sexta-feira, 15 de março de 2019

"Um Dia do Nosso Para Sempre"

“Tiraste-me a virgindade da alma. E aos poucos vai retirando a inocência do meu corpo”. Essa frase é de uma escritora portuguesa extremamente jovem, que conheci por acaso em um curso de jornalismo na universidade de Derby, no Reino Unido. Foi a coordenadora do programa que me mostrou seu livro – “Um Dia do Nosso Para Sempre” – editado pela Cultura e já com 30 mil exemplares vendidos. Maria Cunha e Silva passou a publicar textos, poesias e muito do que escrevia no Instagram, aos 16 anos. Logo angariou mais de 30 mil seguidores e com a admiração desse público jovem e fiel bateu nas portas da editora para realizar seu sonho!  

Confesso que fiquei intrigada sobre a perspectiva amorosa de alguém que mal completou vinte anos. Relembrei do triângulo amoroso e do imbróglio sexual entre Anais Nin com Henry Miller e sua esposa June, contados provocantemente nos seus diários de 1931-1932, na versão não censurada, claro! Apesar da perspectiva um pouco mais inocente (até classificaria como um livro infanto-juvenil), a beleza da narrativa da Maria está na expressividade das descobertas de suas personagens em meio às primeiras paixões e à perda da ingenuidade. Ela compartilha com Anais a intensidade dos relatos, sem perder a elegância mesmo durante cenas extremamente eróticas. 

“O meu corpo que sentia seu toque e humedecia os teus dedos”
(...)
“A tua mão que se colocou perto da minha cara.
- Prova-te – disseste.
A minha cara de espanto.
Os teus olhos verdes que brilhavam
A minha boca que se abriu para a entrada dos teus dedos”
(...)
A tua cara de agrado
- Satisfeito?

Imediatismo e intensidade marcam seu estilo de escrita como num trailer de filme, com a mesma velocidade que as paixões da juventude surgem e evaporam. De novo. O valor da sua história está na força e na verossimilhança das suas dores. Mesmo o leitor mais pragmático e menos inocente se reconhecerá em seus relatos, mesmo que num passado distante. Quando a personagem exclama – “irei sempre amar-te” – e damos um leve sorriso ao pensar “vai nada”, isso não significa que aquela agonia não seja legítima. Que o sentimento narrado não é verdadeiro.

“A minha fúria que não dissipava.
Como podes ser a pessoas que mais desprezo e a que mais amo?
Odeio-te pelo que fazes, mas amo-te pelo que és”
 (...)
O livro é estruturado nas diversas fases de um relacionamento, o tormento de uma paixão incerta, a paz encontrada no amor correspondido, até a agonia final da ausência. É um relato corajoso, com um viés extremamente feminino e juvenil. Mesmo para quem já está familiarizado com as descobertas da protagonista, o livro retoma a perspectiva de quem experimenta algo pela primeira vez. Seja uma aula na faculdade, um orgasmo, uma festa universitária, um pé na bunda, um porre, uma entrevista. Os que continuaram ao longo da vida buscando o desconhecido, construirão facilmente uma certa cumplicidade com a narrativa. Porque no fim das contas, o mesmo pavor, medo e prazer que a personagem enfrentou ao jogar seu vestido no chão, é o mesmo de quem – pela primeira vez – apresentou um trabalho em mandarim na China. Não é preciso se reconhecer exatamente nas experiências da protagonista, mas sim identificar os sentimentos (semelhantes) que elas suscitam. 

Ps.: quando estiver brava com alguém, não vou desejar nenhuma disenteria, dor de dente, escorregão na casca de banana, uma chuvarada tropical na cabeça ou trânsito de véspera de feriado. Minha praga será uma dessas paixões bem mal resolvidas, com a mesma intensidade reproduzida pela autora!

Ps.2. Alguma editora no Brasil poderia considerar a publicação dos seus textos. 





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