terça-feira, 31 de julho de 2018

Como terminar uma tese


Já disse que mudar de língua e país pode ser um jeito, não de se curar, mas de mudar de neurose. Suspeito que viajei muito ao longo da vida, não na esperança de me curar, mas para fugir da mesmice de uma neurose só”. 

De todas as coisas que andei lendo nos últimos dias, essa frase do Calligaris (Hello, Brasil! e outros ensaios) foi a que mais mexeu comigo. Talvez porque eu esteja “entatuzada” na minha escrivaninha num processo de fim de tese, submersa por textos sobre construtivismo (em alemão) há mais de uma semana. E a única viagem que tenho feito é da sala para o quarto. Quando ousada, vou até o hall do elevador. Virei um hamster meio neurótico que duvida da realidade externa ao próprio sistema cognitivo. Pausa. Sabe quando um dos seus colunistas favoritos viram pais e não param de falar de criança? Até você revirar os olhos impaciente? Então, só vou falar de tese. Ainda bem que isso aqui é pouco popular e só vou encher o meu próprio saco mesmo. 

Eu poderia estar vendendo pipoca no Tamisa, miçanga na África, raspadinha na Sicília, abraços em Berlim, ganhando repertório para posts, mas não... Não sei de qual neurose estava fugindo, mas essa paranoia acadêmica está me tirando o sono. E entre um parágrafo e outro, essas bobagens passam pela minha cachola. Outra hora estava matutando quantas garrafas de vinhos e horas-aula de yoga serão necessárias até o fim desse processo bizarro. Volta pro construtivismo! Mas antes vê se aprende a conviver com você mesmo nesse fase. Abro o arquivo de manhã e penso “se hoje te odeio, amanhã lhe tenho amor”, e chega porque (graças a sanidade do mundo) ainda não estou fazendo amor com a maldita tese. Desculpe Raul pela apropriação da neura! Volte pro construtivismo! Mas antes, um café. A gente precisa de café para raciocinar, não? Ligo o IPod. 

Cara, eu podia fazer um post das letras mais bizarras da MPB, né? Táticas de procrastinação ou para escapar do maldito construtivismo? Que nada, olha como tenho razão. “Vem depressa, vem sem fim, dentro de mim”???? “Molha eu, seca eu, deixa que eu seja o céu”???? Estaria tudo bem, se a Marisa, anos depois, mulher feita, não resolvesse cantar  “Já sei namorar, já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar”? Sério mesmo? Mais incógnita que isso só os “segredos de liquidificador” do Cazuza. E o Caetano com essa história de vaca profana, “dona das divinas tetas”???? To precisando apanhar “um táxi pra estação lunar”, na beira mar, claro! Daqui sai um projeto de pós-doc. Qualquer coisa sobre a construção, reconstrução, desconstrução do discurso na arte, nas letras das músicas brasileiras, na semiótica do oxalá! E se não for aprovado, posso ganhar a vida num caraoquê. Bom, é hora de parar com meus métodos de análise musical, desligar o IPod e voltar. Pro construtivismo. 

Começo a “costurar” o embasamento teórico nos capítulos (já escritos) de resultados. Aí desanda. Hora do vinho da memória. Há trechos escritos na minha antiga casinha em Weimar. Almofadinhas vermelhas do Ikea pelo chão, neve do lado de fora, uma escuridão danada às 15h. E os métodos discutidos na mesa do meu escritório em Erfurt, uma caixa de sapato velha e abandonada, com quê de comunista, bem atrás da biblioteca! Nunca rolava festa estranha, mas só tinha gente esquisita. A única pessoa sociável era o Subjekt, um cara da Indonésia, que pesquisava... Ah, sei lá, não descobri o que ele fazia mesmo depois de assistir trezentas apresentações do cara nos nossos colóquios. Aí chego nos resultados, todos rascunhados nas três mesas que tive em Hamburgo. Aquele lagão cheio de patos em frente ao instituto, o melhor spaghetti com frutos do mar da Alemanha e o cheiro peculiar que vinha da cantina. Até quem interrompeu o desenrolar de alguma argumentação específica, pra dizer algo nem tão específico assim, salta à lembrança. 

Vou costurando e recordando de cada noite sem dormir, de cada apresentação seja em algum colóquio ou conferência, tantos neurônios queimados, lábios mordidos, e volto a amar tudo isso de novo. Só por uns instantes. Agora, da minha mesa preta do Ikea em Londres, de costas pro Shard, tentando amarrar esses anos de vida e pesquisa (drama queen, me deixem). Mas antes de voltar pro construtivismo, vou passar mais um café! E tentar mudar de neurose olhando a vista londrina ao som de Oasis. 


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