Sabe-se lá o porquê, eu sempre tive uma certa cisma com o número sete. Tem aquele papo de crise dos sete anos, os sete anos de azar e outras crendices cabalísticas do gênero. Mas, desde que fui tirar meu RG, ainda criança, e a senhora burocrata me entregou o documento com um sorrisão, essa minha pulga atrás da orelha deu linha na pipa. Não é que o bendito terminava com 777-7?! No meu “Fantástico Mundo de Bobby” infantil, achei que aquilo deveria ser algo muito sortudo. Se eu chegasse um pouquinho antes ou depois, passaria o resto da minha vida com uma identidade toda estranha tipo 777-5!! Deveria ser uma dessas coincidências estranhas da vida, como eu ter nascido em 03.03.1983, com 3,330 Kg. Pois bem, o sete virou meu número da sorte. O sete e o três, claro.
E como hoje faz sete anos que chegamos em terras germânicas, foi inevitável não pensar nessas peculiaridades que só a vida nos reserva. Nessa mesma data, eu tocava a campainha de uma casa na Eisenbahn Straße, em Leipzig, para pegar a chave de um apartamento com uma vizinha. Uma senhora de cabelos brancos que mais parecia a pobre vítima do Dostoievsky, no Crime e Castigo. Se ela falava russo ou alemão não fazia, à época, a menor diferença. Na bagagem, quatro malas, um laptop e um violão (hoje a quantidade de livros, fotos e casacos de inverno não caberiam mais nem em um container). E mesmo assim foi uma surpresa danada ter que carregar tudo para o segundo andar sem elevador! Tudo isso apenas umas dezoito horas depois da família inteira ter nos deixado no aeroporto com buzinas, placas, apitos e aquela algazarra toda.
Entramos. Casa vazia, sem internet e geladeira fazendo eco. Deveria ser no máximo 18h, mas o frio e a escuridão era tamanha que não aguentamos andar até a estação de trem para procurarmos por comida. Encontramos uma loja obscura de conveniência, meio de quinta categoria, e pegamos dois pacotes de qualquer coisa congelada. Sério, até hoje não tenho ideia do que jantamos! Desde então começaria uma longa jornada linguística, cultural, profissional, emocional e por aí vai.
Hoje olho meu trabalho de mestrado publicado em livro e relembro das etiquetas adesivas colocadas pela casa com o nome das coisas e seus respectivos artigos. Esticamos mais um pouco aquele programado um ano, de Leipzig veio Berlim, Potsdam, Weimar, três mudanças de arrancar os cabelos e trocas de Ausländerbehörde (os benditos escritórios de imigração). Fim da pós-graduação, mestrado, doutorado, estágios, alguns frilas, viagens e, quando a ficha caiu, — depois de duas copas, duas eleições presidências, dois jubileus da queda do muro de Berlin — sete anos foram deixados para trás sem que nos déssemos conta. Voltamos de férias algumas vezes para momentos alegres, outras por conta de perdas doloridas... Os amigos mais próximos se casaram, alguns tiveram filhos e a gente foi acompanhando assim, meio de longe pela internet. Claro que há sete anos essa parafernália das redes sociais não estava tão no auge — Facebook, Instagram, Pinterest, Blogs, Vimeo e sabe-se lá tudo que nos mostra um pouquinho daqueles que ficaram.
Aqui, seremos sempre estrangeiros. No Brasil, por outro lado, há quem descredite nossas opiniões políticas, sociais ou culturais por acharem que perdemos o contato com a pátria mãe. Fato é que casa se tornou um conceito bastante abstrato que pode se referir a qualquer lugar do planeta. A constante mudança só nos faz perder o medo e também a preguiça de recomeçar. Então, seja lá o que ainda está por vir, que venha! Para relembrar aquela primeira noite bisonha — dois estanhos no ninho sem comida e receosos pelo futuro — nos refugiamos em um hotel termal em uma micro cidadezinha cheia de vinícolas. Lá brindamos de taça em taça (por coincidência sete!) todos os momentos, dos mais peculiares aos mais acolhedores. Achamos que estávamos um pouco mais envelhecidos, mas saímos com a sensação que tudo se ajeita. Só não ter medo de arriscar.
Um comentário:
Lindo texto!!
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