quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Marrocos: FEZ e os labirintos tortuosos da medina

        Não sei se é a mesmice das coisas ou somente a curiosidade de ver o novo que nos faz sonhar em caminhar pelo Tibet, escalar o Himalaia, desbravar a Transiberiana ou explorar o deserto no lombo de camelos. Mas seja lá como for, o melhor de viajar é encontrar o desconhecido. Temê-lo. Assim, quanto mais alheia a minha realidade é o lugar, quanto mais tudo parece esquisito, mais satisfeita fecho as malas no fim da jornada.
Uma espécie de medo e receio que se transformam em satisfação pouco a pouco. Uma curta, mas intensa visita a Fez! As ruelas quase intestinais da Medina. Mulheres de lenços, crianças correndo sozinhas, árabes vendendo desde lápides até sapatos, couros, tapetes e quadros. Burros de carga circulam nas estreitas passagens quase derrubando os transeuntes e as mercadorias expostas nas barracas. Galinhas vivas saçaricam dentro ou fora das gaiolas, açougues a céu aberto exibem cabeças de camelos e cérebros de carneiros. O zunido das moscas disputam com o falatório das ruas. Uma facada no estômago de qualquer vegetariano. O horror de ver uma galinha sendo degolada e colocada de ponta cabeça em um balde com o corpo ainda tendo espasmos. 
É praticamente impossível andar sem ser chamado por pseudo guias turísticos, crianças pedindo alguma coisa, garotos oferecendo ajuda para nos tirar do labirinto em troca de algumas moedas. A melhor decisão é guardar o guia de viagem para chamar menos atenção e continuar a caminhada sem rumo. Duas, três horas depois e notamos estar andando em círculos. A chamada para reza nos dá uma trégua, a sonoridade tão bela do alto falante de todas as mesquitas espalhadas no centro da Medina. Mesmo eu que não sou lá muito religiosa, confundo Moises com Maomé, não pude evitar ficar tocada com tudo aquilo. As lojas baixam suas portas e os fiéis se dirigem aos templos. Tiram os sapatos, lavam os pés, as mãos, o rostos suados para só então se dedicarem ao exercício espiritual. 
Para escapar do murmurinho, há também a possibilidade de entrar em qualquer uma das antigas escolas do alcorão, as medersas, e se perder pelos pisos e fontes de mosaicos coloridos. Ou, ao conseguir encontrar a saída da Medina — às vezes o Google maps dá uma boa ajuda dependendo do desespero — descansar nos riads transformados em hotéis. Ok, é meio irônico precisar de um I-Phone para achar a saída de uma Medina de 1.200 anos, a única cidade medieval árabe completamente intacta, mas... Quem não tiver pressa e poder respeitar o ritmo de Fez, totalmente alheia à geração Apple... Fim da digressão, de volta aos riads. As antigas mansões de membros da família real devem ter algo de especial na construção para não deixar que o som do labirinto efervescente passe por suas paredes. Não pode ter outra explicação. De lá, só o aroma do chã de hortelã, saboreado embaixo de laranjeiras plantadas entre pisos de mosaico multicoloridos.  
A moça que servia o café da manhã no nosso Riad nos perguntou porque ficar cinco longos dias em Fez. Segundo ela, isso não era comum entre os turistas que passavam por ali. De fato, tomamos café sempre com pessoas diferentes. Acho que deveríamos ter ficado mais, se não fosse o dever chamando. Tudo para ver o sol se por ao som da chamada para a reza, de um café com terraço para a tortuosa Medina, observando os gatos pularem de laje em laje. E no fim até — e por que não? — ser surpreendida por uma barata correndo entre as mesas. Não posso deixar de concordar com a descrição de Anais Nin, de 1936, da cidade:  “Há em Fez, assim como na minha vida, ruas que não conduzem a lugar nenhum, impasse que se mantém um mistério”. 


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