Não posso negar. Sempre que o
inverno chega, e com ele os primeiros flocos de neve, fico encantada. Coisa
rápida, questão de dois dias. Tudo porque a beleza dura pouco e logo é
substituída por aquele lamaçal e pelo branco monótono da paisagem. Não sei como
esquimó consegue enxergar tantos tons para a mesmíssima cor! Sem contar os
problemas que a bendita branquicela nos causa. Há quatro anos, estava prestes a
encarar meu primeiro inverno. Levantava às 6h da manha e às 7h já estava com os
pés para fora de casa em uma escuridão de filme de terror.
Na primeira manhã em que a cidade
acordou branca, fiz a minha primeira guerra de neve. Cheguei atrasada na aula
(coisa de 3 minutos), levei uma bronca (sim, o fato ocorreu na Alemanha) e eu
aprendi: excesso de neve não significa feriado nacional. Por aqui, as pessoas
são liberadas quando a temperatura no verão passa dos 30 graus. Só! E quando
faz -20, neve pra cachorro e não tem mais calçada, as coisas continuam
normalmente. Tudo bem. Sem mágoas. Nossa primeira excursão da temporada foi
para uma estação de esqui em Oberwiesenthal (quase na fronteira com a República
Tcheca). Como uma brasileira tinha quebrado a perna no ano anterior e colocado
alguns pinos, a escola de alemão boicotou os esquis e deixou à disposição
somente umas bacias para descermos a montanha. No fundo eram os Schlitten, uma espécie de trenó. Assim
ninguém se machucaria. Mas claro que um brasileiro tropical sempre arrumará um
jeito de se estropiar, né? Meu querido esposo deixou a luva cair do lado de
fora da pista principal da montanha. Ao tentar buscá-la afundou até a cintura e
descobriu que derrubou a luva em um penhasco cheio de neve. Fui ajudá-lo,
atravessei a pista correndo e fui literalmente atropelada por um trenó com um
alemão maior que um mamute em cima. Nada se quebrou, mas a batida rendeu um
domingo de hospital, radiografias e luxação.
Primeiro inverno também significa
primeiro boneco de neve. Fizemos um quase que do nosso tamanho, da mesma forma
como crianças constroem castelos de areia na praia. Não preciso lembrar que
ficou meio disforme. Só chamou atenção da vizinhança porque o decoramos com
biquínis. Foi só no segundo vestibular para pingüins que descobrimos como girar
as placas de neve como um tapete e formar bolas enormes bem rapidinho. Aprendemos
a proeza em Viena. Estávamos sofrendo para levantar mais uma obra de arte em
frente ao Hofburg, quando um grupo ao nosso lado fez um super ultra boneco de
neve. Vergonhoso. Eles queriam mesmo mostrar como éramos gauche! Um dos nossos
exclamou: “puxa, pergunta para aquela Japa da Coreia como eles fizeram!”. A
Japa da Coreia era uma brasileira que riu da bobagem dita em voz alta e como
boa compatriota ensinou os marmitões aqui a rolar o tapete de gelo.
Rá! Agora não tinha pra ninguém. Terceiro
inverno em Berlim. Descemos para fazer o pirulão de neve no jardim do
apartamento, mas eis que nossa técnica não funcionou. A gente rolava, rolava,
se sujava e nada da bendita neve grudar na bola. Recorremos a tática castelo de
areia e comemoramos o Natal com uma amigo alemão que ouviu todas as
reclamações. E nós ficamos com as explicações. “Afinal, quem faz boneco com
essa neve aí?”. Pra mim, neve é neve, sem discussão. Todos de acordo? Que nada.
Segundo nosso camarada nativo, aquela não tinha a textura ideal. “Tem ano que é
assim mesmo e a gente tem de se conformar”. No inverno em questão, a neve não
estava mesmo do nosso lado. Ela deve ter alguma coisa contra nós brasileiros.
Alugamos um carro para levar a mudança de Berlim para Potsdam. E conseguimos
atolar o veículo a um quarteirão da Herz, faltando pouquíssimo para devolver. Veio
um funcionário da empresa, o cabeleireiro onde eu havia pedido uma pá
emprestada, cavamos até não sobrar uma raspa de gelo nas rodas e nada da
geringonça se mexer. Esse perrengue foi descrito em detalhes em outro post: http://pekuliaridades.blogspot.de/2010/12/vida-dura.html
E quando a neve não vem até a gente,
nós vamos até ela. Minha prima de 10 anos queria muito conhecer os pernilongos
brancos. Viajou para cá em dezembro e nada de cair nem um floquinho. Fomos
assim para Oberhof e aprendemos a fazer a primeira trilha na montanha. Dois
quilômetros morro acima e nada de chegar. A pequena moça deixa escorrer
lágrimas pelo rosto em protesto. Não tem mais volta. Pra baixo, branco. Pra
cima, branco. Voltamos para o mesmo local este ano. Agora com os avós de 75
anos. Ok, subimos de ônibus, nada de trilhas. Já ousada, aluguei um esqui (os
Langläufer), mas só os de caminhada. Aqueles que todo senhor usa para fazer passeios
pelas montanhas. Aí começou a epopeia. Precisei de uns 20 minutos para
conseguir acoplar meus pés dentro
das botas nos esquis. Depois andava a passos de tartaruga e não conseguia
voltar. Virar o corpo significava cruzar os esquis e cair como abóbora. Ao ver
um pequeno morrinho, desisti. Um me segurava de um lado, outro ria, outro
tentava sair da frente. Até que um primo observa: “olha o garotinho”. Do meu
lado, uma criança de 3 ou 4 anos em suas roupas de inverno olhava com um ar
espantado. Sobrancelhas levantadas, bochechas vermelhas e um tom interrogador
do tipo “o que essa marmanja está fazendo aí gritando e escorregando”. Sabe
aquele olhar de criança que descobre algo novo, uma situação que ela até então
nunca tinha presenciado?
Tenho medo do garoto nunca aderir
aos esportes de inverno sempre que lembrar da minha cara apavorada! Foi então
que decidimos fazer aulas de ski na próxima semana para nunca mais deixar um naniquinho
do gelo nos observar com esse tom inquisidor. Se funcionará, conto daqui uns
dias.
Obs.: A minha avó no trenó, agarrada em mim,
montanha abaixo às gargalhadas também deve ter causado certo espanto!
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