segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Caminhada na Alemanha: o tal de Wanderung




"Se você quiser emplacar uma notícia sobre a Alemanha na primeira página do jornal – diz um repórter cinicamente – seria bom que a história tivesse um desses três itens: salsicha, cerveja ou nazismo”. Acabei de ler a frase do correspondente de um renomado jornal americano e vencedor do prêmio Pulitzer (pequeno detalhe) e pensei em como, inevitavelmente, nossos textos são carregados dos mais diversos estereótipos. Como gosto bastante de escrever sobre hábitos germânicos que julgo peculiar (dê uma espiadela na seção Deutsche Sache), pelo menos aos olhos de uma latina- americana, fiquei pensando em como descrever os costumes sem carregar o relato de clichês, embora eles sejam, muitas vezes, até engraçados.


Todo esse preâmbulo pra falar de um costume alemão, que, sim, será narrado por um paulistana sedentária. Uma coisa bastante popular por essas bandas é o chamado Wanderung! Trata-se de uma longa caminhada pela natureza, que pode ser belíssima conforme as estações do ano. Durante o outono é como perambular por um quadro impressionista, com folhas esvoaçantes vermelhas, laranjas e amarelas, destoando sob um céu bastante azulado. Por isso há sempre relatos das longas caminhadas feitas por Goethe em Etersberg ou do Einstein em companhia do coleguinha dinamarquês, o Bohr,  para se deixarem inspirar pelo ar fresco. A citação dos figurões germânicos é só para mostrar que o hábito da caminhada está enraizada há anos na cultura local. Eu nunca entendi bem o conceito até participar de uma efetivamente.



Fui convidada por uma amiga para percorrer uma trilha com mais três alemães. A ideia seria ir de trem até Bad Berka e depois fazer um caminho que passa por três torres e termina no castelo Belvedere, em Weimar. O que eu tinha em mente era dar uma passeada no topo da montanha, caminhar uns dois ou três quilômetros e sentar em algum bar ou café para comer alguma coisa e tomar um vinhozinho. Sim, podem começar a dar risada! Dizemos sempre em tom de piada que alemão não sabe brincar. Ou seja, se eles se dispõem a fazer alguma tarefa, o negócio sai bem feito, quase profissional. 

Reparem no mapa da foto aí acima. Percebi que a coisa estava séria e não tinha mais volta quando chegamos na torre Paulinenturm. Depois de uma subida de tirar o fôlego até mesmo de um vencedor de atletismo, meus colegas pararam em frente a uma placa com indicações da trilha e disseram: “Vamos, é por ali”. O por ali marcava pelo menos mais 15 quilômetros. Juro! Arrisquei perguntar se era sério, mas ninguém entendeu muito o questionamento. Desci do trem às 12h e quando o sol se pôs às 18h30 eu ainda estava de pé, caminhando, quase alcançando o castelo Belvedere. Não tinha quiçá banheiro ou cafés pelo caminho.
Os garotos tomaram cerveja ao longo da trajetória e de tempos em tempos desapareciam no mato para esvaziar a bexiga. Sentamos por 15 minutos para tirar umas fotos e beliscar uns pãezinhos. Desculpe de antemão pelo estereótipo, mas apareceu mesmo um saco de salsicha, daquelas fininhas semelhante às lombrigas! Eu dava tanta risada que precisei até fazer uma foto. Outra esquisitice pra mim foi ver a galera comer tomates frescos como se fossem maçãs. Assim, direto tudo na boca! Imagina só, aquela bola aquosa, cheia de sementes explodindo na língua! Seguimos depois conversando ao longo de 16 quilômetros. Foi algo diferente perambular pela natureza constantemente por seis horas. Achou o fim da picada?
Pode pirorar! Uma super amiga minha terminou o mestrado e resolveu comemorar o grande marco da vida com umas férias. Fechemos os olhos: fim da tese, férias, festejar e encher a lata até cair! Que nada! Ela planejou um tour de bicicleta. Pegou o trem numa segunda-feira e foi até o sul da Alemanha, precisamente até Füssen. De lá pedalou por três dias, com pausas para dormir (claro!) até Ulm. Coisa de 60 quilômetro por dia, bem tranquilo, sabe? De lá ainda seguiu pelo caminho do Iller até desaguar no Danúbio. Rá! Ainda está achando que estou exagerando?
Pois um conhecido da Universidade em Jena (vamos preservar identidades) caminhou com a esposa da Itália até Sarajevo. Alguns trechos tiveram de ser feitos de barco ou trem, mas a proposta foi seguir caminhando com o saco de dormir nas costas por três meses. E foi assim, dormindo em florestas ou atrás de igrejas, que gastaram ao longo dos 90 dias, em duas pessoas, tipo 5 mil euros! A esposa do sujeito acabou de lançar um livro contando a experiência. Sempre sonhei em fazer a Transiberiana, mas agora estou começando a cogitar em cruzá-la a pé!





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