Ao longo dos anos já me mudei algumas (várias) vezes. Morei por mais de dois anos em três países, passei por nove cidades e pelo menos dez casas. Não me considero extremamente apegada às coisas. Não muito pelo menos. A vida é meio imprevisível, já aprendi e parei de tentar controlá-la ao extremo. Tento planejar, programar, só pra ter a graça de tudo sair diferente do projeto inicial e eu poder exclamar: mas que cazzo!
Da última vez que estive no controle (ou pensava estar) tinha acabado de voltar de Dublin e recomeçado o último ano da faculdade. Faz tempo! Muito tempo. Trabalhava até às 15h em um jornal relativamente pequeno focado em finanças. O plano era ter um ano tranquilo, em que tivesse livre das 15h às 19h todos os dias para escrever minha monografia de conclusão de curso, antes de seguir para as aulas do período noturno.
Mas, depois de três meses consegui um estágio em uma grande redação em São Paulo. Passei a faculdade para o período da manhã, chegava na revista por volta das 14h e seguia até minhas pequenas pautinhas estarem prontas. Foram meses intensos, pautas, aulas, reportagens, entrevistas, monografia, formatura, trânsito, provas, terapia, trabalhos, almoços dentro do carro, cafés e poucas horas de sono... Terminei o ano afastada de licença médica com tuberculose. Acontece, coisas da vida. Da vida paulistana, cheia de compromissos. Nada a ver com a esbórnia boêmia dos poetas românticos.
Dois anos depois disso, resolvi de novo equilibrar vários pratos ao mesmo tempo – trabalho numa agência de assessoria de comunicação, pós-graduação, aulas de alemão, organização de uma festa de casamento e uma mudança internacional. Deixei tudo para trás, com duas malas de 32 quilos. Simples assim. Um ano se transformou em dez. Porque os planos iniciais insistem em transgredir. Normal, coisas da vida. Até aqui, praticamente um post inteiro imitando texto de autoajuda barato para concluir que dez anos depois entrei na mesma cilada.
Há três meses antes da entrega da primeira versão da tese de doutorado estava tudo programadíssimo, aos moldes alemães. Meu calendário semanal tinha cada subsecção que seria escrita ao longo do período. Levantei verba para os últimos meses de projeto (viva o DAAD!), consegui encaixar uma possível saída para um frila, as férias em dezembro, enquanto os capítulos estariam na correção. A coisa estava fluindo tão bem que até me permiti passar quatro dias em Dijon para espairecer. Cruzar o Canal da Mancha com meus textos, encher a cara de vinho, rever um amigo, comer meu fondue favorito. Foi uma espécie de pequeno presente por me manter tão disciplinada. Uso as técnicas do Pavlov em mim mesma. Às vezes funciona. Depois de uma longa leitura ou páginas redigidas, me dou pedacinhos de chocolate, xícaras de expresso, uma bisbilhotadinha nas mídias sociais.
Então chega a fatídica mensagem do What’s app! Quatro semanas para deixarmos nosso apartamento porque o contrato não seria renovado! E daí? Oras, daria para abrir um livro aqui sobre as dificuldades de achar um teto para chamar de seu em Londres. Já fiz posts e posts choramingando sobre as imobiliárias esnobes, recheadas de engravatados com cabeças meladas de gel. Ou corretoras loirinhas de terninhos pretos e unhas compridas pintadas à francesinha! Dá até frio na espinha. Acho que foi a resposta de uma cidade enciumada com meus flertes com a França. Uma resposta despeitada dois dias depois de fechar minhas passagens. Londres continua assim intensa, caótica, desorganizada, seletiva, esnobe, fragmentada e insiste em me tirar o sono. Esse é o jogo. Imagino a rainha Elizabeth vestida de Capitão Nascimento gritando “pede pra sair 02”. E o diabo da tasmânia invade meus pensamentos:
Como vamos arrumar uma casa em quatro semanas? Porque eu decidi ir pra França logo agora? Como vou organizar uma mudança e manter o ritmo dos meus capítulos? E se a tese atrasar? Quantas alterações de endereço ainda virão pela frente – Santander UK, Deusche Bank, consulado italiano, universidade, médico familiar? Tudo de novo, here we go! Respiramos fundo, pesquisamos madrugada adentro as opções do mercado, adormecemos às 3h no sofá, acordamos cedo e entramos na imobiliária fazendo todo tipo de oxalá. Achamos um lugar potencialmente interessante. Legal até. Mas Londres é Londres. Pagaremos uma boa quantia a mais por um espaço relativamente menor. Porque a moça te beija, mas em seguida te vira um tapa. E assim, chegarei ao meu segundo post sobre todas as coisas inúteis que tenho em casa, mas de extremo valor sentimental. E que estou com dificuldades de abrir mão.
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