Depois de ler um livro publicado por uma aluna esta semana (que pretendo comentar num próximo post), fiquei com o tema “primeiras-vezes” ressoando na cabeça. No caso do livro, um inocente primeiro-amor. Coragem, exposição, arte, desejo feminino. Toda essa temática veio a calhar muito bem quando pela “primeira vez” cruzei Londres inteira só para ver genitálias. Quer dizer, pinturas de genitálias. Explico.
Há 50 anos, a artista Betty Tompkins começou a pintar umas obscenidades gigantes batizadas de Fuck Paintings. Mal interpretada, suas obras foram rechaçadas e ignoradas por três décadas, até serem descobertas por milenials. A moça (hoje uma senhora de 74 anos) se inspirou na coleção de pornografia do primeiro marido, pôs a mão na massa e nunca desistiu da temática, apesar da longa e duradoura rejeição. Antes mesmo de ver os quadros já passei a admirá-la. Continuou com sua obsessão, paixão por anos a fio sem dar um cazzo à opinião pública da época. A figura da mulher nesse caso me intriga mais que o trabalho.
Em 2002, ela conseguiu uma exibição solo em Nova York. Depois, participou da Bienal de Lyon, momento que um dos seus quadros foi adquirido pelo Centro de Pompidou em Paris. Ironias da vida, as mesmas obras que escandalizaram anos antes a polícia francesa! Cenas de sexo explícito, genitálias masculinas e femininas são pintadas de modo tão real que chegam a parecer fotografia. Mas seu estilo flerta com a arte abstrata. Ao se aproximar dos quadros, as imagens se dissolvem e só se enxerga manchas borradas de spray.
Ao se apropriar da pornografia com um viés feminino, o trabalho de Betty ganha cada vez mais importância na arte contemporânea. Frases bizarras e crueldades ditas à mulheres passaram a ser impressas sobre as pinturas de órgãos sexuais. Observações estranhas como “quem irá te amar com essa aparência” ou “a sua inteligência atrapalha a sua habilidade de ser íntima de alguém”.
Agora, pela primeira vez, a artista ganha uma exibição solo em Londres em uma pequena galeria em Archways, a Hammond Project, dentro da Bomb Factory Art Foundation. O curador nos conta sua conversa com a pintora que explicou porque nunca havia exposto até então nada na capital britânica. O público nem sempre reage bem, às vezes não dá para expor uma vulva gigante em museus frequentados por crianças, os jornais ficam receosos em como abordar a pauta. Em Londres, por exemplo, o Guardian escreveu sobre a exposição, a Time Out indicou, mas pediram uma imagem de divulgação em que alguém estivesse parado em frente à obra. Táticas para lidar com o puritanismo alheio. Enquanto ela continua lá em seu estúdio no SoHo em NY, cagando e andando para o que os outros pensam! Mesmo quando a chamam de “that cool old lady”.
Ps.: quase pensei em escrever à artista para sugerir que pinte uma tela de um “golden shower” em homenagem ao nosso senhor presidente.
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