terça-feira, 10 de dezembro de 2019

A curiosidade matou o gato! Quem é esse sádico revisor?

Dar asas às minhas paranoias é uma fonte inesgotável de posts. Vamos dizer ao “meu fantástico mundo de Bob” para não parecer assim tão patológica! É fácil criar histórias com as compras de supermercado dos outros, os livros que as pessoas leem no ônibus ou as manias que deixam transparecer mesmo quando tentam esconde-las. Ah, quase esqueci. A playlist do Spotify é um manancial de diversão e elucubrações disparatadas. Como esse cara legal consegue escutar esse sujeito tão chato? Quem gosta de Brian Eno anyway? Trilha sonora pra sal de frutas, mais entediante que filosofar o nada. Pra mim, ficar matutando essas coisas é uma distração off-line interessante, um processo quase terapêutico. Claro, se estamos plantados na fila do caixa, sentados no metrô abarrotado ou entediados numa sala de espera. O problema é quando essas distrações começam a atrapalhar sua produção diária. 

Ultimamente ganhei uma neurose nova. Não consigo responder aos referees das publicações sem passar semanas imaginando quem seja a figura, peça rara. E minha projeção vai sofrendo metamorfoses conforme leio e respondo aos comentários. Adoro gente estranha, mas não as que me enchem o saco. Breve explicação aos amigos não acadêmicos. É uma tradição nas universidades escrever artigos derivados da sua pesquisa (sem ganhar nenhum tostão a mais por isso) e enviar para revistas da área. Os editores julgam se o trabalho tem a ver com o perfil da publicação e mandam o texto para pareceristas anônimos. Os tais referees também não sabem quem escreveu o artigo ou a filiação universitária do autor. Às cegas, podem aceitar, negar ou pedir alterações. Abre-se um bate-papo mediado pelos editores onde ninguém se conhece. Não na minha área pelo menos. A ideia é garantir a neutralidade do julgamento e a qualidade dos periódicos. Tipo correio secreto de festa junina.

Agora vai vendo. Em julho uma sujeita (certeza que era uma mulher) encasquetou com um maldito coeficiente de Holsti e perguntou porque o famosão foi usado. Expliquei. A mulher (porque certamente era uma mulher) cismou que o coeficiente de Krippendorf (WTF?) era muito melhor e me mandou uma indicação literária em alemão. Ou seja, era uma moçoila e provavelmente alemã. Tenho minha teoria sobre garotas de sapatos vermelhos e tive que começar a criar uma nova sobre as que tem uma quedinha por Krippendorf. Sério, o fetiche da moça me custou um dia inteirinho entendendo essa m*`’** e criando uma macro no SPSS pra rodar os dados. Fecho os olhos e imagino um perfil com cara de mau indo pra cama sábado à noite com um pijama de ursinho e um livro de estatística no colo. Às vezes, essa imagem se transforma na visão do inferno da minha professora de matemática da sexta série, idosa, rechonchuda e de cabelos alaranjados. Valdira, que os pareceristas a tenham.

Há umas semanas estava tomando um chá num vilarejo perto de Cambridge e recebi um outro e-mail de revisão. Meu marido até levantou as sobrancelhas e perguntou – “você vai mesmo ler isso agora”?. Só passei os olhos no comentário – “essa exaustiva análise empírica é um trabalho de peso”. Vi minha vozinha de óculos, sei lá, um tipão professora querida de semiótica que só falta te trazer um mingau com canela quentinho, fazer um cafuné e te mandar descansar um pouquinho. Precisava receber um assim todos os dias. De vez em quando acho que é uma jovem professora de estudos dos signos, cabelo vermelho, feminista e desbocada que resolveu de forma polida dizer: “c*** você passou quatro anos da sua vida levantando esses dados, vai tomar um porre, vai”! Pular pelada no Tamisa também rolaria.
Antes de eu conseguir assimilar todos esses novos fantasmas da minha vida, chegou mais um semana passada. Um dos revisores indicou um detalhe aqui, outro acolá e aprovou. Ainda comentou que eu deveria quebrar o artigo em CINCO! Logo pensei, é um professor italiano, morando em Catania, de bem com a vida, barrigudinho simpático que respondeu aquilo logo e foi comer seu spaghetti, regado de um bom Nero D’avola. Também pode ser uma versão mais nova e sedutora do sujeito, sem a barriga. Problema foi o colega dele que cismou com as teorias de classificação. Porque aparentemente eu não posso chamar de tipologia o que claramente é uma taxonomia! Sério? Agora releiam a frase anterior imaginando uma voz fininha de criança dando chilique. Certeza que esse aí é professor de filosofia, usa óculos à lá Sartre, e dá aulas de metodologia. Nem é tão antipático assim, mas... sério? Taxonomia? Vou concordar com tudo só para deixar o cara puto. Porque com certeza ele curte pessoas do contra. Quem entende de taxonomias ou é um baita pentelho do contra ou só é um cara excessivamente organizado. Daqueles que separam meias brancas das coloridas ou etiquetam os vidros de bolacha ou temperos. Socorro!

Peguei o bonde outro dia da universidade até a estação principal e encontrei uma aluna minha. Conversamos um pouco, perguntei se ela queria seguir com o doutorado depois de finalizar o curso de mestrado e, sem titubear, ela respondeu na minha cara: “eu preciso me preocupar com minha saúde metal”. Ponto pra moça! Preciso de uma neurose nova. 





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