Hoje amanheceu um daqueles dias ensolarados, bonitos e muito gelado! O vento já resseca a pele e as folhas das árvores estão quase que todas vermelhas. Programas de outono dominam as páginas de roteiro das revistas e alguns bares ainda mantém suas mesas na calçada. Lá vamos nós rumo a mais um inverno. Engraçado como a gente se acostuma com as coisas. A capa do Berliner Morgenpost aos domingos, a programação da TV (graças a Deus não tem Fantástico), refeições à base de batata e salsicha branca, o trajeto do ônibus e da bicicleta. Nem tudo mais é novidade e com o tempo a vida se ajeita. O que antes era distante, hoje chamamos sinceramente de casa. Os amigos uma hora também aparecem e nós nos acostumamos com eles. No bom sentido. Cinema, festa, reuniões, jantares, confidências e desabafos.
O interessante de conhecer pessoas com backgrounds tão diferentes é que o papo parece não ter fim. Mas em algum momento cada um segue seu rumo e apesar de o mundo ter se tornado pequeno, ele ainda é muito grande para conseguirmos marcar um jantar duas vezes por mês em Londres, Paris ou quem sabe no Japão. E o próximo reencontro (quando ele acontece) é uma incógnita. Fiquei com essas questões na cabeça depois que um casal de amigos nossos voltou para o México, outro foi por vias diplomáticas se aventurar no Jemen (tem louco pra tudo!) e após acabar de ler o reencontro de Narziß e Goldmund no romance homônimo de Hermann Hesse.
Um padre, outro artista e aventureiro. Os dois personagens viveram vidas tão distintas e quase trinta anos depois, Narziß reaparece em uma decisiva manhã que poderia ter significado o fim para Goldmund. Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer da leitura alheia. Talvez fosse mais fácil para nossas avós compreender e aceitar as distâncias. A minha, por exemplo, nunca foi ao Rio de Janeiro apesar de sua filha ter morado lá. Mas as coisas não são mais assim. Ano passado, nós brasileiros, na Alemanha, encontramos um casal de amigos estadunidense para jantar em um restaurante árabe. Não nos vimos mais. Ao contrario da minha avó e minha tia.
Como Goldmund, muitos abrem mão do que é certo para andar sem rumo, experimentar coisas, olhar para algo que seja capaz de nos deslumbrar (alguém já assistiu comer, rezar e amar?). Outros prezam pelas raízes, solidez, conforto e segurança. Esse nosso amigo mexicano era uma pessoas que via beleza nas coisas, mesmo sem estar bêbado. Eu também estou sóbria apesar desse comentário de “mulherzinha”. Uma vez ele nos disse que estava na hora de voltar para casa, pois só no México ele era capaz de presenciar coisas como uma criança descalça, abrindo um saco de pão fresco e o cheirando como se aquilo fosse o mais raro dos perfumes. Eu o entendo. Mas como cada um é cada um, a gente só torce para que todo mundo se encontre.
Todo esse preâmbulo me lembrou de uma música do Oswaldo Montenegro, que eu gosto bastante, apesar de tê-la esquecido nos últimos tempos, ou anos. Aí vai.
"Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?"
3 comentários:
Meu professor de francês insistia em me fazer ver que narciso e goldmund eram, na verdade, a mesma pessoa. Dois lados de um mesmo. Será? Depois do seu post deu vontade de ler de novo. =*
Nossa, confesso que ainda não tinha pensado nisso. Pra mim ainda faltam quatro capítulos, se é que isso importará. O Thomas Mann fala, em um comentário sobre o texto, de elementos modernos da psicanálise, o que me fez prestar atenção demais nas referências de Goldmund à mãe. Se bem que é o Narziß que o faz lembrar pela primeira vez da imagem da figura materna.... Hum, vou passar o fim de semana com a pulga atrás da orelha :) rsrsrs Gostei dessa mudança de foco! BJ
Hmpf. Eu a conheço há menos de dez anos.
Postar um comentário