sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Alemanha Central — Weimar nos passos de Goethe e Schiller

                                            Klassik Stiftung Weimar

Alemanha

(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Set. 2011)

A história da cultura do país passa pela Turíngia
Famosa pelas atrações ligadas à cultura, a região é farta de história e belas construções, exibindo ainda a floresta que é o “coração verde” do país

Dizer que a cidade alemã de Weimar foi onde Goethe, mestre da literatura do pais, escreveu Fausto, sua obra-prima, e que foi no Castelo Wartburg, em Eisenach, que Martinho Lutero, religioso que encabeçou a reforma protestante, traduziu do latim, pela primeira vez, o Novo Testamento, são motivos convincentes para que turistas que gostam de incluir cultura em suas viagens sigam para a... Turíngia. Pois é, apesar de ser um ilustre desconhecido para a maioria dos viajantes brasileiros, este Estado, na porção central da Alemanha, é pródigo de atrações turísticas. E não apenas relacionadas à cultura – de fato, seu ponto forte -, como demonstra, por exemplo, Weimar. Berço do Classicismo, movimento literário alemão, a cidade, localizada no bucólico vale do Rio Ilm, 270 km a noroeste de Frankfurt (onde fica o principal aeroporto da Alemanha), encanta com vários chamarizes tipicamente europeus. Entre eles estão as 14 construções tombadas pela Unesco, a exemplo dos castelos da Cidade, de Belvedere e Tiefurt, e o complexo formado pela Igreja da Cidade, Casa Herder e uma antiga escola. Ou os espaços que fazem parte da Klassik Stiftung Weimar, fundação que oferece ao público palácios, jardins e parques – fora os museus, claro-, capazes de encantar quem simplesmente pretende bater perna e contemplar uma cidade bonita. Weimar também é dona de uma boa quantidade de lojas, cafés, sem falar dos bares, que fazem a alegria dos 5.500 universitários que lá estudam. 

Gooethe, Schiller e cia.

                            Klassik Stiftung Weimar

A ascensão cultural de Weimar começou mesmo no século 18, quando, além de Goethe, chegaram à cidade nomes hoje consagrados da literatura alemã como Christoph Martin Wieland, Johann Gottfried Herder e Friedrich Schiller, que junto a Goethe, é o grande expoente do Classicismo germânico, um estilo de caracterização da história literária da época.
No mesmo período, mas na área da música erudita, Johann Sebastian Bach atuou, durante nove anos, como organista e músico de câmera da corte de Weimar. Já no século XIX, o compositor húngaro Franz Liszt tornou-se Hofkapellmeister (mestre da capela) na cidade.
Toda essa efervescência artística começou graças à duquesa de Sachsen-Weimar-Eisenach, chamada Anna Amalia. Viúva aos 19 anos, a nobre assumiu o governo da região e chamou Christoph Martin Wieland, autor de obras como Agathon e Musarion, para educar o filho, o futuro arquiduque Carl August I. Anos mais tarde, em 1775, este convidou Goethe em uma manhã do gelado mês de novembro para vir a Weimar.
Desde então a não se dissocia do autor de Fausto e Os Sofrimentos do Jovem Werther (livro que marcou o início do Romantismo e provocou uma onde de suicídios na época de seu lançamento, em 1774). Longe da cidade natal Frankfurt, Goethe se sentia bem na tranqüilidade de Weimar para exercitar os dons literários, vivendo, de 1782 até sua morte, em 1832, numa casa na Praça Frauenplatz. Ele ganhou a residência de Carlos Augusto I, que acabou se tornando um grande amigo do escritor.
Hoje, o imóvel abriga um museu dedicado a Goethe, uma das atrações mais conhecidas da cidade. A biblioteca com 6 mil livros, a cama e a poltrona em que o escritor faleceu estão intactas. O acervo conta ainda com memorabilia do autor, como cerca de 500 peças e esculturas, 26 mil peças artísticas, 200 desenhos próprios e 18 mil pedras e minerais.
Uma lenda em torno do escritor é que, como muitas pessoas, ele também haveria confundido em uma de suas narrativas o gentílico para os cidadãos de Weimar. Quem nasce na cidade é, em alemão, um “weimarer” e não um “weimaraner”. Esta última palavra se refere à raça do belo cão caçador da região, de pelo marrom e curto e olhos esverdeados.
 A intimidade e obra de outras personalidades que viveram em Weimar também podem ser vistas nas antigas residências de Wieland, Schiller, Liszt e até mesmo do filósofo Nietzsche, que passou os três últimos anos de vida na cidade.

A biblioteca da duquesa

                                                          Klassik Stiftung Weimar


O turismo cultural-literário não para por aí. No coração da cidade, está o Castelo Verde (das Grüne Schloss, de 1570), o qual abriga, desde 1691, a famosa biblioteca da duquesa Anna Amália. Enquanto a fachada é barroca, o interior da construção – onde fica a biblioteca, que pode ser visitada - é marcado por detalhes clássicos. O museu do complexo conta com uma boa coleção de pinturas, com destaque para as mais de trinta obras do pintor alemão Lucas Cranach. 
Das mesas externas do café Residenz, em funcionamento desde 1839, tem-se uma bela vista do castelo e de sua torre. No cardápio, além de excelentes combinações de cafés-da-manhã, consta a seguinte história: a atriz Marlene Dietrich (estrela de Anjo Azul), em uma de sua inúmeras visitas ao local, entre os anos de 1918 e 1921, período em que  frenquentava a escola de música em Weimar, recebeu a conta no valor de alguns milhões de marcos (moeda usada na Alemanha até a adoção do euro), uma verdadeira fortuna na época. Isso porque a inflação pós-Primeira Guerra Mundial era galopante. Bastou sua amiga apresentar a nota de um dólar que a conta foi paga. Bons tempos em que o dólar valia muita coisa....
Pertinho do Residenz, outro café que vale uma parada é o ACC. Além de uma galeria de arte no andar superior, o local é um dos poucos cafés na cidade com internet gratuita. Do menu, peça os tomates ao forno recheados com queijo de cabra, com ou sem bacon. 

Sob as árvores do Parque Ilm

Klassik Stiftung Weimar

Depois do pit stop para um lanchinho, o tour continua por ali mesmo, já que, à frente do castelo, fica o Parque Ilm, cortado pelo rio homônimo. Ele convida para uma passeio em meio às árvores, passando por grutas, pontes, monumentos e construções históricas. Assim como estudantes e crianças aproveitam as tardes ensolaradas entre as árvores à beira d `água, Goethe também desfrutou deste clima bucólico. Antes da casa na Praça Frauenplatz, o escritor morou numa propriedade dentro do parque, de 1776 até 1782.
Tanto Goethe, quanto Charlotte estão enterrados no cemitério Fürstengruft, assim como membros da família Wieland e Herder. Isso porque era desejo do arquiduque Carl August que os poetas da corte, principalmente Goethe e Schiller, fossem enterrados ali. No entanto, uma análise feita pela Klassik Stiftung mostrou que os restos mortais atribuídos a Schiller não eram realmente dele. Desde então, o túmulo permanece vazio.
Sobre a mesa de trabalho de Goethe, ou até mesmo penduradas na janela da casa, é comum encontrar tranças de cebolas como enfeite. Esse é um antigo costume da Turíngia, onde está Weimar. O primeiro mercado de cebolas realizado lá ocorreu em 1653 e a tradição segue até os dias de hoje, transformada numa das maiores festas populares do Estado. Sempre no mês de outubro - a comemoração em 2011 está marcada para o dia 7 -cebolas de todas as cores, ramos de enfeites e o cheiro delicioso das Zwiebelkuchen (uma torta alemã de cebola e bacon) se espalham pela cidade. Quem não aprecia o vegetal não precisa ficar preocupado, pois a região também tem várias deliciosas especialidades à base de salsicha e batatas.

Terra do teatro e da Bauhaus

                                                                                Klassik Stiftung Weimar

Para conferir as diferentes fases do desenvolvimento da cidade, do clássico ao moderno, circular pela Praça do teatro (Theaterplatz) é uma boa pedida. Ali, desde 4 de setembro de 1857, quando das comemorações do centenário de nascimento de Carlos Augusto, o monumento em que os escritores Goethe e Schiller aparecem abraçados – e que virou símbolo de Weimar – domina a paisagem da praça, entre o Museu da Bauhaus e o Teatro da Alemanha. O primeiro diretor da casa de espetáculo, construída em 1779, foi, adivinhe, Goethe. Desse período, até 1817, o espaço recebeu as apresentações de nada menos que 4.800 peças. Em frente ao teatro, o Museu da Bauhaus, inaugurado em 1995, relembra o legado da vanguardista escola de design e arquitetura, criada em 1919.  Dedicada a modernizar este segmento, a Bauhaus revolucionou o conceito de belo, estética e todo o paradigma do designer. No entanto, o inovador movimento teve vida curta. Em 1925, por conta de problemas políticos com os círculos conservadores, a escola foi deslocada para a cidade de Dessau e, entre 1932 e 1933, os nazistas impuseram o fechamento de todas as unidades na Alemanha.
Foi exatamente durante a ascensão desse regime que o lado obscuro de Weimar entrou para a história. Os nazistas queriam tirar proveito da imagem de “protetores da alta cultura alemã” e deixaram suas marcas também em Weimar. A pior delas foi o campo de concentração Buchenwald, um dos maiores que existiam na Alemanha, construído em 1937, na área noroeste da montanha Ettersberg.
No século 18, época do Classicismo no país, Ettersberg era uma região procurada para românticas excursões, uma vez que seus belíssimo cenário ajudava os escritores a encontrar inspiração. Como quase tudo em Weimar, a montanha também está associada ao nome de Goethe, que se abrigava embaixo dos carvalhos para escrever.
 Com o intuito de evitar associações com o poeta, os nazistas mudaram o nome do espaço para Buchenwald. Foi quando começaram as cenas do pesadelo. Das 250 mil pessoas que passaram por lá, 56 mil entre presos políticos, judeus, ciganos, comunistas entre outros grupos perseguidos pelo nacional-socialismo perderam suas vidas. Falta de alimentação adequada, trabalho forçado, tortura e doenças faziam parte do dia a dia do campo. Uma das guias locais afirma que Weimar estava entre as cidades favoritas de Hitler e que o ditador teria ido à província mais de uma vez. Porém, ele nunca teve coragem de colocar os pés em Buchenwald, que atualmente abriga um memorial em homenagem aos que morreram no campo de concentração.
 Em 11 de abril de 1945, as tropas americanas finalmente tomaram Weimar – e Buchenwald. Muitos moradores de Weimar foram obrigados a subir a montanha para ver os horrores do nazismo. A ocupação americana durou pouco. Para ganhar o controle sobre Berlim Ocidental, os aliados deram em troca o Estado da Turíngia. Assim, Weimar passou para o controle soviético. O Teatro Nacional, que abandonara sua função artística para abrigar uma fábrica de armas durante a guerra, foi reaberto em 1947. E talvez para passar a ideia de que a cidade voltaria a ser como antes, a obra escolhida para a reestreia foi uma encenação de Fausto, do “onipresente” Goethe.

No “coração verde” alemão

                           Divulgação

A 80 Km de Weimar, a cidade de Eisenach exibe o segundo ponto turístico mais visitado da Turíngia: o Castelo Wartburg. Tombada pela Unesco em 1999, a construção medieval de 1080 repousa sobre a porção noroeste da Floresta da Turíngia. O visual é belíssimo, mesclando uma obra grandiosa do homem e uma vista magnífica do “coração verde” da Alemanha. Neste região, pode-se fazer trilhas, rapel e escaladas nos meses de verão e os típicos esportes de inverno quando a neve se impõe.
  Da estação de trem em Eisenach, é preciso pegar o ônibus10 para chegar ao castelo. De Weimar, a viagem dura cera de 50 minutos em trens regionais. Quem estiver realmente no clima medieval ou quiser alegrar as crianças pode seguir no lombo de burricos, alugados ao lado do estacionamento, que deixarão os visitantes no topo da montanha. E mais uma dica: mesmo nos dias quentes, leve uma blusa para se proteger da ventania persistente da montanha.
  Após a entrada do castelo, passando pelos primeiros cômodos, a sala de jantar saúda os visitantes com uma sequência de pinturas do austríaco Moritz von Schwind que conta a história do complexo. Segundo a lenda, Ludwig, o Saltador, estava caçando na região e instigado pela hostil caminhada, escalou a montanha, cravou sua espada e anunciou o futuro castelo. Mais tarde, seus antecessores transformaram a portentosa construção em um centro de cultura da corte. 
Assim como os nomes de Goethe e Schiller estão associados a Weimar, a figura do monge e professor e teologia Martinho Lutero, que deu origem à  Reforma Protestante, ficou marcada na história de Wartburg. Depois de ter publicado as 95 teses, que contestavam a venda de indulgências para o fiel merecer o céu, entre outros preceitos do catolicismo, o religioso passou a ser perseguido. Alem de excomungado pelo papa Leão X, o decreto do rei Carlos V permitia que ele fosse assassinado sem punição.
Foi assim que numa noite de 4 de maio de 1521, a carruagem de Lutero foi rendida e homens armados o colocaram rapidamente num cavalo como em uma cena cinematográfica. Depois da ação, o monge desapareceu e foi dado como morto. Porém, tudo não passara de um plano para abrigá-lo e protegê-lo.
O religioso foi levado ao Castelo Wartburg e ali passou a vestiu-se como cavaleiro, deixando a barba e os cabelos crescerem. Até seu nome foi mudado: ele passou a ser chamado de Jörg. Mesmo numa estadia curta — ele ficou escondido de maio de 1521 até março de 1522 —, Lutero fez história no castelo. Confinado, ele traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão, tornando-o acessível ao público geral, e iniciou a padronização do alemão formal.
Até hoje o modesto quarto ocupado pelo monge é uma das principais atrações do complexo. Pouco iluminado, o cômodo tem somente escrivaninha, cadeira, lareira e um móvel de madeira. O resultado de meses de trabalho do religioso pode ser visto no pequeno museu local, onde há alguns exemplares das primeiras bíblias traduzidas.
Outro destaque é o Salão dos Trovadores, onde mais uma obra de Moritz von Schwind chama atenção. O artista retrata outra lenda medieval surgida entre as muralhas do Wartburg: uma disputa de artistas no melhor estilo do programa  Ídolos, porém ambientado na Idade Média. O proprietário das terras onde está o castelo lançou uma competição para saber quem era o melhor trovador da região. O primeiro colocado receberia a glória e o último, a pena de morte. Segundo relatos, o azarado foi um austríaco que enalteceu as belezas de sua cidade e não o anfitrião. Apesar do trágico resultado, seu apelo por mais uma chance foi atendido e ele sobreviveu.

Pães que viram rosas

Outra figura associada ao castelo é a de Elisabeth, filha de uma rainha húngara. Aos 4 anos, em 1211, ela foi prometida ao proprietário de terra da Turíngia. Conhecida por sua bondade e atos de caridade, Elisabeth desagradava a família e o marido com seu comportamento altruísta. O pintor von Schwind, uma vez mais, retrata em seus quadros uma lenda sobre o casal.
 Ao sair com uma cesta de pães, Elisabeth teria sido abordada por Ludwig IV, seu marido, que perguntou sobre o conteúdo do embrulho. Ela respondeu que carregava flores e, ao levantar a toalha que cobria a cesta, os pães haviam sido transformados em rosas! Elisabeth viveu só até os 24 anos e, logo após sua morte, foi canonizada em 1235. Uma das partes mais antigas do castelo, a câmara Elisabeth, decorada em mosaico repleto de pedras coloridas, conta sua vida em diversos momentos.

Visuais para suspirar


Séculos depois, em 1777, Goethe, sempre ele, passou cinco semanas no castelo e registrou, em desenhos de próprio punho, as formas da edificação àquela época. O que mais atraia o escritor era o clima bucólico propiciado pela natureza, também apreciado pelos turistas contemporâneos com uma simples caminhada pelas vielas de paralelepípedo nos arredores das muralhas. Para fotos de toda a região, incluindo o esplendor da floresta, as torres oferecem a vista ideal.
Ainda dentro do burgo, vale a pena parar no restaurante que prepara uma imperdível Klöße, receita cuja base principal é uma mistura de batata crua ralada com batata amassada e cozida. Na casa, a especialidade é o Klöße servido sobre um creme de cogumelos selvagens. Também há a opção de pedir o prato acompanhado de chucrute e gulash, um guisado de carne. E ainda há as deliciosas tortas e bolos caseiros, sem contar a recomendadíssima cerveja Eisenacher Wartburg Pils. Para a ocasião ficar perfeita, sente-se em uma mesa próxima às janelas, para apreciar melhor a paisagem. E antes de deixar o Wartburg, olhe para o lado de fora através do arco que nos conduz até a ponte suspensa. Ao pôr do sol, a imagem é uma daquelas que demora para se esquecer.
No sopé do castelo, as andanças continuam, de modo a explorar as atrações de Eisenach. Na praça principal (Marktplatz) está o castelo da cidade, hoje sede do museu do estado da Turíngia, e a Igreja Georgenkirche. Nela, em 1211, casaram-se, com apenas 14 anos, Elisabeth da Hungria (aquela dos pães que teriam se transformado em flores) e Ludwig IV.
Na realidade, do interior do templo religioso não sobrou nada, uma vez que a construção foi derrubada e novamente reerguida em 1515. E foi ali, por essa época – exatamente em 2 de maio de 1521 -, que Martinho Lutero, já excomungado pelo papa, fez um sermão. Também o compositor, maestro e muli-instrumentista Johann Sebastian Bach, filho mais ilustre de Eisenach, tem a Georgenkirche na biografia: essa foi a igreja onde ocorreu seu batismo. Já o museu dedicado a ele fica na Rua Frauenplan.
Por meio dos passos de Lutero, Cranach, Bach, Wieland, Goethe, Schiller e outros ícones da cultura germânica, Weimar e Eisenach, cidades no coração da Alemanha, atraem não só os turistas de todo o mundo - e depois desta reportagem da Viaje Mais, os brasileiros devem ser os próximos a engrossar a lista. Também seguem para lá os próprios alemães, em busca de suas raízes e de sua rica e sofrida história.

Para a Viaje Mais, set.  http://www.europanet.com.br/site/index.php?cat_id=81&pag_id=23356
     





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