domingo, 20 de junho de 2021

Lisboa: chegar e partir

Não sei se foram os doze meses em quarentena ou o espacate de treze anos entre Alemanha e Reino Unido que me deixaram assim. Com esse jeito meio bobo, meio gringa deslumbrada no Mediterrâneo. Passo protetor solar religiosamente todas as manhãs e faço o “pequeno almoço” na varanda. Sim, mesmo que esteja frio para os padrões lisboetas. Paro na rua e admiro árvores de mexericas e limões sicilianos. Pareço uma criança paulistana quando escuto um galo cantar numa capital. Juro que tem galo! Acho os telhadinhos vermelhos desiguais, cheios de antenas tortas destoando na paisagem, o charme maior do continente. Mais do que pão de queijo nas padarias, tapiocas nos supermercados e até mesmo catuaba para relembrar a adolescência, há lajes e varandas. Às vezes torço para chover só para sair gritando – “olha a roupa no varal”. Há anos não me lembrava que roupas podem secar livres ao sol e ao vento. 

Não precisa muito esforço ou vinho para se deixar seduzir. Frutos do mar em abundância, vinho verde, garrafas das vinícolas favoritas em qualquer supermercado (tudo muito barato). Fico estonteada no mercado de arroios com o tamanho das frutas. Os miradouros e o Tejo cortando a cidade são um convite para melancolia. Piora com o vento que traz o cheiro de dama da noite. Mesmo com uma máscara a cobrir metade do rosto e fones de ouvido gigantescos, desconhecidos conversam com você cotidianidades. “Não aguento mais essa PFF2/N95”, “Gosto muito desse bacalhau com natas”. Confesso que olho um pouco incrédula, em dúvida se a pessoa está mesmo se dirigindo a mim (o gerúndio está na minha alma brasileira, não consegui evitar mais que algumas linhas). Já até me perguntaram: “a menina fala português?”. Claro que sim, só me é estranho comentar os desgostos alheios em público. Já ouvi de uma portuguesa que Lisboa é como Bauru, mas não quero polemizar. Isso será assunto para outro post se encontrar tempo ou precisar procrastinar novamente.  

Alguns amigos tentam me mostrar a realidade (que resisto em aceitar), dizem que sou turista. Tem lá seu fundo de verdade, embora não goste de admitir. Fiz meu registro de moradia só pra contradizê-los. Mentira, é para ir de graça tomar café no castelo mesmo. Mas ainda não consegui me irritar, mesmo com as bizarrices encontradas por aí. Parênteses, só eu achei meio sexista e até racista essa música “Meu amor foi Para O Brasil” da Ana Moura? Obrigada, Spotify, quebrando o clima do meu romance. Mas há uns momentos bonitos (e abobados, confesso). Há algumas semanas estava na ponte D. Luis, que liga o Porto à Vila Nova da Gaia. Músicos brasileiros cantarolavam Gonzaguinha lá de baixo às margens do rio: “que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita”. E um grupo de portugueses desafinados respondiam lá de cima: “é bonita, é bonita e é bonita”. O sotaque português até deu um charme desconhecido à canção. Ri não só da cena que tem sua beleza (mesmo idealizada), mas também dessa relação de amor e ódio entre Brasil-Portugal. 

O preconceito linguístico direcionado a nós pode ser demasiadamente enervante, mas tenho ignorado. Sei que muitos brasileiros não concordam comigo, mas para me poupar de discussões inúteis, respondo que falo “brasileiro”. E se a coisa estender, mando irem corrigir (ou porque não traduzir) Guimarães Rosa, Clarice Lispector ou Carlos Drummond de Andrade. Nunca aconteceu. Não ainda. Talvez porque não trabalhe aqui. Cada um com seus disparates. Comparada a algumas ilhas em São Paulo, Berlim ou Londres, Lisboa me parece mais provinciana e menos libertária (minha opinião cheia de bias, ok?). Mas ainda não estou comprando essas brigas. São muitos aromas, sensações, sabores, cores, entardeceres, brisas e bronzeados para quem passou os últimos treze anos em um braço de ferro com as declinações e orações subordinadas na Alemanha. Só queria acordar em meio a colchas brancas levinhas ornando com o céu azul. A vida já é muito complexa e cheia de dessabores (covid, genocida, etc.). Percebi, aliás, que fico irritadíssima nas partes da cidade que apelidei de gringolândia, apinhada de ingleses e alemães. Quero baixar a pomba gíria e sair gritando possessivamente – “cai fora, a cidade é minha”. Bem contida. Só me identifico com o deleite deles, mais nada.  

Perceberam que ainda não desencantei, né? Mas como amor de praia não sobre serra, – segundo a sabedoria dos meus primos botequeiros–, estou voltando para casa e para minhas declinações. Só Freud explica mesmo! Voltarei a ouvir Paco de Lucia na neve! Enquanto estava processando e me preparando psicologicamente pra mais uma mudança e todas as peripécias envolvidas (procurar apartamento, voo, teste de covid, documentos etc.), o Spotify me acolheu com “Encontros e Despedidas” do Milton. Tá bom, foi bem menos charmoso, era a Maria Rita interpretando (mas me deem a licença poética, faça o favor). O robô já chegou bem perto do meu estado sentimental. Já é assustador o bastante. Muito feliz e muito triste, tudo ao mesmo tempo. Cheguei pra ficar, mas acabei por vir só olhar e “assim chegar e partir”. E se covid permitir, será um vai-e-vem. Rezemos! 







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