quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Tempos estranhos


Acabei de botar um ponto final no Fazit (na conclusão) da minha dissertação. Três anos depois dessa foto aí de cima, em uma outra cidade, 533 páginas depois e muita água corrida embaixo da ponte. Foi o ponto final mais estranho dos últimos meses, cheio de alívio e dúvidas. Ainda terá muita dor de cabeça pela frente, correção gramatical, primeira avaliação, alterações e remodelações de capítulos e mais uma maratona de estudos até a prova oral. Ainda assim, foi um marco importante. Uma das loucuras mais sãs dos últimos anos. Foram tempos conturbados, uma avalanche emocional, fim de tese, a elaboração de um plano de seminário para o verão, as bizarras eleições no Brasil. Ao tentar sair por instantes da bolha acadêmica, para aliviar a pressão da pesquisa, dava de cara com a histeria conservadora tomando conta do mundo. E enfiava a cara nos artigos novamente. 

Apaguei o ponto final. Quis reler de novo a conclusão. Chutei pro alto, coloquei de novo esse ponto final. Deitei no carpete olhando fixamente para o teto e pensei o que poderia fazer. Matar uma garrafa de whisky, escrever pra corretora, sair correndo por Londres. Mas só passei um café para evitar a fadiga. Deveria rascunhar meu projeto de pós doutorado. O papel da mídia na ascensão da extrema-direita conservadora. Mas, no momento, não tenho nem estômago, nem emocional. Acho que vou lá apagar o ponto final. 

Nunca soube ao certo porque as pessoas têm filhos (altruísmo desmesurado, vaidade genética, carência, acidente, nada melhor para fazer, por questões filosóficas, medo de solidão na velhice, loucura mesmo). Só sei que se tivesse um seria para poder vê-lo crescer livre para ser o que bem entendesse na vida – gay, hetero, ateu, macumbeiro, budista, adepto ao islã, esquerdopata, neoliberal, transexual, humanoide, exatóide, artista, músico, gerente de banco. Desde que fosse feliz e soubesse respeitar as diferenças. Talvez as crianças possam criar uma comunidade na lua e debandarem para lá. E nos deixar aqui tentando entender os movimentos de massa, o fenômeno WhattsApp, o papel das mídias sociais e o analfabetismo funcional -político. Li tanta bobagem que até pensei em criar uma lista das coisas mais estapafúrdias que me saltaram aos olhos. Mas não estou conseguindo achar graça.

Talvez eu recupere o fôlego e ainda apareça com um projeto bem legal de pesquisa, uma motivação surreal para entender esse mundão de Deus alucinado. Mas, por enquanto, não tiro a frase final do Memórias Póstumas de Brás Cubas da cabeça: “Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Aquele autor negro atrevidinho, sabe? Que pode ser banido das aulas de literatura da escola sem partido, ou melhor do partido da bíblia e dos bons costumes. Oxalá! 

Nenhum comentário: