Polônia – Passado e presente em simbiose
O país esbanja magníficas construções, muitas opções culturais e toda a vitalidade e efervescência de uma nação que se transforma e se redescobre
Por Regina Cazzamatta
Texto publicado originalmente na Revista Viaje Mais! (Agosto 2015)
A terra do compositor Chopin, hoje plenamente democrática e dona de uma das economias mais saudáveis e que mais crescem no bloco da União Europeia, olha pelo retrovisor os complicados tempos da Segunda Guerra Mundial. E quer que os visitantes também a veja assim, vivendo de corpo e alma no promissor século 21. Para isso, se exibe com sua melhor roupagem em lugares como a frenética capital Varsóvia e a joia do país, a linda Cracóvia, tomadas por praças reconstruídas tais quais eram nos anos de 1.300, bares com mesas ao ar livre nas quais moradores e forasteiros animadamente batem papo nos dias quentes e baladas onde os modernos varam a noite. Mas é mesmo o majestoso passado polonês a marca mais evidente do país, expresso nas magníficas igrejas e catedrais e nos palácios que pairam sobre colinas, tudo parecendo ainda respirar ares medievais.
Cracóvia – Uma cidade saída dos contos de fada
Diferentemente do que ocorre em outras nações mais turísticas do Leste Europeu, como a República Checa e a Hungria, a cidade polonesa que mais atrai turistas não é a capital, Varsóvia. A grande pérola do país é Cracóvia, a 295 Km de distância. Atravessada pelo Rio Vístula, que serve de adorno a um ostentoso castelo, a urbe tem um cenário à la contos de fadas. E isso porque, ao contrário de Varsóvia, ela saiu quase ilesa da Segunda Guerra, já que os alemães voltaram toda atenção aos rebeldes na capital. Assim, a formosa Cracóvia é uma das poucas cidades da Polônia que mantêm totalmente a atmosfera e as construções originais de antes do conflito.
Entre elas estão o castelo de Wawel, as 140 igrejas, as sinagogas do bairro Kazimierz e as inúmeras edificações convertidas em museus. Sem contar a mina de sal Wieliczka, que remonta ao século 13 e a qual, revelando esculturas de sal deixadas pelos mineiros ao longo dos séculos e até uma catedral de 327 metros abaixo da terra, também pode ser visitada.
Mas nenhuma atração é tão emblemática quanto a Praça do Marcado (Rynek Glówny). Esse ponto nevrálgico de Cracóvia, de beleza fenomenal, está entre as mais lindas praças europeias. E nem é preciso estar in love para sentir o clima gostoso que paira por lá. Perambular pela praça, considerada a maior do Velho Continente, é um passeio super prazeroso. Repleto de cafés, restaurantes, carruagens, fontes, músicos, artistas e muitos turistas, o quarteirão é um cartão-postal de peso. No Mercado de Tecidos, uma edificação do século 16 disposta no meio da praça, são vendidas lembrancinhas tipicamente polonesas, como miniaturas de madeira, brincos de âmbar e jogos de xadrez ornamentados.
Outra caminhada bacana é nos subterrâneos da praça, que funcionam como uma espécie de museu. Ali, você verá escavações e vestígios da época em que Cracóvia era um importante centro comercial, sobretudo no século 16, e hologramas que reproduzem as rotas que partiam da cidade, assim como sapatos, roupas, moedas e utensílios dos mercadores. Dali debaixo nem parece que a praça é tão vibrante.
Também dá para sentir tal movimentação de camarote, isto é, do alto da Torre do Relógio que enfeita um dos cantos da praça. Ou do topo da torre da Basílica Mariana, outra construção imperdível no quarteirão e dona de um vistoso interior barroco azulado.
Testemunhas da História
A despeito da beleza e do movimento da Praça do Marcado, a grande atração de Cracóvia, pelo menos me termos de história, fica fora do centro antigo: é a charmosa e importante fortaleza de Wawel, guardiã da memória polonesa. O complexo inclui o Palácio real, cinco museus e a brilhante Catedral de Wawel, testemunha das coroações e dos funerais mais importantes — não à toa, abriga túmulos de reis e de santos, além de tapetes, vitrais e quadros do século 16. Da Torre dos Ladrões, parte do conjunto, tem-se um visual inesquecível ornamentado pelas cúpulas da catedral.
A tradição cultural local está preservada também no Collegium Maius, o mais antigo prédio universitário da nação, que ocupa uma estrutura gótica do século 15. Além de ver o espetacular pátio da universidade, você pode participar das visitas guiadas, que revelam relíquias como instrumentos e manuscritos do então estudante Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo polonês que mais tarde ficaria famoso por defender a teoria de que a Terra gira em torno do sol.
Nos rastros do passado
Cracóvia, contudo, não tem só esse lado reluzente. O bairro judaico Kazimierz, por exemplo, foi palco da perseguição aos judeus desde o século 15. Nessa época, tal comunidade foi expulsa de Cracóvia e se estabeleceu em Kazimierz, então uma cidade independente. Já durante o nazismo, a região tornou-se gueto (áreas cercadas onde, em condições sub-humanas, os judeus eram obrigados a morar), até ser devastada durante a Segunda Guerra.
Hoje, o bairro ainda mantém os resquícios do muro que cercava o gueto e algumas sinagogas, como a Sinagoga Velha, do século 15, mas superou o passado de discórdia e agora é reduto alternativo, cheio de cafés, bares, galerias de arte e restaurantes — considere o Ester, que serve boa comida judaica.
É por ali também que você deve fazer outro pit stop indispensável: a antiga fábrica de Oskar Schindler, industrial que teria salvo 1.2000 judeus do envio aos campos de concentração ao empregá-los em sua linha de produção. O lugar, imortalizado pelo filme A Lista de Schindler, é agora um interessante museu que mostra as atrocidades do nazismos em Cracóvia, recriando ambientes como o apartamento lotado de um gueto.
É impressionante, sim, mas nenhum ponto é tão chocante quanto os campos de extermínio, que podem ser vistos in loco. O mais famoso é Auschwitz-Birkenau, a 40 Km de Cracóvia. Perderam a vida ali 1,5 milhão de judeus, de 27 nacionalidades. Na entrada, a placa com os dizeres arbeit macht frei (o trabalho liberta) impera sombriamente sobre o portão. Em exposição estão montanhas de cabelos, sapatos, roupas e malas ainda com os nomes das vítimas.
Você ficará com um nó na garganta, é fato, por isso pode ser uma boa combinar o tour por Auschwitz com uma atração mais amena, como a mina de sal de Wieliczka, a 14 Km de Cracóvia. Hoje desativado (ela funcionou por cerca de 800 anos, até 1997), o local, a 64 metros de profundidade, apresenta salões corredores com esculturas de sal feitas pelos mineiros, que homenageiam santos, reis e até gnomo — e oferece um ar puríssimo para você espairecer. Tanto é que uma área reservada da mina recebe pessoas com problemas respiratórios.
Varsóvia — Mix muito bacana entre cenário medieval, prédios modernos e cultura
A exemplo de qualquer grande metrópole, a inquieta capital Varsóvia, de 1,7 milhão de habitantes, é pontuada por shoppings e uma porção de museus e prédios modernos. Mas, como uma boa cidade europeia, a urbe não decepciona visitantes à “caça” de cenários à moda antiga, concentrados na Cidade Velha, a qual é recheada de castelos, igrejas e parques.
Lá, sobressai-se a Praça do castelo, reconstruída de forma tão perfeita depois da Segunda Guerra que ostenta jeito de cidade cenográfica. Tombada como Patrimônio da Unesco, é rodeada por casinhas de estilo medieval, hoje bem coloridas, que abrigam bares, restaurantes, galerias e lojas de suvenires. E é nesse quadrilátero que está o Belo castelo real. Nessa construção barroca do século 13, os cômodos mais impressionantes são a sala do trono e os apartamentos do rei (quartos onde viviam os principais membros da realeza). Tudo, no entanto, uma cópia exata da versão original explodida pelos alemães na guerra.
Ao passear pela cidade, você notará que praticamente todos os edifícios históricos exibem uma placa com fotos em preto e branco de como eram antigamente. As imagens dão uma ideia de quão primoroso foi o resultado da reconstrução, visto que praticamente toda a capital ficou em pedaços. Depois da Insurreição de Varsóvia em 1944 — luta armada contra os nazistas que durou 63 dias, até a rendição aos alemães—, Hitler ordenou que a bela cidade fosse reduzida ás cinzas. Literalmente. Ao fim do conflito, só 15% da capital estava de pé, e bem capenga. Cogitou-se até nomear outra cidade como capital. Mas ela se reergueu. E, hoje, crianças saltitam pela praça do centro velho em torno da estátua de uma sereia, turistas circulam pelas muralhas que cercavam a cidade medieval e artistas vendem pinturas e balões pelas ruas.
Esses fatos que hoje passam despercebidos a olho nu são bem compreendidos no Museu da Insurreição de Varsóvia, nos arredores do antigo gueto, que mostra, por meio de fotos, documentos e relatos, a completa dominação da cidade pelos nazistas. No primeiro andar, destaca-se um avião usado para jogar alimentos aos revoltosos, e no segundo piso, é a rotina espartana dos guetos que assusta. É como estar no filme O Pianista, de Polanski, sobrevivente do Holocausto. Esse tenso momento da história é lembrado em outros pontos, como o monumento que homenageia os bravos participante da Insurreição de Varsóvia e o Museu dos Judeus Poloneses aberto em 2013 e que se exibe com uma arquitetura superarrojada.
Varsóvia Despojada
O lado mais cool da capital polonesa esta no bairro Praga, e para chegar a ele, basta cruzar uma ponte que sai do centro histórico. Por lá, as obras de reconstrução pós-comunismo ainda não deram as caras, o que confere ao pedaço um aspecto duro. Ainda assim, esse é “o” lugar para estar. Tomada pelos estudantes e artistas — e pelas baladas e barzinhos descolados e diferentes —, a região tem vida intensa. E, como o baixo preço dos aluguéis, é fácil também encontrar ateliês, mercados de pulgas e festas improvisadas.
Há quem compare o fervilhar do Praga com o antigo clima do Harlem, em Nova York. Pobre, mas sempre sexy. Em meio a essa efervescência e à vibe notívaga, contraditoriamente estão marcas da forte religiosidade católica polonesa. Oratórios com imagens kitsch e brilhantes de Nossa senhora são encontrados a cada quarteirão, e mesmo nos bares, caso do amalucado Absurdu. Se bem que, ali, um oratório provavelmente representa mais ironia do que religiosidade.
Ares Culturais
Enquanto a cena noturna é forte em Varsóvia, com um bocado de abres e baladas tocando as músicas do momento, na cidade onde nasceu o compositor Fréderic Chopin (1810-1849) é claro que a música clássica não poderia ficar fora do roteiro. Os restos mortais do músico estão na belíssima Igreja Santa Cruz, e a capital dedica todo um museu a ele. Além de uma mostra interativa, ideal para conhecer mais sobre a vida de Chopin, no espaço é possível escutar trechos de suas composições mais conhecidas.
Mais uma prova de que a música erudita permaneceu com força na cultura polonesa são os concertos gratuitos que ocorrem todos os domingos no agradável Parque Lazienki, em frente à estátua do compositor que é um símbolo nacional. Com um jardim esplendoroso, a área verde é intercalada por um museu de arte moderna e palacetes à beira d´àgua.
Outro quesito de que Varsóvia se orgulha são os feitos científicos de seus filhos mais ilustres. A pesquisadora Marie Curie (1867-1934), Nobel de Física e Química respectivamente pelos estudos da radioatividade e pela descoberta dos elementos polônio e rádio, nasceu na cidade, em uma casinha agora transformada, adivinhe?, em museu. Nicolau Copérnico, aquele astrônomo e matemático polonês que desenvolveu a teoria de que o Sol é o centro do sistema planetário que inclui a terra, também conta com um museu próprio: o Centro de Ciência Copérnico, que, diante do prédio, exibe uma estátua do estudioso junto a uma ilustração no piso, a qual mostra o modelo de sistema solar por ele imaginado, base para toda a astronomia moderna.
São mesmo muitas as referências culturais polonesas, e elas invadem uma porção de endereços de Varsóvia e Cracóvia. O país que emociona pelas lembranças da guerra também arranca suspiros de que se joga nos prazeres artísticos e musicais e nos cenários que parecem emanar dos contos de fadas.
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