domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma imagem real


Uma certa manhã ela acordou com 70 anos.  A pele não era mais assim tão rígida, os cabelos encurtaram e a textura das mãos denunciavam o que ela tentara esconder ao longo da vida por meio dos artefatos da vaidade feminina. Como passara rápido! Já vi muitos ficarem velhos e manterem o espírito jovem. Mas esta moça manteve a carcaça jovem e a alma envelhecida. Cansaço, fadiga! A vida não tinha sido fácil, nem valia a pena narrar os percalços das mulheres daquele tempo. Estava prestes a morrer afogada na luta contra o inevitável. As sobrancelhas eram marcadas por uma maquiagem definitiva que lhe dava um ar mutante, quase artificial. O batom vermelho, levemente borrado, já não ressaltava a beleza, mas revelava o aspecto histérico, alheio ao mundo e à realidade. Aquele olhar poderia ter inspirado Munch a pintar o Grito. Para ela não seria um problema, desde que se tornasse uma musa.
Apesar da inquietação interna recebera naquela mesma manhã uma excelente notícia. Iria a Itália. Demorou para entender a novidade, pois o ouvido lhe traía constantemente. Depois de tantos anos conheceria o país de seus antepassados! Já sonhava com Sophia Loren. Folheava revistas para saber como uma mulher chique e inspiradora poderia desembarcar em Roma. Mudou a cor do cabelo, cortou-o ainda mais curto e começou a puxá-lo constantemente em direção a orelha para que não enrolasse. Passou os próximos meses pensando no figurino que chegaria ao país. Como deveria se vestir para ser fotografada nas belas praças e bancos? Trocava os vestidos, as fitas da cabeça, desfilava escondida em frente ao espelho. Colocava a mão direita levemente sobre a boca e reclinava a cabeça com o ar pueril das pin-ups. Fitava o espelho. Via na imagem uma dessas belas personagens.
Voou de óculos escuros, assim como atrizes famosas que pretendem passar discretamente pela multidão. Desceu da aeronave, sem tirá-los, sempre puxando a ponta do cabelo para trás das orelhas e entregou seu passaporte à polícia aduaneira. Encarava os guardas por trás das lentes escuras e acreditava que seria bem recebida, reconhecida, assim como sua musa Sophia. Tentava ser natural, fingir um tom blasé que não correspondia à sua aflição. Mas teve de deixar o glamour de lado e mostrar seu rosto. Logo perdeu o interesse pelo país. Dera-se conta da sua condição de turista comum. Fez alguma imagens pela cidade, posou em frente à Fontana di Trevi, mas não havia nenhum Marcello Mastroianni para resgatá-la. Ninguém queria resgatá-la. A multidão passava por ela sem notá-la. Logo adoeceu. Tomava remédios para dormir, para se acalmar, para ir ao banheiro, para emagrecer e não queria mais deixar o quarto do hotel. Precisava de cuidados. Terminou a viagem de camiseta, na cama, fotografando a Itália pela televisão.

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