSITALMENTE) incômoda com os erros gritantes de gramática e ortografia. Não reajam de modo tão passional. Talvez eu deva abrir a minha “caixa preta” pra averiguar tanta impulsividade! 



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