terça-feira, 12 de novembro de 2019

Berlim: 30 anos depois da queda do muro


Esse post parece mais um Déjà-vu. Já escrevi reportagens sobre os vinte anos da queda do muro, posts sobre os 25 e aqui estou eu de novo 30 anos depois. Embora seja um dos maiores acontecimentos do século 20, nem Freud explica essa minha obsessão. Tenho lembranças do ocorrido, numa perspectiva claramente infantil de uma criança de seis anos. Meu jantar que não vinha, minha avó paralisada em frente a TV e a Globo anunciando a musiquinha do plantão. Coisas estranhas da vida. Mal imaginava à época que moraria por quase dez anos em cidades na Alemanha Oriental e completaria grande parte da minha vida acadêmica por lá. Só queria mesmo ser astronauta, pintora ou aeromoça pra poder viajar.  

Há dez anos, já adulta em Berlim, entrei no frenesi que tomava conta da cidade ao longo de todo ano de 2009. Foi um período intenso de transição e incertezas (não que isso tenho mudado muito hoje em dia). Brigava com o idioma diariamente, frequentava aulas e tentava escrever o trabalho final para a minha pós-graduação em jornalismo internacional. Minha bíblia (ou meu Kamasutra) era um livro de história – Der lange Weg nach Westen (Heinrich August Winkler). Pensa na motivação da pessoa que mal entendia alemão com essa análise histórica de 3 mil páginas. Lia encostada no aquecimento para driblar um dos piores invernos que já peguei no país, com temperaturas de -20 na madrugada. Nas horas vagas, codificava artigos da Der Spiegel. Sim, há dez anos nascia também essa ideia absurda de estudar discursos midiáticos. Pari um trabalhinho pequeno (ruim pra caceta em termos metodológicos) sobre a narrativa da Queda do Muro na Veja, Time e Spiegel. Tirei 9,5 e uma das críticas mais sérias da banca foi a perspectiva muito alemã na minha linha argumentativa. Até hoje recebo essas cutucadas de referees. Já reclamaram até do meu estilo de escrita em inglês. Aparentemente é muito alemão (wtf!?). Sem mágoas, estou melhorando. De verdade! 
Em meio a esse turbilhão, minha primeiríssima reportagem de turismo à época também foi sobre – adivinhem, vai? Sorry pela falta de criatividade. Sim, sobre a capital vinte anos depois da queda (Berlim virou do avesso). Nunca recebi por essa matéria porque a revista faliu, mas passei os próximos dez anos frilando para uma outra publicação. Mais uma de tantas ironias da vida. Sempre achei que voltaria para São Paulo um ano depois, então vivia como se o mundo fosse acabar em um ano. Frequentava uns cursos na Volkshochschule em Neuköll sobre memórias históricas pra escutar uns matusaléns falarem das recordações da guerra e da divisão do país. Também tentei história da arte moderna e renascentista pra treinar alemão! Tudo que Berlim oferecia de estranho era aceito de bom grado. E olha que não faltam esquisitices por lá.  
Nos 25 anos, ainda morava na Alemanha e fiz um bate volta de Weimar para assistir às celebrações. Nessa época, as coisas já tinham se estabelecido um pouco. Terminara o mestrado, acabara de publicar um livro em alemão (proeza que desacredito até hoje) e tinha conseguido a bolsa para os próximos quatro anos de pesquisa. Foi um dos poucos momentos que sabia mais ou menos o que aconteceria nos próximos anos. Não exatamente, porque no fim das contas escrevi a tese em três países diferentes. Cinco anos se passaram e os trinta anos se aproximavam (não os meus, o do muro). Por mais que tenha uma relação de afeto com a cidade e os acontecimentos, não cogitava voar da Inglaterra “SÓ” pra isso. Mas, meio que por destino, marcaram uma aula minha dia 08.11, na Alemanha. E uma vez por lá, por que não seguir para Berlim? Daquele trabalho ruim da pós, a Alemanha me botou no eixo. Passei a dar aula de metodologia (logo eu, cuspi pra cima). Enfim, acho que virou uma tradição, reavaliar a vida de cinco em cinco anos, com esse background político como pano de fundo. Revi o apartamento que morávamos, os bares e restaurantes que frequentávamos e encontramos amigos que vivem, estavam de passagem ou voltaram para capital de outras partes do mundo. Tudo me pareceu em constante movimento de um jeito bem Berlim. Um fluxo constante de acontecimentos. Comemoramos trinta anos da abertura política, discutindo Brexit, Trump, Bolsonaro. E o Lula foi solto no mesmo fim de semana. 
Deu saudades. De Berlim, da juventude, dos amigos que partilharam aquela fase conosco e até das incertezas de outrora. Se eu pudesse contar para aquela garota que o mundo não acabaria em um ano. Acho que não faria, guardaria o segredo. Por fim, ali, curtindo a cidade, mais uma de tantas outras ironias. Enquanto estava lá me derretendo com o passado berlinense, achamos uma revista “Mare – Die Zeitschrift der Meere – com uma capa sobre Londres. Uma das matérias sobre as tradicionais pie & mash (torta com purê de batata) mostrava nosso quarteirão com imagens dos tradicionais estabelecimentos onde costumamos comer, dos mercadinhos que fazemos compras. Exatamente a mesma rua atrás do nosso apartamento em East London. Deu uma nostalgia rápida, uma vontadezinha de voltar pra casa. Foi aquele momento em que Berlim deixou bem claro – está rolando um flashback, mas nosso caso realmente terminou! Ainda veremos.   


Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto Regina ! Impressionante sua sensibilidade em narrar essa historia.Me lembro o primeiro ano que fui te visitar com a Cristina em Berlim. Saudades deste lugar.Meu pais preferido. Bjs