terça-feira, 24 de abril de 2018

Maratona de Londres: esquisitices e motivações

Sempre tive curiosidade em saber o que incentiva as pessoas a correrem 40km em pleno domingão. Água, bananas e Haribo? Se fosse prosecco eu até pensava. Flerto com coisas estranhas por um bom tempo, estudo-as como se fossem uma presa, até acabar me acostumando e me convencendo com a ideia. Foi assim nos tempos de Alemanha. Quem em sã consciência faz férias de bicicleta e sai pedalando 90km com a mala acoplada na magricela? Eu! Mas só depois de cinco anos gritando aos quatro cantos do planeta como os alemães tinham costumes estranhos. O resultado da presepada, com bicicleta quebrada e câimbras noturnas já relatei aqui. Mesmo com alguns contratempos, recuei e assumi – esses alemães sabem mesmo curtir a vida. Por isso que gosto tanto de metamorfose ambulante. 

De volta a maratona de Londres desse domingo. Vi gente virando papa-léguas por diversas causas – pela mãe, em memória de um amigo, pelo meio-ambiente, pelas árvores, para arrecadar verbas de campanha contra o câncer, pelos rinocerontes (é sério, não é piada para quebrar o texto). Achei bonito. Se um sujeito se instiga a correr 40 KM pela causa dos rinocerontes, imagina o que ele não faria por seus desejos mais pessoais. Só tem maluco nesse mundo. Admiro. Um casal correu junto com os pés ligados por um cordão. Imagina a sintonia para não errar os passos e cair igual abóbora! Ainda não sei se era algo romântico ou algum tipo de punição. Cada um na sua. 

Fiquei ainda mais tocada quando um garoto com duas pernas mecânicas cruzou num pique só junto com o grupo de elite. E averiguando as motivações, quase cai pra trás quando vi cegos correndo com maratonistas-guias. Imagina se meu trabalho fosse correr uma maratona profissional para acompanhar alguém com dificuldades visuais? O que te estimula é o encorajamento alheio. 
Da calçada, via essa Londres cheia de contrastes. Grupos correndo sabe-se lá por qual causa, saudáveis, tomando água e comendo aquelas geleias proteicas. A galera dando apoio como pode – pandeiro, DJ, bateria, cerveja, vinho branco, pegação, gritos de vai Zezinho. E eu ali pensando de qual lado queria estar. Não que eu tenha lá muito opção. Geralmente fico sem ar com uma volta no quarteirão. Mas comecei a flertar com a ideia. Cogitei correr uma maratona no aniversário da morte de dez anos do meu pai. Alguém comentou com um olhar duvidoso – “você sabe que precisa começar a treinar agora, né”? Detalhe: faltam quatro anos. 

Que nada. “Ainda vou acordar um dia, por o tênis e correr por aí, pegando balinhas da plateia”. Essa convicção se foi quando vi uma garota com o rosto pálido, branca feito parede se aproximando da calçada, tentando ajoelhar-se e colocando as mãos em direção a guia. Ela parecia estar em um mundo paralelo, meio em câmera lenta, sem ouvir o burburinho de corredores a sua volta. Foi levada para a ambulância mais próxima. Acredito que tenha ficado bem. Não correu até o fim, mas terá uma história pra contar. No dia seguinte, ouvindo a BBC durante o almoço, descobri que um maratonista morreu de exaustão. Não me pergunte como isso é possível. Foi correr atrás do anjo da guarda preguiçoso que prestava serviços pra ele. 

Possível ou não, mudei de ideia. Já substitui a maratona por uma caminhada em Santiago de Compostela, uma viagem pela Transiberiana, um trekking pelas destilarias de whisky da ilha de Skye. Posso até escrever mais um livro, mas maratona, acho que ainda estou fora. 

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