sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Barbaridades Germânicas


Não conheço nenhum cidadão que já tenha declarado não gostar de viajar. Pois é, há um ano deixamos o Brasil animadíssimos, afinal de contas tem coisa melhor do que conhecer novas pessoas, lugares, comidas e aprender uma nova língua? Passados tantos meses e superadas todos as dificuldades iniciais já conseguimos rir das peculiaridades que enfrentamos ao chegar. Temos que admitir que iniciar uma vida, regularizar toda a documentação em um país ultra organizado, de temperaturas geladas e de palavras gigantes é bastante complexo. Primeiro de dezembro, -10 graus (ainda ia piorar) e nosso despertador tocou às 6h da manhã. Às vezes eu acho que só poderia mesmo estar maluca, cair da cama nesse frio a essa hora para começar meus primeiros passos na língua de Brecht. Morávamos no sinistro prédio na Eisenbahnstrasse (a rua dos trilhos do trem), uma caminhada de 40 minutos até o Instituto de Línguas na Universidade de Leipzig (famoso InterDaf). 


Esse tempo poderia ser encurtado com a ajuda de um singelo bondinho, mas ainda resistimos por uma semana. Por que não andar? Apesar da temperatura não muito agradável, conheceríamos a cidade e evitaríamos ganhar peso com o prato predileto por essas bandas: Würste e batatas. Foi assim mesmo que chegamos (a pé) no nosso primeiro dia de aula, por volta de 8h03 da manhã. Não entendíamos uma palavra de alemão e por isso começamos no nível A1 (maternal do curso de línguas). Mas a professora se fez entender: “vocês estão atrasados. A aula aqui começa às 8h”. Como assim atrasados? Defina atrasado! Nós até engolimos o café da manhã para chegar no horário como manda a boa conduta alemã! Eu tinha me esforçado! 

Mas sem rancores. A Frau Kübler foi a melhor professora de alemão que já tive em todos os tempos. Até um pé de manjericão ela me deu de aniversário. Dedicamos longas tardes entretidos com as barbaridades do idioma. Mas não vou me estender muito nesse assunto (logo mais escrevo outro post para reclamar das declinações e tremas impronunciáveis). Também passamos muitos dias para entender o processo de obtenção de um visto. A gente tinha que fazer um registro de moradia e avisar a prefeitura que morávamos naquele prédio estilo DDR (nem era tão ruim assim, tinha até banheiro privado). Tudo para conseguir o primeiro entre todos os papéis esquisitos que iriam para nosso dossiê imigrante. 

Tratava-se de um tal de “Anmeldebestätigung”. Começamos a completar a montanha de papéis burocráticos de nomes estranhos: seguro saúde (Unfall und Haftpflichtversicherung), certidão de casamento (Heiratsurkunde), comprovantes de matrículas (Immatrikulationsbescheinigung) e por aí vai. Tudo para conseguir um simples carimbinho de autorização também de nome bizarro – “Aufenthaltstitel”. Fomos ao escritório (Ausländerbehörde) com uma pasta recheada e uma cara de ponto de interrogação. Comentário paralelo: nosso Poupatempo é muito mais legal! Entregamos tudo sem falar nada, vimos nossas fotos em uma ficha salva no computador também sem entender “bulhufas” e recebemos um novo adesivo no passaporte. Detalhe: ganhamos um visto até o dia 31 de março. Problema: Nos mudaríamos para Berlim em 01 de abril e para conseguir apartamento e fazer outra matrícula precisávamos de um visto válido! Resultado: fizemos uma segunda visita ao adorado Ausländerbehörde e levamos mais uma vez todos esses documentos aí de cima (não sei para que se eles já tinham tudo lá!). Mas como burocracia é burocracia em qualquer lugar do mundo (talvez na Rússia seja pior) não conseguimos outro visto. Motivo: se moraríamos definitivo na capital, era lá mesmo que o pedido deveria ser feito. E agora? 

Arrumaram um papelzinho camarada chamado (lá vai) “Fiktionsbescheinigung” que serviu como uma espécie de visto provisório. Pra tudo se dá um jeito! Nesse momento, metade dos nosso problemas estavam resolvidos. Agora só faltava arrumar um apartamento na capital e preparar a mudança, apesar dos curtos três meses de aulas de alemão. Deu tudo certo, mas eu ainda acho que uma Brasileira em Berlim pode ser pior que um Americano em Paris.

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