sábado, 23 de julho de 2011

Apesar de apelo da ONU, Alemanha nega pedidos para receber refugiados da Líbia



Desde o começo da crise na Líbia, em março deste ano, pelo menos 1,6 mil pessoas morreram no Mediterrâneo durante a travessia na esperança de alcançar a Ilha de Lampedusa, na Itália. Segundo diversas organizações para refugiados, cerca de um milhão de pessoas deixaram o país – aproximadamente 900 mil encontraram abrigo na Tunísia ou no Egito e 40 mil conseguiram chegar à Itália. Até o momento, 11.230 barcos vindos da Líbia e 23.230 da Tunísia alcançaram a costa italiana. 



Enquanto isso, os países da União Européia discutem o abrigo e distribuição dos refugiados. As condições deles são precárias. No campo de Choucha, por exemplo, a cinco quilômetros da fronteira entre Tunísia e Líbia, quatro mil pessoas esperam há mais de três meses autorização para partir. Abrigados no deserto e com pouca perspectiva, relatos de falta de medicamento, comida e água são comuns. Para reforçar o apelo da agência de refugiados da ONU, a UNHCR (sigla em inglês), a organização alemã Pro Asyl lançou no mês passado uma campanha para pedir a aceitação de 11 mil refugiados no continente. E-Mails, cartazes e um apelo direto ao presidente do conselho europeu, Herman von. Rompuy, foram uma das ferramentas utilizadas. Sem sucesso. 

Assim como outros países da Europa, a Alemanha também não respondeu  aos apelos das organizações. Segundo relatos do canal de televisão alemão ZDF, a Alemanha deve autorizar a entrada de 100 pessoas. Mas, por enquanto, reina a rejeição. “É preciso um grande apoio do governo e do parlamento para que as melhoras exigidas na questão da proteção aos refugiados sejam alcançadas em um nível europeu”, disse Michael Lindenbauer, representante da UNHCR na Alemanha e na Áustria. 

Para a organização Pro Asyl, a Alemanha está “bem protegida” em relação ao problema. A organização não conhece nenhum caso de refugiados que tenha conseguido chegar em solo alemão. Quando eles sobrevivem à travessia, ficam na ilha de Lampedusa. E mesmo que conseguissem alcançar a Alemanha, seriam devolvidos à Itália, de acordo com o regulamento Dublin II. Segundo tal determinação, o asilo deve ser pedido e julgado no estado de entrada, o que coloca grande pressão sobre as zonas fronteiriças. 

Por isso, Lindenbauer fala na necessidade de reformas do conhecido Acordo Dublin II. “É preciso assegurar que nenhum estado da União Européia fuja da responsabilidade em relação aos exilados”, explicou. A própria comissária da União Européia para Assuntos Internos, Cecília Malmström, apelou aos governos para que recebessem 15 mil refugiados. O resultado também foi um fracasso. 

Ao invés disso, os líderes europeus decidiram por um fortalecimento e maior independência da Agência de Controle de Fronteiras, a Frontex. A decisão ainda precisa ser aprovada pelo conselho da União Européia, após a pausa de verão, mas acredita-se que não haverá nenhuma controvérsia. A Frontex existe desde 2005, com sede em Varsóvia, e conta com 300 funcionários e um orçamento, segundo o jornal Frankfurter Allgemeine, de 86 milhões de euros. Sua principal atividade é conter a onda migratória em operações por terra, mar ou nos próprios aeroportos, além de organizar vôos de deportação de imigrantes ilegais. No ano passado, quando a Grécia mostrou-se incapaz de assegurar suas fronteiras com a Turquia, uma operação de cinco meses da Frontex baixou em 70% o número de imigrantes ilegais. 

A partir de então, a agência terá seus poderes ampliados e poderá adquirir equipamentos próprios e não mais emprestá-los dos 11 países membros. Enquanto algumas organizações descrevem a tarefa da Frontex como a de impedir a entrada de refugiados e imigrantes, a União Européia coloca a agência como um “fórum consultivo” dos direitos fundamentais. 

A Pro Asyl trabalha em nome de uma política de acolhimento dos refugiados e se coloca contra o trabalho de defesa por meio da Frontex e a cooperação da Europa com países terceiros, no caso com o governo do Gaddafi. No flyer da campanha, a organização faz um panorama da cooperação de países da União Européia com o governo líbio para conter a imigração ilegal. Em 2007, por exemplo, A Frontex teria enviado uma delegação à Líbia. Durante a visita, o governo de Muamar Kadafi entregou uma lista aos dirigentes com solicitação de novos equipamentos como radares de vigilância, dispositivos de visão noturna, sistema de reconhecimento de imagens e impressões digitais, comunicação por satélite, equipamentos de navegação e caminhões e barcos de patrulha. Segundo dados da rede de televisão ZDF, ainda durante a visita, 60 mil refugiados e imigrantes ilegais foram presos. O termo Nautilus descreve as diversas operações da Frontex ocorridas no mediterrâneo em parceria com a Líbia. 

Números alarmantes 

Os dados referentes à prisões, deportações e repatriações disponíveis pela comissão européia (Eurostat) não faz distinção entre pedidos de asilo político e outros casos de imigração como o de trabalhadores ilegais, por exemplo, o que dificulta uma mensuração precisa de cada caso. Em 2009, a União Européia emitiu 598.755 ordens de deportação  Grécia (126.140), Espanha (103.010), França (88.565), Inglaterra (69.745), Itália (53.440) e Alemanha (14.595). 

O comissário de direitos humanos da ONU, Thomas Hammarberg, declarou em seu blog, em 6 de junho, que a Europa tem um papel importante na crise dos refugiados que se instaurou no Mediterrâneo no começo deste ano. “Os governos europeus e as instituições têm muito mais responsabilidade pela crise do que eles responderam até então”, disse. 

Em uma declaração para a imprensa no começo do ano, Christine Buchholz, membro do partido executivo do “Die Link”, partido de esquerda alemão, afirmou que a pobreza da maioria da população na África do Norte não caiu do céu e o governo também teria sua carga de culpa. “O governo alemão apoiou os ditadores norte-africanos, que junto com as companhias ocidentais saquearam as riquezas desses países”. 


Regina Cazzamatta para Opera Mundi:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/APESAR+DE+APELO+DA+ONU+ALEMANHA+NEGA+PEDIDOS+PARA+RECEBER+REFUGIADOS+DA+LIBIA_13725.shtml

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Dentes permanentes



Ela ainda era pequena, vestia seu uniforme vermelho de algum jardim da infância de nome engraçado, mas já tinha os dentes da frente meio molengas. Um pouco abertos, mas nada comparável à janela que viria no futuro. Aquele era um dia especial, difícil e com lembranças não tão agradáveis quanto ao ambiente aconchegante do pré-primário, aquela época ainda existente. O cenário era um outro colégio, cheio de gente grande, de uniforme branco e azul, correndo feito uma manada de búfalos. O chão do pátio era um mosaico de azulejos avermelhados. Ali, um pouco assustada e com as costas apoiadas sobre uma gigante pilastra, ela esperava para fazer a prova de admissão da primeira série. Os boatos já corriam entre os colegas e familiares. Só podia entrar na escola nova quem já soubesse ler e escrever!
A sensação de ser testada era nova e desconfortável. A avó, que sempre lia com ela aqueles livros bonitos e cheio de figuras e a elogiava pela superação daqueles fonemas impronunciáveis, tinha ficado em casa. Àquela época, não era comum essas teorias pedagógicas em que as crianças não podiam ser sobrecarregadas. Ninguém tinha dó das pobres coitadas! Foi assim, que todas sentadas em fileiras receberam seus testes, um após o outro. O tema do exame de interpretação de texto já foi deletado pelo tempo e as imagens que sobraram revelam somente meia página de um texto de letras garrafais. O resultado não foi visto por ninguém. Fato é, que no ano seguinte, ela sentava sobre aquelas carteiras cobertas por plástico quadriculado verde, cor que indicava a tal primeira série. Para sair dali para um prédio ainda maior, ainda seria preciso encarar o quadriculado azul, vermelho e amarelo.
Muitos anos depois, a mesma personagem, agora com dentes permanentes e livre dos uniformes vermelhos, sentia saudades da manada de búfalos de bermudas azuis e camisetas brancas. A situação parecia semelhante, mais uma vez estava em jogo sua vaga numa carteira fria em frente a um quadro negro. Embora desta vez, aquela loira de estatura enorme (e não era porque todos estavam sentados), pés grandes repousados sobre sandálias e voz grossa parecia ser mais assustadora que os alunos mais velhos do ensino fundamental. Era como se a babá dos “Muppet Babies” mostrasse a cara!  A tortura também era muito maior para mostrar um pequeno nível de alfabetização em alemão. Primeiro uma palestra sobre energia atômica, Chernobyl, Fukushima, mutações genéticas e uma lista de perguntas sobre a tal explanação. Quinze minutos para ir ao banheiro e mais um teste de redação. Quinze minutos para reabastecer e ainda com biscoitos na boca começou a leitura da prova de interpretação de texto.  Para fechar, só mais um exame de gramática porque o importante é ser de ferro!
Os dentes permanentes devem ser responsáveis por uma estranha mutação cerebral que deixa as pessoas mais volúveis, sensíveis, extremamente preocupadas com coisas, diríamos, irrelevantes. Há muitos anos, depois do exame do jardim da infância, a protagonista saiu da sala, nem olhou para trás e esqueceu tudo. Foi brincar, comer, ler seus livros musicais e seguir a vida. Os anos passaram e a tal maturidade só trouxe desvantagens. A mesma situação e tudo estava diferente. Após a prova de alemão foi seu estômago durante dois dias seguidos pelo próprio suco gástrico corroído. Ácida, pálida e sem energia, ela chegou depois para a prova oral. Tudo deu certo, assim como há muitos e muitos anos. Culpados pelas preocupações da vida são mesmo os dentes permanentes. Agora, só faltam os plásticos quadriculados para continuar a história de muitos outros testes. Se não escolares, universitários ou da própria vida.