segunda-feira, 18 de julho de 2011

Dentes permanentes



Ela ainda era pequena, vestia seu uniforme vermelho de algum jardim da infância de nome engraçado, mas já tinha os dentes da frente meio molengas. Um pouco abertos, mas nada comparável à janela que viria no futuro. Aquele era um dia especial, difícil e com lembranças não tão agradáveis quanto ao ambiente aconchegante do pré-primário, aquela época ainda existente. O cenário era um outro colégio, cheio de gente grande, de uniforme branco e azul, correndo feito uma manada de búfalos. O chão do pátio era um mosaico de azulejos avermelhados. Ali, um pouco assustada e com as costas apoiadas sobre uma gigante pilastra, ela esperava para fazer a prova de admissão da primeira série. Os boatos já corriam entre os colegas e familiares. Só podia entrar na escola nova quem já soubesse ler e escrever!
A sensação de ser testada era nova e desconfortável. A avó, que sempre lia com ela aqueles livros bonitos e cheio de figuras e a elogiava pela superação daqueles fonemas impronunciáveis, tinha ficado em casa. Àquela época, não era comum essas teorias pedagógicas em que as crianças não podiam ser sobrecarregadas. Ninguém tinha dó das pobres coitadas! Foi assim, que todas sentadas em fileiras receberam seus testes, um após o outro. O tema do exame de interpretação de texto já foi deletado pelo tempo e as imagens que sobraram revelam somente meia página de um texto de letras garrafais. O resultado não foi visto por ninguém. Fato é, que no ano seguinte, ela sentava sobre aquelas carteiras cobertas por plástico quadriculado verde, cor que indicava a tal primeira série. Para sair dali para um prédio ainda maior, ainda seria preciso encarar o quadriculado azul, vermelho e amarelo.
Muitos anos depois, a mesma personagem, agora com dentes permanentes e livre dos uniformes vermelhos, sentia saudades da manada de búfalos de bermudas azuis e camisetas brancas. A situação parecia semelhante, mais uma vez estava em jogo sua vaga numa carteira fria em frente a um quadro negro. Embora desta vez, aquela loira de estatura enorme (e não era porque todos estavam sentados), pés grandes repousados sobre sandálias e voz grossa parecia ser mais assustadora que os alunos mais velhos do ensino fundamental. Era como se a babá dos “Muppet Babies” mostrasse a cara!  A tortura também era muito maior para mostrar um pequeno nível de alfabetização em alemão. Primeiro uma palestra sobre energia atômica, Chernobyl, Fukushima, mutações genéticas e uma lista de perguntas sobre a tal explanação. Quinze minutos para ir ao banheiro e mais um teste de redação. Quinze minutos para reabastecer e ainda com biscoitos na boca começou a leitura da prova de interpretação de texto.  Para fechar, só mais um exame de gramática porque o importante é ser de ferro!
Os dentes permanentes devem ser responsáveis por uma estranha mutação cerebral que deixa as pessoas mais volúveis, sensíveis, extremamente preocupadas com coisas, diríamos, irrelevantes. Há muitos anos, depois do exame do jardim da infância, a protagonista saiu da sala, nem olhou para trás e esqueceu tudo. Foi brincar, comer, ler seus livros musicais e seguir a vida. Os anos passaram e a tal maturidade só trouxe desvantagens. A mesma situação e tudo estava diferente. Após a prova de alemão foi seu estômago durante dois dias seguidos pelo próprio suco gástrico corroído. Ácida, pálida e sem energia, ela chegou depois para a prova oral. Tudo deu certo, assim como há muitos e muitos anos. Culpados pelas preocupações da vida são mesmo os dentes permanentes. Agora, só faltam os plásticos quadriculados para continuar a história de muitos outros testes. Se não escolares, universitários ou da própria vida. 

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