sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Marrocos: Marrakesh, um reveillón do deserto do Saara e os encantos das Montanhas Atlas


Marrocos
Para ir além de Marrakesh 
(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Nov.2011)

(Regina Cazzamatta)

Depois de perambular pelas ruas e mercados da famosa cidade marroquina, aventure-se num tour que conjuga as gélidas montanhas da Cordilheira do Atlas e o deserto do Saara

Pouco antes de o avião pousar no aeroporto internacional de Marrakesh, a segunda maior cidade do Marrocos, é possível admirar uma parte da estonteante Cordilheira do Atlas, aos pés da qual o local foi construído. Ainda mais próximo do momento da aterrissagem, dá para  ver uma vastidão de casas rosadas, que permitem entender por que Marrakesh é conhecida como a “cidade vermelha” e “pérola do sul”.
Nesse instante, a imaginação fala mais alto e as imagens das histórias infantis relacionadas às exóticas regiões desérticas vêm à cabeça, incluindo tapetes voadores, dunas e mais dunas de areia, passeios de camelo, encantadores de cobras, comerciantes oferecendo toda sorte de mercadorias... Mas a presença de alguns desses símbolos é somente uma prévia do que as confusas e misteriosas ruas do centro histórico, ponto da cidade chamado pelos marroquinos de medina, podem oferecer.
Localizada na porção central do Marrocos, Marrakesh vale a viagem não só pelas atrações histórico-culturais tombadas pela Unesco, mas também pelos passeios que exploram suas paisagens para lá de extremas e diversificadas, que incluem vales rochosos, o Deserto do Saara e a Cordilheira do Atlas, cujo ponto mais alto ultrapassa os 4 mil metros de altitude.
 Fundada entre os anos de 1070 e 1072 pelos berberes da Dinastia Almoravid - povo com uma cultura de mais de 4 mil anos e que vivia principalmente no Marrocos e no Senegal, antes da chegada dos árabes-, Marrakesh foi um importante centro político e cultural. As reminiscências desse período ainda estão lá na região da medina e na principal praça local, a Djemaa El-Fna.
Djemaa El-Fna
Caminhar nessa movimentada área dá a impressão de que se está participando de um show de auditório. Adestradores de macacos fazem gracejos com seus animais; serpentes das mais diversas espécies (sempre há najas no grupo) rastejam sobre o chão, levantam o olhar e mostram a língua sob o som das flautas de seus donos; malabaristas amontoam-se em pirâmides, fazem shows, arriscam acrobacias e até engolem fogo, enquanto tatuadores de hena esperam as clientes debaixo de seus guarda-sóis. Por todos os cantos da praça, há “iscas” para turistas curiosos.
Em troca de alguns dirhams, o dinheiro marroquino, os mais corajosos podem até tirar fotos com uma cobra enlaçada ao pescoço - a gorjeta também dá direito a uma bênção em nome de Alá. Porém, antes de sair disparando inúmeros cliques, é de bom-tom pedir para tirar fotografias. E então, quando receber a autorização, o preço da brincadeira será anunciado.
Junto e Misturado
Não são somente os forasteiros que circulam por Djemaa El-Fna. A área é bastante frequentada pelos locais e, por isso mesmo, fornece uma excelente oportunidade para observar as diversas facetas desta cidade tão influenciada pela cultura árabe e islâmica.
Mulheres de burca, somente com os olhos à mostra, se misturam àquelas com roupas ocidentais e cabelos ao vento. Outras evitam as vestes mulçumanas e , em termos religiosos, usam só um lenço sobre a cabeça – modernas, elas cruzam as ruas da medina a bordo de mobiletes. Mas nem todas estão pela praça só de passagem: muitas param para curtir as atrações do pedaço como a pescaria de refrigerantes, semelhante à das nossas festas juninas, quando diferentes itens podem ser fisgados.
 Bastante popular entre os nativos também são as rodas de gnawa, uma mistura de sons religiosos dos povos subsaarianos, berberes e árabes. Se um flash incomodar os músicos, certamente eles mostrarão o chapéu de moedas, de um jeito aborrecido, pedindo uma recompensa. Por outro lado, eles podem até lhe oferecer um banquinho de plástico caso percebam que o viajante está interessado em escutar e conhecer melhor o ritmo.


No entorno da praça, há diversos cafés e restaurantes com terraço, que propiciam uma espetacular e avermelhada vista do pôr do sol, regada a chá de hortelã. Um pouco antes da noite cair, além das coloridas barracas que vendem frutas secas e sucos, pequenos restaurantes das redondezas montam tendas do lado de fora do empreendimento. Geralmente com preços bem camaradas, a experiência é um convite ao pecado da gula e é embalada pela mistura de temperos aromáticos, azeites, carnes e peixes.
Para os que não sucumbem diante da possibilidade de experimentar um prato diferente, há opções exóticas como as sopas de caramujo ao vapor e ensopado de cérebro de carneiro. Você poderá experimentar um prato delicioso quando o garçom lhe trouxer fumegantes tajines, ensopados que vão para a brasa dentro de um recipiente de barro em forma de cone. Os tajines mais tradicionais são os de frango com limões sicilianos e azeitonas.
Versões sofisticadas do prato, com carnes suculentas, são encontradas no restaurante Tangia (14 Derb Jedid, Mellah). A casa também entretém a clientela refinada com apresentações de dança do ventre e moças que equilibram velas e lustres sob suas cabeças.
Comer e dormir num riad


Outra experiência gastronômica muito recomendada é o cuscuz marroquino, preparado com sêmola de trigo, condimentos e carnes ao gosto do freguês, que pode ser desde aves até carneiro, sem contar as versões vegetarianas.
Bons lugares para degustar as iguarias marroquinas são os restaurantes dentro dos riads. Mansões antigas, esses complexos são divididos em quatro partes e têm um pátio interno, onda há uma fonte ao centro. Localizados dentro da medina, tais casarões pertenceram a ricos comerciantes, conselheiros ou membro da família real marroquina. Com o passar do tempo, as propriedades foram vendidas e transformadas pelos europeus como uma nova forma de hospedagem.
Em Marrakesh, estão os mais preservados e exuberantes de todo o norte da África, datados do século 17. Atrás dos grossos tijolos de barro, um oásis de tranqüilidade e silêncio invade essas mansões-hotéis. Mesmo localizadas na medina, é como se toda a agitação dos mercados e o vibrante cotidiano do centro ficassem para trás.

 Mais do que se hospedar luxuosamente à moda marroquina, os riads são um meio de conhecer melhor a cultura local e usufruir de serviços personalizados. Em outras palavras, o complexo possibilita um grande contato com os locais, que ficam muito contentes quando o visitante pronuncia alguma palavra em árabe, como shukran (obrigado), apesar de o francês, por conta do país ter colonizado o Marrocos, ser bem difundido entre eles.
Outra vantagem de ficar nesses hotéis é que ali costuma-se oferecer massagens e típicos tratamentos à base de lama, chamados hammas. Aproveite porque é mesmo tradição ser “empanado” e rolado na lama. Alem dos riads, tais terapias são oferecidas em casa de banho encontrada por toda cidade. A diferença é que nessas a freqüência avassaladora é de nativos.
Uma vez numa casa de banho, o primeiro procedimento é lavar o corpo com um sabonete negro. A seguir, a tebbaya (atendente de banho) enche um balde de madeira com água quente e o despeja sobre a cabeça do freqüentador. Então ela abre um saquinho com o produto à base de lama e o mistura com água, obtendo uma pasta, que é aplicada por todo o corpo e fica agindo por alguns minutos.
O tratamento, uma espécie de esfoliação, é utilizada pelos berberes há milênios e parece surtir efeito. Quando aliado a massagens relaxantes, a combinação é perfeita.  Em relação aos Riads, os preços das casa de banho pública costumam ser mais baratos, mas é preciso levar colchão de plástico, chinelo e toalha. Sem contar as barreiras lingüísticas, afinal, é bem provável que a assistente de banho lhe dê as instruções em árabe.
Paciência para pechinchar
E é bom mesmo estar bastante relaxado antes de entrar nos souqs, mercados centrais situados nas estreitas ruas da medina, onde negociação, herança indelével dos árabes, é a palavra-chave. Isso porque preços fixos existem apenas em poucas lojas, que trabalham em cooperativas.
Para entrar nesse “jogo de sedução”, é preciso alguns dias de treino para passar a tratar o processo da pechincha como um desafio instigante, e não como sinônimo de cansaço e estresse. Por isso, não perca a cabeça e tente aproveitar para adquirir produtos locais como lenços típicos, luminárias, artigos, para o preparo de tajines, chás, ervas aromáticas e medicinais, velas, temperos e pedras a preços ínfimos.
Mesmo que o turista diga um “não” convicto diante do valor oferecido, o vendedor segue perguntando: “Você realmente gostou?” ou “Quanto quer pagar por esta peça então?”. Se, na sua opinião, o preço ainda não é satisfatório, deixe a loja, sem medo. Possivelmente, ele correrá atrás do comprador e concordará com sua proposta. Em alguns casos, apos o negócio ser selado, o comerciante pode convidá-lo para um chá no dia seguinte, quando ele mostrará mais produtos. Desta vez, sem compromisso.
Em meio a esse turbilhão de pessoas e conversas, cinco vezes ao dia uma voz, seguida por uma música marcante, ecoa por toda a cidade, chamando os fiéis para a salah (reza). Nesse momento, muitas lojas baixam temporariamente suas portas. Pausas nas negociações regadas a chás.
Entre tapetes e mosaicos
O chamado leva muitos mulçumanos à Mesquita “Koutoubia Minaret”, dona de uma torre de 70 metros, que marca a paisagem da cidade desde o século 12. Embora a entrada seja restritas aos fiéis, é possível passear pelos jardins e observar o movimento. Também em templos menores dentro dos souqs, dá para avistar um pouquinho da entrada, decorada com tapetes magníficos, e ver os homens deixando os sapatos do lado de fora, num clima de muita religiosidade e tranqüilidade.

Para saciar a curiosidade de como são os templos por dentro, é recomendável a visita a antiga escola do alcorão “Ali Ben Youssef Medersa”. Fundada no século 14 e em funcionamento até 1962, a escola foi a maior do Norte da África e ainda permanece esplendorosa. Assim, chamam a atenção os balcões de madeira trabalhada e pisos e paredes de mosaicos coloridos. Os 130 quartos serviam de morada aos 900 estudantes, que se debruçavam sobre as leis do Alcorão. E a vida não era fácil: além da disciplina e do intenso ritmo de orações, todos os aprendizes dividiam apenas um banheiro.
Outra mesquita famosa de Marrakesh é a Kasbah, que leva ao mausoléu do sultão Ahmed El- Mansour, morto em 1603. Nesse local, ele mandou constuir cerca de 170 túmulos ricamente ornamentados, dedicados às esposas, empregados e parentes. A mãe do sultão, por sua vez, possui um mausoléu próprio, também decotado com opulência.
Para conhecer mais o estilo de vida dos antigos e megalomaníacos sultões, o Palácio La Bahia (A Bonita) é uma boa pedida. Ali, em uma área de oito hectares, espalham-se 150 deslumbrantes quartos, que abrigavam, no século 19, o harém de Abu Ahmed, que tinha quatro esposas e 24 concubinas.
Durante a visita, o guia local explica a razão para a existência de tantas fontes, jardins e áreas abertas. Como as escolhidas do monarca não participavam da vida pública, não freqüentavam os mercados e não podiam ser vistas por outras pessoas, essas idílicas áreas eram o máximo do mundo externo a que elas tinham acesso. Outra parada interessante é o Museu de Marrakesh, um palácio do século 19 recém- restaurado. A construção é emblemática para a cidade porque, em 1965, ali funcionou a primeira escola para mulheres de Marrakesh.
Rumo às areias do Saara
         Ainda que Marrakesh represente muitíssimo bem todo o exotismo e a “mágica” – ou pesadelo, dependendo do que espera o turista – atribuído ao Marrocos, como atestou o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que em suas memórias rasgou elogios à cidade, a oportunidade de seguir viagem rumo à região central e ao deserto não pode ser desperdiçada.

           Somente se afastando em definitivo do ritmo da cidade, de sua medina e de seus souqs e mesquitas apinhados de gente é que se torna possível captar melhor a cultura dos berberes, principalmente nas regiões montanhosas. Após sobreviverem as invasões árabes e muito mais tardiamente à espanhola e francesa, os berberes mantiveram resquícios de sua cultura em aldeias como as localizadas na Cordilheira do Atlas. A cadeia montanhosa, com uma extensão de 2.400 Km no norte da África – cortando alem do Marrocos, a Argélia e a Tunísia -, é um belíssimo ponto de passagem para se alcançar as areias douradas do deserto. Mesmo segurando-se na poltrona do carro e suando de tensão por causa da tortuosa e estreita estrada de mão dupla, vale a pena encarar o trajeto rumo ao topo da montanha. De Marrakesh, a viagem até o ponto mais alto dura cerca de três horas de carro. Recomenda-se passar a noite em alguma pousada nas montanhas, ver o nascer do sol - deslumbrante e gelado- e só então seguir rumo ao deserto.

 Mesmo para os mais aventureiros, é aconselhável contratar os serviços de uma agência de viagem local. Afinal,percorrer o deserto é uma tarefa complicada, não só pela extrema dificuldade de localização e pelas tempestades de areia, mas também porque é muito fácil ficar atolado. Um guia local não só passa segurança, como também oferece longos bate papos sobre a cultura e as tradições da região. Geralmente, as excursões reúnem pequenos grupos. Além do motorista, mais quatro pessoas dividem caminhonetes 4x4.
        A paisagem é fantástica. É tão grandiosa e isolada que, caso você gritasse, certamente ninguém lhe ouviria. Da Cordilheira do Atlas até o Saara, o caminho vez por outra revela cidades pequenas, vales e oásis. Saindo cedo, dá para fazer diversas paradas pelo caminho e ainda alcançar o deserto antes do pôr do sol.
A primeira pausa é no Kasbah Ait Benhaddou, a 32 Km do município de Ouarzazate. Típicos da região, os kasbahs  são cidadelas com fins de defesa. Eles foram criados e comandados pelas antigas famílias que detinham o poder e ficam em pontos onde já houve interesse comercial por açúcar, sal ou ouro.
Ali, a paisagem já está mais árida, o solo é rachado e bastante pedregoso. É possível que alguns viajantes reconheçam o kasbah de imediato. Tombado pela Unesco, o complexo serviu de cenário para filmes como o Gladiador, Jesus de Nazaré, Lourenço da Arábia e A Jóia do Nilo. Estima-se que a construção de tijolos avermelhados seja do século 11, mas com uma ajudinha de Hollywood, a fortificação está praticamente nova em folha.
De volta a estrada, o guia aponta uma área cheia de pedras. É um cemitério da região que quase passaria desapercebido. Lá, os túmulos femininos são marcados com duas pedras e os masculinos, com três. Não há nomes. “Quando vamos ao cemitério, não importa quem descansa ali”, diz o guia. “Visitamos e oramos por todo mundo”, completa ele.
A próxima cidade no caminho é a Ouarzazate, que exibe o Kasbah Taorirt, onde os povos da Cordilheira do Atlas e dos Vales Draa e Dadis faziam negócios. Nos anos de 1950, a indústria cinematográfica  também descobriu essa pequena cidade, que logrou aos cinéfilos o estúdio Atlas Film Corporaions, que pode ser visitado. Com truques de filmagem, a paisagem da região se transmutou em diversos cenários, como Roma, Tibet, Somália ou Egito. Agora sim: depois dessa explicação, dá para entender por que há dois sarcófagos em frente ao museu do cinema.


Água no deserto de pedra.
          Entre as cidades de Agdz e Zagora, separadas por um trajeto de 95 Km, estão os vales Draa e Dadis, que recebem a águas que desce da Cordilheira do Atlas e produzem um milagre: um oásis em meio ao deserto de pedra, repleto de vegetação. Nesse trecho da estrada, grupos de crianças que, segundo o guia, andam vários quilômetros para chegar à escola, caminham sob o sol, disputando espaço com os carros, já que acostamento é algo inexistente nesse trecho.
Conforme o veículo se aproxima da cidade de M´Hamid, quase na divisa com a Argélia, o controle fica mais acirrado. Guardas fazem sinal de parada, pedem documentos e credenciais do motorista, olham de forma curiosa para os turistas dentro do carro, despedem-se e liberam a passagem. O processo pode ocorrer mais de uma vez. “É normal”, diz o guia. “ Estamos perto demais das fronteiras e, como havia antigamente acirrados conflitos entre Marrocos e Argélia, é natural um controle mais intenso”, explica. De fato, o turismo foi retomado na região nos anos de 1990, já que, antes, a disputa dos dois países pelas areias do Saara Ocidental fazia do território um espaço bastante tumultuado.
Outra marca de M´Hamid é ser o último pit stop para carros e visitantes antes do “ataque” ao deserto. É a derradeira oportunidade, portanto, para comprar água e outros produtos e para que o veículo seja abastecido. Agora são mais 56 Km pela frente, que em off-road vence em cerca de duas horas e meia, dependendo das condições climáticas, até Erg Chigaga. Desse total, 40 Km são percorridos por entre dunas douradas a 300 metros de altura no mítico Deserto do Saara.Mesmo dentro do carro, a imensidão de areia, não importe para qual lado os olhos escolham observar, e um deleite para os sentidos.
Uma rápida “atolada” do veículo na areia até deixa os turistas felizes pela possibilidade de parar no meio do nada, fazer fotos de cartão-postal e rir com o grupo empurrando o carro duna abaixo. Nessa hora há quem diga que a travessia  a bordo de um camelo pouparia tal perrengue, mas os cinco dias a mais, quem sabe até uma semana, não compensam os 15 minutos perdidos.
Não há nada nem ninguém a vista, mas o guia dirige calmo, apreciando, também ele a paisagem. É fácil perder o senso de direção e somente o sol dá uma vaga idéia da localização, quando está à frente, à direita ou a esquerda em relação ao veículo. O guia cai na risada quando indagado se sabe onde está. “Estou em casa”, afirma confiante.

Overdose Visual

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Berlim revisitada

   
Há cerca de dois anos, o Berliner Morgenpost lançou uma campanha publicitária que explorava as facetas descoladas da capital e suas peculiaridades. “Berlim é quando todos vestem o que querem”, diz a frase sobre uma imagem de pessoas nuas em um lago; “Berlin é quando a verdade precisa ser dita”, afirma a sentença sobre a foto de um aconchegante estabelecimento com sua sincera lousa-cardápio: “café medianamente bom (ou meia boca mesmo): 1,10 euros”. Ou “Berlin é quando você não sabe se está totalmente In ou Out”. Nesse caso, a imagem dispensa explicação. Trata-se daquele estilo próprio das pessoas no Mitte, Kreuzberg ou Prenzlauerberg. Não é à toa que algumas revistas de turismo classificam a cidade como uma das mais vanguardistas da Europa. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Alemanha Central — Weimar nos passos de Goethe e Schiller

                                            Klassik Stiftung Weimar

Alemanha

(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Set. 2011)

A história da cultura do país passa pela Turíngia
Famosa pelas atrações ligadas à cultura, a região é farta de história e belas construções, exibindo ainda a floresta que é o “coração verde” do país

Dizer que a cidade alemã de Weimar foi onde Goethe, mestre da literatura do pais, escreveu Fausto, sua obra-prima, e que foi no Castelo Wartburg, em Eisenach, que Martinho Lutero, religioso que encabeçou a reforma protestante, traduziu do latim, pela primeira vez, o Novo Testamento, são motivos convincentes para que turistas que gostam de incluir cultura em suas viagens sigam para a... Turíngia. Pois é, apesar de ser um ilustre desconhecido para a maioria dos viajantes brasileiros, este Estado, na porção central da Alemanha, é pródigo de atrações turísticas. E não apenas relacionadas à cultura – de fato, seu ponto forte -, como demonstra, por exemplo, Weimar. Berço do Classicismo, movimento literário alemão, a cidade, localizada no bucólico vale do Rio Ilm, 270 km a noroeste de Frankfurt (onde fica o principal aeroporto da Alemanha), encanta com vários chamarizes tipicamente europeus. Entre eles estão as 14 construções tombadas pela Unesco, a exemplo dos castelos da Cidade, de Belvedere e Tiefurt, e o complexo formado pela Igreja da Cidade, Casa Herder e uma antiga escola. Ou os espaços que fazem parte da Klassik Stiftung Weimar, fundação que oferece ao público palácios, jardins e parques – fora os museus, claro-, capazes de encantar quem simplesmente pretende bater perna e contemplar uma cidade bonita. Weimar também é dona de uma boa quantidade de lojas, cafés, sem falar dos bares, que fazem a alegria dos 5.500 universitários que lá estudam. 

Gooethe, Schiller e cia.

                            Klassik Stiftung Weimar

A ascensão cultural de Weimar começou mesmo no século 18, quando, além de Goethe, chegaram à cidade nomes hoje consagrados da literatura alemã como Christoph Martin Wieland, Johann Gottfried Herder e Friedrich Schiller, que junto a Goethe, é o grande expoente do Classicismo germânico, um estilo de caracterização da história literária da época.
No mesmo período, mas na área da música erudita, Johann Sebastian Bach atuou, durante nove anos, como organista e músico de câmera da corte de Weimar. Já no século XIX, o compositor húngaro Franz Liszt tornou-se Hofkapellmeister (mestre da capela) na cidade.
Toda essa efervescência artística começou graças à duquesa de Sachsen-Weimar-Eisenach, chamada Anna Amalia. Viúva aos 19 anos, a nobre assumiu o governo da região e chamou Christoph Martin Wieland, autor de obras como Agathon e Musarion, para educar o filho, o futuro arquiduque Carl August I. Anos mais tarde, em 1775, este convidou Goethe em uma manhã do gelado mês de novembro para vir a Weimar.
Desde então a não se dissocia do autor de Fausto e Os Sofrimentos do Jovem Werther (livro que marcou o início do Romantismo e provocou uma onde de suicídios na época de seu lançamento, em 1774). Longe da cidade natal Frankfurt, Goethe se sentia bem na tranqüilidade de Weimar para exercitar os dons literários, vivendo, de 1782 até sua morte, em 1832, numa casa na Praça Frauenplatz. Ele ganhou a residência de Carlos Augusto I, que acabou se tornando um grande amigo do escritor.
Hoje, o imóvel abriga um museu dedicado a Goethe, uma das atrações mais conhecidas da cidade. A biblioteca com 6 mil livros, a cama e a poltrona em que o escritor faleceu estão intactas. O acervo conta ainda com memorabilia do autor, como cerca de 500 peças e esculturas, 26 mil peças artísticas, 200 desenhos próprios e 18 mil pedras e minerais.
Uma lenda em torno do escritor é que, como muitas pessoas, ele também haveria confundido em uma de suas narrativas o gentílico para os cidadãos de Weimar. Quem nasce na cidade é, em alemão, um “weimarer” e não um “weimaraner”. Esta última palavra se refere à raça do belo cão caçador da região, de pelo marrom e curto e olhos esverdeados.
 A intimidade e obra de outras personalidades que viveram em Weimar também podem ser vistas nas antigas residências de Wieland, Schiller, Liszt e até mesmo do filósofo Nietzsche, que passou os três últimos anos de vida na cidade.

A biblioteca da duquesa

                                                          Klassik Stiftung Weimar


O turismo cultural-literário não para por aí. No coração da cidade, está o Castelo Verde (das Grüne Schloss, de 1570), o qual abriga, desde 1691, a famosa biblioteca da duquesa Anna Amália. Enquanto a fachada é barroca, o interior da construção – onde fica a biblioteca, que pode ser visitada - é marcado por detalhes clássicos. O museu do complexo conta com uma boa coleção de pinturas, com destaque para as mais de trinta obras do pintor alemão Lucas Cranach. 
Das mesas externas do café Residenz, em funcionamento desde 1839, tem-se uma bela vista do castelo e de sua torre. No cardápio, além de excelentes combinações de cafés-da-manhã, consta a seguinte história: a atriz Marlene Dietrich (estrela de Anjo Azul), em uma de sua inúmeras visitas ao local, entre os anos de 1918 e 1921, período em que  frenquentava a escola de música em Weimar, recebeu a conta no valor de alguns milhões de marcos (moeda usada na Alemanha até a adoção do euro), uma verdadeira fortuna na época. Isso porque a inflação pós-Primeira Guerra Mundial era galopante. Bastou sua amiga apresentar a nota de um dólar que a conta foi paga. Bons tempos em que o dólar valia muita coisa....
Pertinho do Residenz, outro café que vale uma parada é o ACC. Além de uma galeria de arte no andar superior, o local é um dos poucos cafés na cidade com internet gratuita. Do menu, peça os tomates ao forno recheados com queijo de cabra, com ou sem bacon. 

Sob as árvores do Parque Ilm

Klassik Stiftung Weimar

Depois do pit stop para um lanchinho, o tour continua por ali mesmo, já que, à frente do castelo, fica o Parque Ilm, cortado pelo rio homônimo. Ele convida para uma passeio em meio às árvores, passando por grutas, pontes, monumentos e construções históricas. Assim como estudantes e crianças aproveitam as tardes ensolaradas entre as árvores à beira d `água, Goethe também desfrutou deste clima bucólico. Antes da casa na Praça Frauenplatz, o escritor morou numa propriedade dentro do parque, de 1776 até 1782.
Tanto Goethe, quanto Charlotte estão enterrados no cemitério Fürstengruft, assim como membros da família Wieland e Herder. Isso porque era desejo do arquiduque Carl August que os poetas da corte, principalmente Goethe e Schiller, fossem enterrados ali. No entanto, uma análise feita pela Klassik Stiftung mostrou que os restos mortais atribuídos a Schiller não eram realmente dele. Desde então, o túmulo permanece vazio.
Sobre a mesa de trabalho de Goethe, ou até mesmo penduradas na janela da casa, é comum encontrar tranças de cebolas como enfeite. Esse é um antigo costume da Turíngia, onde está Weimar. O primeiro mercado de cebolas realizado lá ocorreu em 1653 e a tradição segue até os dias de hoje, transformada numa das maiores festas populares do Estado. Sempre no mês de outubro - a comemoração em 2011 está marcada para o dia 7 -cebolas de todas as cores, ramos de enfeites e o cheiro delicioso das Zwiebelkuchen (uma torta alemã de cebola e bacon) se espalham pela cidade. Quem não aprecia o vegetal não precisa ficar preocupado, pois a região também tem várias deliciosas especialidades à base de salsicha e batatas.

Terra do teatro e da Bauhaus

                                                                                Klassik Stiftung Weimar

Para conferir as diferentes fases do desenvolvimento da cidade, do clássico ao moderno, circular pela Praça do teatro (Theaterplatz) é uma boa pedida. Ali, desde 4 de setembro de 1857, quando das comemorações do centenário de nascimento de Carlos Augusto, o monumento em que os escritores Goethe e Schiller aparecem abraçados – e que virou símbolo de Weimar – domina a paisagem da praça, entre o Museu da Bauhaus e o Teatro da Alemanha. O primeiro diretor da casa de espetáculo, construída em 1779, foi, adivinhe, Goethe. Desse período, até 1817, o espaço recebeu as apresentações de nada menos que 4.800 peças. Em frente ao teatro, o Museu da Bauhaus, inaugurado em 1995, relembra o legado da vanguardista escola de design e arquitetura, criada em 1919.  Dedicada a modernizar este segmento, a Bauhaus revolucionou o conceito de belo, estética e todo o paradigma do designer. No entanto, o inovador movimento teve vida curta. Em 1925, por conta de problemas políticos com os círculos conservadores, a escola foi deslocada para a cidade de Dessau e, entre 1932 e 1933, os nazistas impuseram o fechamento de todas as unidades na Alemanha.
Foi exatamente durante a ascensão desse regime que o lado obscuro de Weimar entrou para a história. Os nazistas queriam tirar proveito da imagem de “protetores da alta cultura alemã” e deixaram suas marcas também em Weimar. A pior delas foi o campo de concentração Buchenwald, um dos maiores que existiam na Alemanha, construído em 1937, na área noroeste da montanha Ettersberg.
No século 18, época do Classicismo no país, Ettersberg era uma região procurada para românticas excursões, uma vez que seus belíssimo cenário ajudava os escritores a encontrar inspiração. Como quase tudo em Weimar, a montanha também está associada ao nome de Goethe, que se abrigava embaixo dos carvalhos para escrever.
 Com o intuito de evitar associações com o poeta, os nazistas mudaram o nome do espaço para Buchenwald. Foi quando começaram as cenas do pesadelo. Das 250 mil pessoas que passaram por lá, 56 mil entre presos políticos, judeus, ciganos, comunistas entre outros grupos perseguidos pelo nacional-socialismo perderam suas vidas. Falta de alimentação adequada, trabalho forçado, tortura e doenças faziam parte do dia a dia do campo. Uma das guias locais afirma que Weimar estava entre as cidades favoritas de Hitler e que o ditador teria ido à província mais de uma vez. Porém, ele nunca teve coragem de colocar os pés em Buchenwald, que atualmente abriga um memorial em homenagem aos que morreram no campo de concentração.
 Em 11 de abril de 1945, as tropas americanas finalmente tomaram Weimar – e Buchenwald. Muitos moradores de Weimar foram obrigados a subir a montanha para ver os horrores do nazismo. A ocupação americana durou pouco. Para ganhar o controle sobre Berlim Ocidental, os aliados deram em troca o Estado da Turíngia. Assim, Weimar passou para o controle soviético. O Teatro Nacional, que abandonara sua função artística para abrigar uma fábrica de armas durante a guerra, foi reaberto em 1947. E talvez para passar a ideia de que a cidade voltaria a ser como antes, a obra escolhida para a reestreia foi uma encenação de Fausto, do “onipresente” Goethe.

No “coração verde” alemão

                           Divulgação

A 80 Km de Weimar, a cidade de Eisenach exibe o segundo ponto turístico mais visitado da Turíngia: o Castelo Wartburg. Tombada pela Unesco em 1999, a construção medieval de 1080 repousa sobre a porção noroeste da Floresta da Turíngia. O visual é belíssimo, mesclando uma obra grandiosa do homem e uma vista magnífica do “coração verde” da Alemanha. Neste região, pode-se fazer trilhas, rapel e escaladas nos meses de verão e os típicos esportes de inverno quando a neve se impõe.
  Da estação de trem em Eisenach, é preciso pegar o ônibus10 para chegar ao castelo. De Weimar, a viagem dura cera de 50 minutos em trens regionais. Quem estiver realmente no clima medieval ou quiser alegrar as crianças pode seguir no lombo de burricos, alugados ao lado do estacionamento, que deixarão os visitantes no topo da montanha. E mais uma dica: mesmo nos dias quentes, leve uma blusa para se proteger da ventania persistente da montanha.
  Após a entrada do castelo, passando pelos primeiros cômodos, a sala de jantar saúda os visitantes com uma sequência de pinturas do austríaco Moritz von Schwind que conta a história do complexo. Segundo a lenda, Ludwig, o Saltador, estava caçando na região e instigado pela hostil caminhada, escalou a montanha, cravou sua espada e anunciou o futuro castelo. Mais tarde, seus antecessores transformaram a portentosa construção em um centro de cultura da corte. 
Assim como os nomes de Goethe e Schiller estão associados a Weimar, a figura do monge e professor e teologia Martinho Lutero, que deu origem à  Reforma Protestante, ficou marcada na história de Wartburg. Depois de ter publicado as 95 teses, que contestavam a venda de indulgências para o fiel merecer o céu, entre outros preceitos do catolicismo, o religioso passou a ser perseguido. Alem de excomungado pelo papa Leão X, o decreto do rei Carlos V permitia que ele fosse assassinado sem punição.
Foi assim que numa noite de 4 de maio de 1521, a carruagem de Lutero foi rendida e homens armados o colocaram rapidamente num cavalo como em uma cena cinematográfica. Depois da ação, o monge desapareceu e foi dado como morto. Porém, tudo não passara de um plano para abrigá-lo e protegê-lo.
O religioso foi levado ao Castelo Wartburg e ali passou a vestiu-se como cavaleiro, deixando a barba e os cabelos crescerem. Até seu nome foi mudado: ele passou a ser chamado de Jörg. Mesmo numa estadia curta — ele ficou escondido de maio de 1521 até março de 1522 —, Lutero fez história no castelo. Confinado, ele traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão, tornando-o acessível ao público geral, e iniciou a padronização do alemão formal.
Até hoje o modesto quarto ocupado pelo monge é uma das principais atrações do complexo. Pouco iluminado, o cômodo tem somente escrivaninha, cadeira, lareira e um móvel de madeira. O resultado de meses de trabalho do religioso pode ser visto no pequeno museu local, onde há alguns exemplares das primeiras bíblias traduzidas.
Outro destaque é o Salão dos Trovadores, onde mais uma obra de Moritz von Schwind chama atenção. O artista retrata outra lenda medieval surgida entre as muralhas do Wartburg: uma disputa de artistas no melhor estilo do programa  Ídolos, porém ambientado na Idade Média. O proprietário das terras onde está o castelo lançou uma competição para saber quem era o melhor trovador da região. O primeiro colocado receberia a glória e o último, a pena de morte. Segundo relatos, o azarado foi um austríaco que enalteceu as belezas de sua cidade e não o anfitrião. Apesar do trágico resultado, seu apelo por mais uma chance foi atendido e ele sobreviveu.

Pães que viram rosas

Outra figura associada ao castelo é a de Elisabeth, filha de uma rainha húngara. Aos 4 anos, em 1211, ela foi prometida ao proprietário de terra da Turíngia. Conhecida por sua bondade e atos de caridade, Elisabeth desagradava a família e o marido com seu comportamento altruísta. O pintor von Schwind, uma vez mais, retrata em seus quadros uma lenda sobre o casal.
 Ao sair com uma cesta de pães, Elisabeth teria sido abordada por Ludwig IV, seu marido, que perguntou sobre o conteúdo do embrulho. Ela respondeu que carregava flores e, ao levantar a toalha que cobria a cesta, os pães haviam sido transformados em rosas! Elisabeth viveu só até os 24 anos e, logo após sua morte, foi canonizada em 1235. Uma das partes mais antigas do castelo, a câmara Elisabeth, decorada em mosaico repleto de pedras coloridas, conta sua vida em diversos momentos.

Visuais para suspirar


Séculos depois, em 1777, Goethe, sempre ele, passou cinco semanas no castelo e registrou, em desenhos de próprio punho, as formas da edificação àquela época. O que mais atraia o escritor era o clima bucólico propiciado pela natureza, também apreciado pelos turistas contemporâneos com uma simples caminhada pelas vielas de paralelepípedo nos arredores das muralhas. Para fotos de toda a região, incluindo o esplendor da floresta, as torres oferecem a vista ideal.
Ainda dentro do burgo, vale a pena parar no restaurante que prepara uma imperdível Klöße, receita cuja base principal é uma mistura de batata crua ralada com batata amassada e cozida. Na casa, a especialidade é o Klöße servido sobre um creme de cogumelos selvagens. Também há a opção de pedir o prato acompanhado de chucrute e gulash, um guisado de carne. E ainda há as deliciosas tortas e bolos caseiros, sem contar a recomendadíssima cerveja Eisenacher Wartburg Pils. Para a ocasião ficar perfeita, sente-se em uma mesa próxima às janelas, para apreciar melhor a paisagem. E antes de deixar o Wartburg, olhe para o lado de fora através do arco que nos conduz até a ponte suspensa. Ao pôr do sol, a imagem é uma daquelas que demora para se esquecer.
No sopé do castelo, as andanças continuam, de modo a explorar as atrações de Eisenach. Na praça principal (Marktplatz) está o castelo da cidade, hoje sede do museu do estado da Turíngia, e a Igreja Georgenkirche. Nela, em 1211, casaram-se, com apenas 14 anos, Elisabeth da Hungria (aquela dos pães que teriam se transformado em flores) e Ludwig IV.

domingo, 9 de outubro de 2011

A vida do outro (por Rodrigo P. Macedo)


     O prédio foi construído em 1910. Diz o ditado popular que paredes tem ouvidos. Mas seria muito mais interessante se elas tivessem olhos e bocas. Quantas histórias elas não teriam para nos contar. Quantas reuniões políticas esse amontoado de tijolos não presenciou no período entre guerras nesta pequena cidade da Turíngia? Será que algum dos apartamentos serviu de palco para comemorações dos acontecimentos que ocorreram no Teatro da cidade, há algumas centenas de metros de distância e que cunharam a expressão “República Weimar” nos livros de história? Ou será que essas paredes chorariam ao se lembrar das manchas de sangue, derramadas por algum morador judeu, obrigado a trocar o aconchego do lar por um barraco do campo de concentração de Buchenwald?

domingo, 11 de setembro de 2011

Traidores são os que declaram guerras imorais, diz desertor dos EUA que lutou no Iraque


Em 21 de abril de 2007, o soldado norte-americano André Shepherd, de 34 anos, fez as malas, sacou todo o dinheiro que tinha na conta bancária e deixou o apartamento em Ansbach, Alemanha, onde há uma base militar dos Estados Unidos. Motivo: ele se recusou a voltar ao Iraque. Para Shepherd, a guerra é ilegal e uma violação dos direitos humanos. 

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ressuscitem a Norma


Quarta de manhã. O dia começa como sempre às 8h numa pequena cidade da Alemanha. Enquanto escova os dentes, despeja a água quente no coador. Aos poucos o café pinga na garrafa térmica azul de listrinhas. Ela corre ao banheiro e termina sua limpeza bucal no local adequado. Tudo transcorre normalmente. Café preto, torradas com geleia e iogurte. O marido sai atrasado, o barulho do trem partindo entra pelas janelas abertas do apartamento. A casa está em silêncio, ela liga o computador. Alguns minutos para carregar - iTunes, iFotos, caixa de e-mail -, esse HD externo deixou o Mac com a mesma velocidade de um PC-XT. Impaciência. Troca de roupa, penteia os cabelos e volta para sua mesa. Caixa de entrada atolada. Devem ser as fotos de divulgação pedidas no dia anterior. Espera... Espera... Abre o Firefox. Checagem matinal do Facebook. Mural de um amigo: “quem matou a Norma”. Deve ser “piada interna”, pensa. Não, impossível, 875 pessoas “curtiram” a página oficial da pergunta. Mural do segundo colega: “o assassino da juíza armou agora uma emboscada para Norma”. Mural do terceiro conhecido: “plano bem-feito”.
Preocupa-se. Jornalista não pode estar por fora de nada. Nunca mais arrumará outro emprego formal desse jeito. Só pode ser uma ministra da Dilma. Mais um caiu! Outro caso de corrupção. Talvez trate-se de alguma garota universitária, seqüestrada e estrangulada pelo ladrão impaciente. “Que matou a Norma?”. Também pode ser um novo romance policial na lista dos mais vendidos. Queima de arquivo? Existe alguma CPI da Norma que ela nunca tomou conhecimento? Paranóia. Hesitou. Solução rápida e eficaz. Por que não perguntar no Twitter quem é a “dita cuja”? Não! Definitivamente não! Pode queimar o filme. E se ela for a  substituta da Fátima Bernardes? Abriu então o Twitter. Conversa entre mãe e filho.
-       @filho: filho, quem matou a norma?
-       @mãe: sei lá eu, mãe.
-       @filho: moleque, você passa o dia na internet e ainda não descobriu isso!
Desculpa-se com sua própria consciência pela intromissão na intimidade do lar alheio, ela sempre respeitara as normas dos bons costumes, mas era um caso de extrema urgência. De volta a pesquisa. Checa as twittadas de quem matou a Norma: “não interessa para você, palhaço” (termômetro da irritação na casa dos 80%); “o que ficou para a Jandira” (agora colocaram um terceiro na jogada!) e “quem matou a norma culta?”. Chega a vez do You Tube. Nessa altura do campeonato, ela estava convicta. A Norma era mais uma morena que andava de Cross Fox amarelo, aparecia no Luciano Huck e postava vídeos próprios deitada sobre uma banheira cheia de pétalas de rosas, enquanto passava mel sobre o corpo! Crime passional? Absolutaaaaaa....  
Hipótese descartada. Quem aparece à La Bin Laden em vídeo secreto é um garoto metido a sambista. “Tudo isso me apavora, estão dizendo aí que eu matei a Norma” (...) “Estava em casa numa boa e veio uns mano aí perguntar se eu matei a tal coroa”. Dez mil pessoas assistiram à declaração terrorista. Só ela tinha pegado o trem assim tão atrasada. E-mails baixados. Chegaram as benditas fotos! Nenhuma notícia do Brasil, ainda era muito cedo por lá. Só alguns amigos com insônia que de vez em quando mandam notícias. Dessa vez, nem eles. Só e-mails @gmx.de. Um de uma amiga, que acabara de se mudar para a Conakry, capital da Guinea. Será que ela sabe quem é a tal Norma? E se não existir Globo Internacional na África?
Enquanto Adorno revira-se na tumba, algum médium começará em breve a psicografar pistas sobre o assassino. Devaneios. Ficção x Realidade. Um brinde às normas do mundo moderno! Enfim, mistério descoberto. Coração partido. Norma é uma ficção. 8h33. Agora a tranqüila protagonista começara de fato a trabalhar. Invadida pela aconchegante sensação de que poderia voltar sem problemas para a terra natal e conversar com as pessoas no balcão da padaria, salão de beleza ou na fila do supermercado. Um brinde a verdadeira, mesmo que ficcional, Norma. 

sábado, 13 de agosto de 2011

Muro de Berlim: alemães lembram os 50 anos da construção da barreira

Meio século atrás, durante a madrugada do dia 12 para 13 de agosto de 1961, policiais e soldados da antiga RDA (República Democrática Alemã) bloquearam as fronteiras entre Berlim Ocidental e Oriental com cercas de arame farpado. Começava a construção do Muro de Berlim, de 160 quilômetros, que dividiu a capital por 28 anos. Desde a criação da RDA, em 1949, até o bloqueio oficial das fronteiras, 2.686.942 pessoas fugiram para Berlim Ocidental. Após o início da construção do muro, outras 51.624 partiram. 

Schirner Pressebild-Agentur 
Construção do muro no setor fronteiriço Linden- Ecke Zimmerstraße (18/08/1961)

Para relembrar o episódio, dezenas de exposições, festivais, apresentações, filmes e debates temáticos tomam conta da capital alemã no mês de agosto, em uma parceria das organizações Stiftung Berliner Mauer e Landesgesellschaft Kulturprojekte Berlin GmbH. Os 24 painéis com imagens em preto e branco do Muro de Berlim, por exemplo, espalhados em 19 pontos do centro da capital alemã, até 28 de agosto, não passaram despercebidos pelos moradores e visitantes da cidade. 

“Queremos pensar nas vítimas e lembrar daqueles que carregam a responsabilidade pelas mortes. Ao mesmo tempo recordamos o forte sentimento de pertencimento entre os berlinenses, mantido mesmo durante a separação”, disse o prefeito de Berlim Klaus Wowereit, durante a vernissage em 15 de junho. A data para a abertura da mostra a céu aberto não foi coincidência. 

Jürgen Homuth/Stiftung Berliner Mauer
Exposição externa do Memorial do Muro de Berlin, onde antigamente passava a barreira 

Praticamente todos os bairros da cidade têm algo a oferecer. O memorial de refugiados Marienfeld, no bairro de Tempelhof-Schöneberg, inaugurou a exposição “Desaparecidos e Esquecidos. Campos de Refugiados em Berlim Ocidental”. Em cartaz até 30 de dezembro, a exibição retrata como funcionava os mais de 80 campos de refugiados, a vida dessas pessoas e a Berlim do pós-guerra. Na antiga torre de controle chamada Schlesischer Busch, exatamente na fronteira entre os bairros de Kreuzberg e Treptow, uma coleção de imagens mostra, somente nos dias 13 e 14 de agosto, fatos históricos anteriores e posteriores ao muro. 

Já o Museu de História da Alemanha, no centro de Berlim, expande a temática para o continente dividido e mantém em cartaz até 03 de outubro o trabalho dos fotojornalistas alemães Thomas Hoepker e Daniel Biskup, com retratos desde a construção do muro até o fim do socialismo real. São 280 fotografias reunidas sobre o título “Sobre a Vida” (Über Leben, em um jogo de palavras com überleben, isto é, sobreviver). Hoepker, que nasceu em Munique, em 1936, retrata o estilo de vida da RDA de 1959 a 1991. 

Thomas Hoepker 
Criança no muro de Berlim, Berlim Ocidental (1963). Na placa: "vá embora, setor soviético" 

Em contraposição, Biskup, nascido em Bonn, em 1962, clicou os momentos de ruptura social não só na Alemanha Oriental, mas também na União Soviética e na antiga Iugoslávia. Ainda com a data em mente, o museu desenvolveu uma segunda exposição especial. Há 20 anos, a curadoria reúne e coleciona fotos da história e dos hábitos de vida no país. Cerca de 250 imagens dos últimos anos do século XIX até o fim da RDA em 1990 estão expostas de modo cronológico, intituladas como “O Século XX – Pessoas, Lugares, Tempo”. Hoje, a entrada será gratuita para ambas exposições. 

Exatamente na mesma data, a cidade de Berlim, acompanhada do prefeito Wowereit, se reunirá das 10h às 19h em torno do Memorial do Muro de Berlim, na Bernauerstraße, na divisa entre Mitte e Wedding, para diversas atividades. O espaço que tradicionalmente exibe fotos e uma vasta gama de documentos sobre o Muro de Berlim, ampliará a área externa de exposições. 

Grenzläufte e.V. 
Antiga Torre de Controle Schlesischer Busch, em Berlim 

Para aqueles que desejam entender como era viver em uma cidade dividida, as artistas Tamiko Thiel e Teresa Reuter fizeram uma reconstrução virtual de parte da barreira de concreto. Por meio de técnicas de realidade virtual como simulação, animação, viagem no tempo e interação, visitantes podem curtir a criação até 28 de agosto, no espaço de artes Bethanien, em Kreuzberg.  Outro projeto das artes visuais é o Cinema de Fronteira de Berlim, que exibirá filmes com essa temática em diversos pontos da cidade. O cinema de fronteiras trazia para as telas problemas como as fugas berlinenses, a vida no pós-guerra, assim como a propaganda da Guerra Fria, mas desapareceu subitamente após a construção do muro e até hoje ainda é pouco difundido. 

Há também uma exposição na Galeria Zero, em Kreuzberg, a partir do dia 13. No acervo, fotos, pôsteres de filmes, trechos de algumas películas e entrevistas. Intitulada como “Vibrações na Cortina de Ferro – A História do Cinema de Fronteiras de Berlim 1950-1961”, a mostra pode ser vista até 13 de setembro. De 02 a 09 de setembro, o cinema Arsenal, na Potsdamer Platz exibirá filmes do gênero. Na lista constam títulos como No Ocidente nada Novo, Um Romance de Berlim e Ela dançou somente um verão. 

Regina Cazzamatta para Opera Mundi: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/MURO+DE+BERLIM+ALEMAES+LEMBRAM+OS+50+ANOS+DA+CONSTRUCAO+DA+BARREIRA_14207