terça-feira, 3 de abril de 2012

Entre Sérvios e Croatas


Já estou queimando a caixola há duas semanas para entender o imbróglio na Bósnia antes de aterrissar por lá - as duas instâncias administrativas, a supervisão internacional, o acordo de paz de Dayton e o sentimento entre croatas, sérvios e islâmicos. Esta é deveras a pior parte! E “entender” foi mesmo um termo presunçoso. Já desisti. Se nem eles mesmos depois de séculos de convivência (do Império Otomano, ao Austro-Húngaro até a extinta Yugoslávia) tem lá as suas dificuldades... Vamos dizer que estou tentando ter uma ideia do que se passa. Independentemente do termo para a minha inspeção, achei, imersa entre filmes e livros, uma crônica do escritor Semezdin Mehmedinovic, no seu livro Sarajevo Blues, que relata algumas lembranças da guerra (1992-1995) bastante marcantes.
O autor, exilado político nos Estados Unidos desde 1996, afirma contundentemente que “a guerra começou em um domingo”. Ele explica. No dia do descanso semanal ele jogava bola com os amigos. A pelada era um ato religioso. Mas, exatamente naquele domingo, um dos camaradas não compareceu. Ninguém deu muita importância ao fato e o time entrou em campo como sempre. Depois, como de costume, reuniram-se para tomar cerveja até o horário permitido pela partida do último ônibus. A jornada deveria ser curta se não fosse por um grupo de encapuzados parar e invadir o veículo. No meio do tumulto, ele reconhece o amigo, aquele mesmo que não deu as caras na pelada, e atônito pergunta: “ Sljuka, é você”? Antigos parceiros de futebol, adversário na guerra.
No outro dia, o caso era transmitido pela televisão e Mehmedinovic ouvia as declarações de Radovan Karadzic. O impronunciável nome refere-se mesmo ao líder do partido nacionalista sérvio, médico psiquiatra e também (pasmem!) poeta. O autor, indignado com as mentiras espalhadas pelos quatro cantos pelo líder do país, foi a estante de livros do filho. Lá estava a obra de poesias infantis de Karadzic. Começou a rasgá-la com toda a fúria, interrompido pelo choro do garoto que não entendia o motivo daquilo tudo e protestava na tentativa de salvar sua obra infantil predileta. 
Mehmedinovic diz conhecer Karadzic do círculo de escritores. Conta como o líder nacionalista não tinha mesmo uma carreira promissora como escritor (com exceção dos textos direcionados às crianças) e lembra de pequenas conversas. Em uma delas Karadzic contava sobre um filme que tinha assistido na noite anterior: “A escolha de Sofia”. Narrava a performance da Meryl Streep em frente ao dilema imposto por um soldado nazista. Um de seus filhos poderia sobreviver desde que o outro morresse. Mehmedinovic se lembrava sempre deste diálogo quando ouvia casos semelhantes ocorrerem em campos sérvios. Não que o autor tivesse muito tempo para recordar as elucubrações do líder nacionalista. Durante a guerra ele estava mesmo ocupado com sua  sobrevivência.
Só para mostrar como a tal limpeza étnica não fazia sentido, o escritor abriu a lista telefônica para procurar registros do sobrenome “Karadzic”. 10 Karadzic(s) eram de origem islâmica, nove vinham da Sérvia e um da Croácia. A irracionalidade da guerra foi mostrada também por uma boa lista de filmes. O mais recente, “Land of Blood und Honey”, em que Jolie estréia como diretora e lota salas na Berlinale 2012, apesar de não ter concorrido oficialmente. A trama mostra o conflito do soldado sérvio Daniel (Goran Kostic) que mantém um relacionamento com a pintora mulçumana Ajla (Zena Marjanovic) em um dos campos para prisioneiras. O filme é bom, apesar de ter recebido inúmeras criticas de entidades da própria Bósnia, que acusou Jolie de manter a clássica dicotomia do conflito:  os sérvios como 100% do mal e os mulçumanos como 100% oprimidos, sem muito contexto histórico.
O vencedor da Berlinale 2006, “Grbavica, The Land of my Dreams” da diretora bósnia Jasmila Zbanic situa a narrativa no pós guerra. Relatos do conflito de uma garota que descobre que seu pai não era um herói de guerra e sim um soldado estuprador. Deixarei uma listinha de filmes sobre a Guerra da Bósnia e o quão intenso o conflito ainda está presente por lá, conto na volta!

Storm (2009), de Hans-Christian Schmid.
Grbavica, The Land of my Dreams (2006), de Jasmila Zbanic.
Gori Vatra (2003), de Pjer Zalica.
No Man´s Land (2001), de Danis Tanovic.
Land of Blood und Honey (2012), de Angelina Jolie.



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