quarta-feira, 9 de julho de 2014

“Colapso mental como nos manuais”


        Quando a cabeça determina o jogo: o psicólogo esportivo Bernd Strauss — em entrevista ao jornal Süddeutsche.de, conduzida pela jornalista Felicitas Koch—, explica o que aconteceu com a seleção brasileira depois do segundo gol e com o que o time alemão deve ficar atento na final. Achei o bate papo digno de tradução. 

Strauss é presidente dos psicólogos esportivos na Alemanha e professor do instituto de ciências esportivas da Universidade de Müster. Também é autor do livro “O Futebol — A Verdade. Como jogos de futebol são decididos pela cabeça” (Der Fußball - die Wahrheit. Wie Fußballspiele im Kopf entschieden werden).

Sr. Strauss, desde os tempos do Oliver Kahn a gente sabe que um jogo de futebol é definido pela cabeça. Isso é verdade? 
Bernd Strauss: Claro que não, mas a cabeça tem um papel muito importante. A força de jogo de uma equipe, o fator atlético, a tática — tudo isso é importante. Quando duas seleções são igualmente fortes nessas coisas, como a gente com freqüência presenciou nessa Copa do Mundo — a psicologia pode ser decisiva. 

O que se passou na cabeça dos brasileiros ontem? 
Bernd Strauss: Primeiramente é preciso dizer que os anfitriões estavam claramente enfraquecidos. Neymar estava fora, assim como o capitão da defesa Thiago Silva. Mas, mesmo com uma escalação melhor, os brasileiros passaram por dificuldades, contra o Chile, por exemplo. O time é bom, mas não é uma super equipe. E eles, assim como todo o entorno, ultra valorizaram as duas perdas. 

Ate que ponto?
Bernd Strauss: Todos só falavam sobre o Neymar. Como eles, apesar do ferimento de Neymar, poderiam ganhar o jogo. Como eles ganhariam por Neymar. Eles deveriam, nessa situação, ter se concentrado melhor em si mesmos. Concentrado-se na equipe, que de fato estaria em campo. 

Uma copa do mundo em casa gera uma grande expectativa. A pressão foi muito grande?
Bernd Strauss: Todos os jogadores que disputam uma Copa do Mundo estão acostumados com a pressão. Eles não participam de um torneio assim desde ontem.  O que a gente viu não foi uma partida normal e também as circunstâncias não foram normais. Uma seleção que joga em casa cria uma pressão adicional. Alguns jogadores ressaltaram em entrevistas que gostariam de ganhar para o povo. Eles colocaram um grande peso sobre os ombros. A coisa toda foi altamente carregada de emoção e todos no país presumiam, naturalmente, que seu time ganharia. Porque estamos falando da seleção! E havia a vantagem de se jogar em casa. 

Então veio o primeiro gol do time oposto 
Bernd Strauss: E o Segundo. E nesse momento a situação com toda sua violência veio à consciência dos jogadores: eles sentiram a pressão que recaía sobre eles. Ao mesmo tempo, perceberam o quão enfraquecido estava o time deles. E o que se seguiu assemelha-se a um colapso mental como nos manuais da psicologia. Os jogadores brasileiros perderam a confiança em si mesmos e reconheceram que não poderiam mais vencer. Eles se encontram em um processo espiralado, que não dava mais para ser impedido. Dessa dinâmica psíquica dá para entender os três próximos gols. 

Quão difícil é recomeçar em uma situação dessas? E como se impede que a coisa vá tão longe? 
Bernd Strauss: Quando terapeutas esportivos trabalham por um tempo longo com uma equipe, pode-se oferecer técnicas específicas aos jogadores para que eles possam se focar novamente no caso de situações excepcionais. Auto-controle é a nomenclatura para isso no jargão psicológico. Mas isso nem sempre funciona. Ontem ocorreu tudo simplesmente muito rápido — tudo muito rápido para os brasileiros.

Como se dá essa rotina normalmente? 
Bernd Strauss: Ela se assemelha, por exemplo, à situação do pênalti, quando um jogador passa toda vez pelo mesmo ritual, benze-se ou lida com a bola de uma maneira específica. Isso não é nenhuma tolice, mas uma medida para se focar, se concentrar. Treinamos esse tipo de coisa. 

Houve críticas ao acompanhamento da equipe brasileira. A psicóloga responsável teria criado um perfil dos jogadores antes do torneio, mas fora consultada somente mais tarde, quando a pressão já estava insustentável. 
Bernd Strauss: Isso é naturalmente um absurdo. Psicólogos esportivos não são bombeiros que apagam o fogo em situações de emergência. E eles não colocam as mãos rapidamente na situação e, em seguida, está tudo nos conformes. Muito pelo contrário. O psicólogo que faz o acompanhamento precisa conhecer cada jogador individualmente e a equipe como um todo por um longo período. Um relacionamento de confiança precisa se desenvolver. Então o psicólogo pode perceber quem está ansioso antes de um jogo e precisa relaxar e quem, ao contrário, precisa ser animado — e o que realmente ajuda uma equipe durante a crise. 

A equipe alemã tem o Hans-Dieter Hermann. Ele conduzirá o time à vitória na final? 
Bernd Strauss: Agora veja, o psicólogo esportivo infelizmente não chuta a bola para o gol e a equipe é sempre conduzida pelo técnico. Mas Hans-Dieter Hermann tem, com certeza, sua parcela no sucesso. Percebe-se na equipe titular, como ela está bem fundamentada, como ela interage como equipe e como ela está incondicionalmente focada na sua tarefa. Mesmo que os brasileiros estivessem fisicamente e psicologicamente enfraquecidos, uma vitória de 7 a 1 não era evidente. 

Agora os alemães vão para a final com esse excelente resultado? É uma situação ideal? 
Bernd Strauss: Uma vitória assim é com certeza excelente. Ganhar uma partida contra uma boa equipe dá confiança aos jogadores. Ao mesmo tempo, o time inteiro precisa ser trazido para um plano realista. A semi final foi um caso isolado e um jogo assim certamente não acontecerá novamente. 

A entrevista original está no site do jornal:

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