Esta segunda fui visitar a redação do Tagesspiegel, acompanhada pelo grupo de velhinhos do círculo de discussão histórica, lá na Akanischer Platz, perto do metrô Mendelssohn-Bartholdy Park. O jornal foi fundado em 1945 e circula diariamente até hoje pelas bancas de Berlim, concorrente direto do Berliner Zeitung e do Berliner Morgenpost. São veículos mais ou menos como o nosso Jornal da Tarde (JT), um pouco mais elaborado talvez. Como usamos algumas reportagens da época nas aulas para averiguar como o veículo se posicionou diante de alguns acontecimentos históricos, nossa professora achou de bom tom um tour pela redação.
A idéia da visita era mostrar para o grupo como funciona um jornal (sugestão de pautas, apuração, agência de notícias, deadline, fechamento). Ok, nenhuma super novidade, mas confesso que tinha curiosidade de ver uma redação em um país estrangeiro e também deu para pegar alguns jargões da profissão em alemão. Antes de contar a indignação dos meus colegas (uns não sabiam que existe um programa de correção ortográfica e gramática, por exemplo) vou só fazer uma observação de algo que realmente me surpreendeu.
Tudo é impecável e absurdamente silencioso. Todo repórter tem um monitor plasma enorme e as mesas são ultra organizadas. Ninguém fala alto, não há diversas televisões ligadas, papéis, revistas e jornais espalhados pelas mesas e até o traje das pessoas é elegante. Eu sei, essas coisas variam de redação para redação, mas lá é, realmente, muito quieto. Pior, o nosso cicerone comentou que aquela disposição das mesas era uma novidade. “Colocamos todas as editorias juntas para que os repórteres possam se comunicar com mais facilidade”, diz ele apontando para o grupo de política, on-line e economia.
Mas o stress parece ser o mesmo. Ficamos uns cinco minutos parados na porta, enquanto o cara que nos recebeu (um careca, de terno marrom bem alinhado e óculos de armação preta despojada) dava algumas instruções. Nesse meio tempo, uma garota passou quatro vezes com aquela cara de desespero (sabe quando um editor pergunta qualquer coisa e a gente não tem a mínima idéia?). Do outro lado do corredor, veio um senhor falando ao celular à la ligeirinho, passou pelo grupo de visitantes (que estava totalmente atrapalhando o andar da carruagem naquele momento), empurrou os que ficaram no caminho e jogou um texto na mesa da repórter, que também estava ao telefone. Tudo bem à base do cochicho.
Como voltamos para a sala de conferência, não vi mais o desfecho da situação. Aí a graça começou com a sabatinada dos velhinhos. Quando um alemão está descontente com alguma coisa, pode ter certeza que ele dirá em “alto e bom tom”. Primeiro eles não se conformaram com a existência das agências de notícias. Eu achei o lance curioso. Um jornal relativamente pequeno com acesso a DPA (só pela Deutsche Presse Agentur são pagos 20 mil Euros por mês), REU, AFP, AP e DDP. Então o palestrante explicou todo o processo ao longo do dia e disse que é impossível produzir um jornal de cabo a rabo com textos próprios. Foi aí que a senhora mais velha do grupo (eu já falei dela antes, é a de óculos cor de rosa) soltou: “Verdammt kurze Zeit”.
Em seguida veio uma reclamação sobre a quantidade de anúncios. O carecão despojado exibia super feliz duas páginas de propaganda da rede de supermercados Aldi, enquanto os leitores ali presentes torciam o nariz. Nesse ponto a discussão durou um bom tempo. Até explicar que só 1/3 do lucro do jornal vem da venda do produto em si e que a redação não dá palpite nas propagandas e o comercial (em tese) não se interfere na produção de matérias... Rendeu! Eu não sabia que essa questão era tão confusa para os leitores. Legal também foi a cisma de uma senhora italiana. O programa de diagramação do jornal estava projetado em um telão. De tempos em tempos aparecia na rede as matérias produzidas para o próximo dia. Eis que surge um texto sobre os ataques ao metrô da Rússia (seria publicado na terça). A senhora não encasquetou que no outro dia o jornal teria que imprimir mais páginas por conta desse fato! Os velhinhos acharam meio esquisito o jornal estar pré diagramado e os repórteres só encaixarem o texto.
Para terminar, o senhor Horst Sauer questionou um suposto furo tomado pelo jornal. Há alguns meses, uma mãe soltou o carrinho de bebê para pegar alguma coisa na bolsa. Em questão de segundos foi o carrinho, o recém nascido e toda a parafernália parar nos trilhos do metrô, que não conseguiu frear e passou por cima de tudo. O bebê saiu intacto. Não que ele fosse o Macgyver, mas é que de tão pequeno ele ficou protegido abaixo dos trilhos. No dia seguinte, a esposa do Herr Sauer veio com essa história no café da manhã. Ele todo sabichão não deve ter acreditado. “Ela tinha lido no Morgen Post”, disse ele indignado. “Por que vocês não publicaram?”, perguntou ele encafifado.
Para quem tiver curiosidade: http://www.tagesspiegel.de/
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