domingo, 9 de junho de 2019

Spotify e o robô enxerido


Já faz umas semanas que ando com uma baita implicância com os algoritmos do Spotify. Mas, estranhamente, quando xingo suas escolhas inapropriadas para meus ouvidos, me sinto tão maluca como meu avô insultando secretárias eletrônicas ao soar do bip. Não me entendam mal. Inicialmente, me senti realmente seduzida pelas listas sugeridas por esse xereta invisível. As mais ouvidas em 2018, os daily mix ou as sugestões gerais. Meu problema tá com a falta de contexto. Explico. Associamos músicas com situações, lugares, pessoas, fases da vida. 

 “Lola” (The Kinks) é como estar no trânsito da marginal Pinheiros em São Paulo. “The Boxer” (Simon & Garfunkel) me transporta para a bizarra fase do cursinho. “Going to California” (Led Zeppelin”) reacende a sensação do primeiro pé na bunda. “Lazy Line Painter Jane” (Belle & Sebastian) é fim de feriado no carro, tentando não se atrasar para o plantão do jornal. “Champagne Supernova” (Oasis) traz à mente uma despedida em Bruxelas. “Flores” (Titãs) meu primeiro contato com a morte. “Laundry Room” (The Avett Brothers) relembra os longos invernos em Weimar. “Pale Blue Eyes” (Velvet Undergroung) os meses de pesquisa em Hamburgo. “Strong” (London Grammar) a hora de me despedir da Alemanha. Daria para continuar por umas vinte páginas. Normal. 
Mas aí desço numa estação, por exemplo, em Weimar (onde morei por seis anos) e o Spotify coloca na lista London Grammar. E tudo parece meio surreal. A imagem, a paisagem ou o cheiro que não correspondem mais ao som. Como gosto da música, acabo deixando tocar, mas me sinto invadida. É como se o robô trouxesse um bicão (que considero um bom amigo apesar de tudo) para minha festa. Ou se jogasse todas as roupas para o alto e as deixasse se embaralhar no chão. Meu cérebro anda meio germanizado, com todas as lembranças musicais organizadas sistematicamente por categorias. Raramente escuto Chico, Cazuza ou Raul nas ruas da Alemanha ou da Inglaterra. Não combina, não dá. É como misturar feijão com spaghetti, leite com polenta, cerveja com refrigerante. Mas o Spotify aparentemente ainda não aprendeu isso. 
Continuo dando play nessas listas por comodismo. Tá ali uma seleção de todas as músicas favoritas ao alcance de um clique. Porque eu deveria procurar por coisas novas ou canções mais obscuras? Mas aos poucos estou tentando ignorar o Spotify. É um exercício como o de tirar os óculos de sol em um dia claro de verão para apreciar a paisagem em seus tons reais. Arde os olhos, mais acabamos por gostar do que vemos. Será um processo longo, eu sei. Enquanto as músicas continuam me perseguindo fora de contexto, decidi mudar de roteiro. Assim evito bagunçar minhas lembranças. Fiz uma lista de vilarejos e cidades que nunca visitei na Alemanha para não passar todos os fins de semana em Weimar, abraçada ao aconchego das lembranças. Já virei até motivo de chacota com meu objetivo de desbravar o lado B da Turíngia. "Lado B da Turíngia" (Rá) até parece pleonasmo. Logo mais vem posts de Gotha, Gera, Ilmenau, Altenburg, Arnstadt e outros buracos negros do mapa. As músicas favoritas ainda me acompanham (ou perseguem), mas não incomodam tanto. Cidades desconhecidas podem ser preenchidas por qualquer sonoridade, ainda são tábulas rasas. Mas estou mesmo tentando procurar novos artistas para me acompanharem nessas rotas desconhecidas. 







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